'Bolsonaro faria
igual': grupos pró-Israel não impactam posição do Brasil em conflito, diz
analista
Grupos
de extrema direita e da direita evangélica pró-Israel no Congresso tentam
modificar a política externa brasileira em relação à Palestina. Conheça as
origens do apoio conservador a "Israel imaginária" e por que nem
Bolsonaro conseguiu mudar a posição do Itamaraty sobre o conflito israelo-palestino.
A
ofensiva terrestre de Israel na Faixa de Gaza tem dividido a sociedade
brasileira entre grupos simpatizantes aos direitos dos palestinos e aqueles
sensíveis às demandas de segurança de Israel.
Essas
divisões se refletem no Congresso Nacional. Recentemente, o deputado federal do
Partido Liberal, Gustavo Gayer, enviou carta à Embaixada dos EUA em Brasília
expondo nomes de políticos, professores e intelectuais com visões
pró-palestinas atuando no país.
O
documento intitulado "Informações sobre apoiadores de grupos terroristas
no Brasil que visitam os EUA" gerou notas de repúdio da Universidade de
Brasília e temores de forte polarização social em torno do conflito
israelo-palestino.
O
repúdio de grupos bolsonaristas à causa palestina está intimamente ligado à
figura do primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, considerado um ícone
pelos movimentos de direita radical mundialmente.
"A
extrema direita global vê a figura de Netanyahu com muitos bons olhos,
colocando-o no mesmo time de líderes conservadores como [presidente da Hungria
Viktor] Orbán, [ex-presidente dos EUA, Donald] Trump ou [ex-presidente do
Brasil, Jair] Bolsonaro", disse o professor de relações internacionais da
Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, à Sputnik
Brasil.
A
apoio às políticas de Israel em relação à Palestina também é difundido entre
setores da direita evangélica, que consideram a construção do Estado de Israel
uma profecia bíblica.
"Há
uma interpretação de que Israel precisa estar reconfigurado para que tenhamos a
segunda vinda de Jesus Cristo à Terra", explicou Vieira. "Há também
uma aproximação religiosa de grupos evangélicos com o judaísmo, se
considerarmos a clara ênfase que algumas igrejas evangélicas colocam no Antigo Testamento,
em oposição ao Novo Testamento, que basicamente traz a palavra de Cristo."
O
professor nota a cobertura do conflito israelo-palestino veiculada pela rede
Record, ligada à Igreja Universal, que traz "uma linha editorial
pró-Israel, com a visão de que o país deve ser protegido por razões
bíblicas".
"Essas
interpretações religiosas estão sendo bastante convenientes para selar uma
aproximação entre grupos evangélicos e setores da extrema direita
brasileira", disse Vieira.
O
pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade de Jerusalém
e professor de sociologia da UFRJ, Michel Gherman, concorda, e diz que há uma
"aliança tática entre a direita evangélica e a extrema direita brasileira
em apoio a uma Israel imaginária", bastante distinta da "Israel
real".
"A
partir das manifestações de 2013, vemos uma conexão poderosa entre a extrema
direita [...] e a direita evangélica, na defesa do que eu chamo de 'Israel
Imaginária', que é branca, armada, muito capitalista – no sentido de 'startup
nation' – e um Estado judeu religioso, integrante da civilização
judaico-cristã", disse Gherman à Sputnik Brasil.
Durante
o governo Bolsonaro, o apoio a "Israel imaginária" foi alçado a
categoria de política de Estado, com o uso de símbolos vinculados ao Estado
israelense e "um discurso político de apoio a Israel em todas as
vertentes".
"Mas
é importante notar que a Israel imaginária que colonizou os corações e mentes
da extrema direita e da direita evangélica brasileira não é a Israel real,
concreta e cheia de contradições", declarou Gherman.
·
Resposta
israelense
Apesar
dos claros dividendos políticos que o apoio da direita evangélica e da extrema
direita brasileira garantem a Israel, não há provas de que o Estado judeu
forneça apoio material a esses grupos no Brasil.
"Não
temos provas de que há um vínculo institucional entre o Estado de Israel e o
apoio desta aliança tática entre a extrema direita e a direita
evangélica", asseverou Gherman. "Por outro lado, existe, sim, um
interesse estritamente financeiro em atividades como o turismo evangélico para
Israel."
Além
disso, nem todas as correntes políticas em Israel querem que a imagem do país
esteja vinculada à extrema direita mundial ou a grupos religiosos
conservadores, argumentou o pesquisador.
"Israel
não mostra interesse em se alinhar diretamente com a extrema direita e direita
evangélica brasileira. Um exemplo foi a representação israelense na parada
LGBTQIA+ em São Paulo", disse Gherman. "Me parece que Israel busca
outro soft power [poder brando] em sua política para o Brasil, que não esteja
somente ligado aos grupos de extrema direita."
·
Impacto
prático
O
apoio da direita evangélica e extrema direita brasileira a Israel ainda teve
pouco sucesso em influenciar a política externa brasileira em relação ao
conflito, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
"É
natural que grupos de interesses façam lobby no Congresso e nos mais diversos
ministérios – como da Saúde e Educação – para serem ouvidos na formulação de
políticas públicas. E a política externa também é uma política pública",
explicou o professor de Relações Internacionais da FAAP, Vinícius Rodrigues
Vieira.
De
fato, deputados da bancada do PL utilizaram a tribuna do Congresso Nacional
para criticar a posição brasileira sobre o conflito, cobrando que o Brasil
reconheça o Hamas como organização terrorista.
O
deputado federal Eduardo Bolsonaro, por exemplo, assinou dois requerimentos
para convocar o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ao Congresso,
para elucidar "que medidas estão sendo adotadas após o ataque terrorista
do grupo Hamas e qual é a posição oficial do Brasil em relação ao grupo
terrorista e às violações que estão sendo praticadas contra o povo
israelense", reportou a Folha de São Paulo.
No
entanto, as manifestações ainda não foram capazes de modificar o posicionamento
oficial do Brasil em relação ao conflito israelo-palestino.
"A
questão é que a nossa política externa já é bastante equilibrada na questão
israelo-palestina. Sempre reconhecemos Israel e defendemos a criação de um
Estado palestino", disse Vieira.
Os
analistas notam que mesmo durante a Presidência de Bolsonaro essa política foi
mantida, principalmente em função de interesses comerciais do agronegócio
brasileiro nos países árabes.
"Bolsonaro
foi eleito com a proposta de mudança de mudar a Embaixada de Tel Aviv para
Jerusalém, mas não implementou. Ele prometeu reconhecer o Hamas como
organização terrorista, mas não se empenhou muito para fazê-lo", lembrou
Gherman. "Sou capaz de apostar que, se Bolsonaro fosse presidente, a posição
diplomática do Brasil em relação ao conflito não seria tão diferente da
atual."
O
impacto prático limitado não impede que os grupos de extrema direita e a
direita evangélica mantenha o seu apoio a Israel durante o atual conflito,
independente da escada das hostilidades.
"A
situação atual não contradiz o apoio a Israel imaginária. É uma tragédia de
proporções bíblicas, cuja gramática religiosa garante a manutenção do apoio a
Israel. [..] A interpretação que certos grupos religiosos fazem da situação atual
aponta que estamos nos aproximando do fim do mundo. E a visitação ao armagedon
continua", concluiu o especialista.
Ø
Israel
piora relações com mundo árabe, mas Acordos de Abraão não serão rescindidos
Um
cientista político criticou as ações de Israel na Faixa de Gaza, que vê como
desproporcionais, apesar de ver Hamas como uma organização terrorista. Apesar
disso, ele não crê que isso mudará o rumo da região.
A
Arábia Saudita denunciou "nos termos mais fortes possíveis" na
quarta-feira (1º) o ataque das Forças de Defesa de Israel (FDI) ao campo de
refugiados de Jabaliya. Israel disse que o ataque foi parte da ofensiva contra
o Batalhão Central de Jabaliya do Hamas, que usa civis palestinos como escudos
humanos.
O
atual conflito entre Israel e o Hamas, que já levou a vida de mais de 1,3 mil
israelenses e mais de 8 mil palestinos, provocou uma série de manifestações em
países árabes, inclusive naqueles que têm tratados de normalização com o Estado
judeu.
Centenas
de pessoas saíram às ruas no Bahrein agitando bandeiras e expressando apoio aos
palestinos em frente à embaixada israelense em Manama. Foi relatado
recentemente que o governo do Bahrein, um dos países que assinou os Acordos de
Abraão com Israel em 2020, com a mediação dos EUA, decidiu retirar seu embaixador
em Israel e suspender as relações econômicas com o país.
Como
as tensões entre Israel e o mundo muçulmano seguem aumentando, quais são as
implicações para as relações de Tel Aviv com Riad e os signatários dos Acordos
de Abraão de 2020?
"Acho
que para o Marrocos, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, será muito difícil
congelar, é claro", afirmou à Sputnik o dr. Ahmed al Ibrahim. Para o
cientista político baseado em Riad, Arábia Saudita, o distúrbio na cooperação
continuará devido ao "genocídio" que está ocorrendo.
Ele
disse reconhecer o Hamas como organização terrorista, mas respondeu que o lado
israelense está "basicamente punindo e conectando pessoas inocentes,
especialmente mulheres e crianças", o que complicará as coisas.
"Mas
congelar os Acordos de Abraão não será possível, porque você ainda quer esse
tipo de documento com Israel, que acabou de ser estabelecido para conter os
problemas que estão ocorrendo no momento", segundo Al Ibrahim.
A
Arábia Saudita, que recentemente negociou a normalização das relações com
Israel, não condenou o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, e sublinhou a
necessidade de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, a proteção de civis, a
permissão de ajuda humanitária aos palestinos destituídos, e o reinício do processo
de paz na região.
"Obviamente,
todas as conversas sobre a normalização com Israel têm sido [feitas] através da
mídia ligada aos EUA, foram interrompidas e colocadas de lado, e quanto mais
Israel estiver matando pessoas, mais difícil será para o príncipe herdeiro
devolver tudo ao seu lugar, a menos que haja magia, uma solução mágica que
aconteça. Os sauditas sempre apoiam o povo da Palestina, e o príncipe herdeiro
mencionou isso algumas vezes", apontou Ahmed al Ibrahim.
"A
primeira coisa é dar uma chance à solução de dois Estados, e Jerusalém Oriental
é a capital da Palestina. Dar dignidade ao povo da Palestina, encontrar uma
solução para eles que seja trabalhada pela Liga Árabe e pelo governo israelense
e, basicamente, fazer com que todos estejam seguros e coexistam com todos. Se
essa guerra continuar e mais pessoas inocentes forem mortas, será muito difícil
voltar e sentar-se à mesa para discutir a normalização novamente."
Ø
Situação
na Palestina tem sido muito difícil devido ao governo extremista de Israel, diz
Hezbollah
A
situação na Palestina tem sido muito dura nos últimos anos por causa do governo
extremista de Israel, disse nesta sexta-feira (3) o secretário-geral do grupo
militante libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah.
"O
povo palestino vem sofrendo há mais de 75 anos. A situação na Palestina tem
sido muito dura nos últimos anos devido ao governo extremista e estúpido [de
Israel]", disse Hassan Nasrallah.
É
seu primeiro discurso desde o início da escalada entre a Faixa de Gaza e
Israel.
"O
que está acontecendo na Faixa de Gaza mostra a estupidez e a fraqueza de
Israel. Israel está repetindo a experiência de 2006 com o Líbano, quando não
conseguiu libertar reféns por meio de ações militares, tendo sido forçado a
negociar", destacou o líder do grupo.
"Após
um mês de hostilidades, Israel não tem qualquer conquista militar real na Faixa
de Gaza. A vitória no confronto com Israel acabará por ser da Faixa de
Gaza", ressaltou Hassan Nasrallah.
O
secretário-geral do Hezbollah declarou estar pronto para qualquer mudança na
frente libanesa com Israel. O Hezbollah entrou nas hostilidades contra Israel
em 8 de outubro. 57 combatentes já morreram no confronto na fronteira entre
Israel e o Líbano, incluindo combatentes das milícias palestinas no Líbano, de
acordo com o comunicado de Nasrallah.
"Todos
os cenários são possíveis. A probabilidade de uma guerra em grande escala entre
o Hezbollah e Israel é real", acrescentou ele.
O
movimento se coloca em risco, mas ele é útil porque conseguiu levar um terço do
Exército israelense para a fronteira com o Líbano, resumiu ele.
Os
Estados Unidos impedem o cessar-fogo na Faixa de Gaza, de acordo com o
secretário-geral do Hezbollah.
"Os
Estados Unidos são totalmente responsáveis pela guerra em Gaza. Israel
desempenha o papel de executor dos EUA, eles são responsáveis por crimes contra
os povos no século passado e neste século", afirmou o líder do grupo.
Os
ataques contra as bases militares americanas no Iraque e na Síria acontecem
porque os Estados Unidos são responsáveis pela situação nesses países e na
Palestina, segundo ele.
Na
quinta-feira (2), o Hezbollah afirmou que seus combatentes lançaram ataques
simultaneamente contra 19 posições militares de Israel. O movimento também
disse que usou dois drones para atacar posições israelenses no território das
Fazendas de Shebaa, área na fronteira disputada entre o Líbano, Síria e Israel.
·
Especialista
britânico revela armadilha em que caiu Israel no conflito com Hamas
Para
derrotar o grupo militante Hamas, Israel terá que destruir a Faixa de Gaza com
sacrifício do apoio internacional, observa Nicholas Westcott, ex-diretor-geral
para o Oriente Médio do Serviço Europeu para a Ação Externa da União Europeia
(UE), em um artigo no The Guardian.
De
acordo com o especialista, a continuação dos combates em Gaza está
enfraquecendo cada vez mais "a posição moral" de Israel, e até mesmo
os próprios israelenses reconhecem a limitação das capacidades para
"retaliação".
"O
problema é que eles [Israel] não podem destruir o Hamas sem destruir a Faixa de
Gaza; e ao destruir Gaza eles correm o risco de minar o apoio internacional ao
próprio Israel", escreve Westcott.
Ele
acrescentou que o Hamas está tão arraigado na sociedade que as ações militares
de Israel apenas aumentam seu apoio entre a população.
"Um
povo levado ao desespero apoiará ações desesperadas", alerta Westcott.
Vários
países convocaram seus representantes oficiais em Tel Aviv, na última semana,
como retaliação às operações militares de Israel, dentre eles Chile, Colômbia e
Jordânia, já o Bahrein rompeu as relações diplomáticas e comerciais com a nação
hebraica.
Fonte:
Sputnik Brasil
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