Quem foi Oswaldo
Aranha, o brasileiro que ajudou a criar o Estado de Israel
Uma
das avenidas principais de Porto Alegre se chama Oswaldo Aranha e corta
justamente o bairro do Bom Fim, reduto de expoentes da comunidade judaica na
capital do Rio Grande do Sul. Também há ruas com este nome em Tel-Aviv, Bersebá
e Ramat Gan, em Israel. E uma Praça Oswaldo Aranha em Jerusalém.
As
homenagens se justificam principalmente pela atuação do brasileiro para a
aprovação da chamada Resolução 181, quando a Organização das Nações Unidas
(ONU) lançou as bases para a criação do atual Estado de Israel.
Para
especialistas, o político, diplomata e advogado brasileiro Oswaldo Euclides de
Sousa Aranha (1894-1960) deve ser considerado um dos maiores nomes do país no
âmbito das relações internacionais.
“Sua
atuação no cenário internacional estava dentro da questão do excedente de
poder, um conceito de política externa que trata das coisas que criam condições
para que você crie outras”, diz à BBC News Brasil o cientista político Leonardo
Bandarra, pesquisador na Universidade de Duisburg-Essen (Alemanha) e associado
sênior na organização desarmamentista Middle East Treaty.
“A participação do Brasil [na criação do
Estado de Israel] foi importante para o país mostrar capacidade de gerir assuntos
complexos de paz que não são de sua região. Até hoje nos dá prestígio no
cenário internacional”, acrescenta.
Em
1948, por conta dessa atuação, Aranha chegou a ser indicado para o Prêmio Nobel
da Paz.
“Ao
lado de Ruy Barbosa [(1849-1923)], Barão do Rio Branco [(1845-1912)] e Bertha
Lutz [(1894-1976)], é um dos nomes mais importantes da diplomacia brasileira.
Simboliza um Brasil que se lançava para o mundo”, afirma à BBC News Brasil o
economista Robert Georg Uebel, professor de relações internacionais da Escola
Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
• Diplomacia inata
Mas
como foi a trajetória desse gaúcho, antigo amigo do presidente brasileiro
Getúlio Vargas (1882-1954) que também se tornaria amigo do seu homólogo
americano Franklin Roosevelt (1882-1945), a ponto de ele se tornar um dos nomes
mais importantes da diplomacia mundial no conturbado momento da vigência e do
término da Segunda Guerra Mundial?
Sua
biografia indica uma facilidade inata para intermediar conflitos e buscar
soluções.
“Ele
tinha uma aptidão muito grande para questões internacionais desde cedo”, diz à
reportagem o cientista político Christopher Mendonça, professor na Ibmec de
Belo Horizonte. “Aranha nasceu no lugar onde é praticamente fronteira do Brasil
com Argentina e Uruguai [o município de Alegrete] e jovem esteve em países como
França, Itália e Suíça. Esse conhecimento internacional fez dele uma pessoa de
destaque nesse assunto.”
Graduado
pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, hoje Faculdade Nacional de
Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), logo em seguida
passou uma temporada de estudos em Paris. Só então se viu talhado para começar
a carreira, como advogado, no Rio Grande do Sul.
Logo
sua trajetória se misturaria com a política. Em 1923, tinha 29 anos quando
explodiu a luta entre chimangos e maragatos — e ele chegou a pegar em armas
para lutar a favor do sistema republicano em seu estado. Dois anos mais tarde
tornou-se prefeito de sua cidade natal — e lembrado até hoje como o introdutor
do sistema de esgoto no município.
Nesse
período, o diplomata dentro dele pareceu saltar aos olhos. Os resquícios do
conflito de dois anos atrás ainda ecoavam em sua Alegrete, fazendo com que
famílias distintas se vissem como rivais. Ele conseguiu selar a paz.
Aranha
parecia galgar uma ascensão meteórica. Em 1927, foi eleito deputado federal. No
ano seguinte, foi nomeado secretário de Negócios Interiores e Exteriores do Rio
Grande do Sul.
Pouco
tempo depois, ele era um dos principais articuladores da chamada Aliança Liberal,
campanha que organizou o golpe armado que deporia o presidente Washington Luís
(1869-1957), fazendo a Revolução de 30 que acabaria levando o seu conterrâneo
gaúcho Getúlio Vargas à presidência da República pela primeira vez.
Foi
nessa época que a amizade de ambos se tornou forte.
• Com Getúlio Vargas
“Ele
passou a fazer parte do gabinete governativo de Vargas”, pontua Mendonça. Foi
ministro da Justiça e, depois, da Fazenda. Seu olhar estava sempre mirando o
exterior — tanto que em sua gestão no comando das finanças públicas promoveu um
levantamento que, pela primeira vez, consolidou o montante da dívida externa
brasileira.
Mendonça
lembra que era um momento delicado para as contas, já que o planeta vivia o
rescaldo da intensa crise de 1929, quando houve a quebra da bolsa de valores de
Nova York e uma reação em cadeia pelos mercados mundo afora.
A
amizade com Vargas, contudo, não fazia dele um apoiador inconteste. Em 1934,
após uma série de desentendimentos, ele pediu demissão do cargo. Foi quando acabou
nomeado embaixador brasileiro em Washington.
“Ele
foi colocado nessa posição por sua grande capacidade em assuntos internacionais
e habilidade de mediação política”, ressalta Mendonça.
“Aranha
era um admirador dos Estados Unidos, de como uma ex-colônia se tornava uma
democracia pujante. Ao mesmo tempo, ele era antifascista e pró-democracia e
isso é uma característica na qual ele foi muito coerente ao longo de sua
carreira”, diz Bandarra.
Durante
sua gestão, ele costurou alguns tratados importantes. Em 1935, por exemplo,
Brasil e Estados Unidos firmaram um compromisso comercial mútuo que é
considerado basilar para a aproximação histórica entre as duas nações.
Ele
também se aproximou do presidente Roosevelt, de quem se tornou amigo, e formou
uma comitiva que o trouxe para visitar o Rio de Janeiro, em 1936.
“Os
Estados Unidos ainda não eram um país de referência, uma potência global, mas
Oswaldo Aranha teve o feeling, a capacidade de ver neles uma grande capacidade
do ponto de vista econômico e militar”, analisa o cientista político.
No
ano seguinte, houve nova rusga com Vargas. “Foi quando o presidente redigiu o
decreto do Estado Novo. Aranha criticou”, lembra Mendonça. O episódio
precipitou sua demissão do posto em Washington.
“Ele
tinha uma relação próxima com Vargas, mas era uma relação crítica, com momentos
de proximidade e momentos de separação, de corte de relações formais com o
governo”, explica Bandarra. “Isso só reforça que ele falava o que pensava, o
que acreditava.”
Em
1938, ambos se aproximaram mais uma vez. Oswaldo Aranha acabou nomeado ministro
das Relações Exteriores. E aí seu papel se tornou crucial para os rumos
adotados pelo país durante a Segunda Guerra Mundial, conflito que ocorreu entre
1939 e 1945.
• Panamericanismo e Segunda Guerra
O
primeiro ponto elementar de sua gestão à frente do Itamaraty foi reforçar os
laços brasileiros dentro das relações americanas.
“Ele
lutou pela aproximação comercial com a Argentina e os Estados Unidos e, vale
dizer, os dois são até hoje parceiros muito importantes para o Brasil. Nesse
sentido, Aranha foi responsável pelo padrão da política externa brasileira
ainda vigente”, argumenta Mendonça.
Com
a guerra, havia uma pressão para o posicionamento brasileiro dentro do
conflito.
Em
1942, na Conferência do Rio que foi presidida por ele, Aranha declarou o
rompimento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com os países do
Eixo. “Esse foi o passo fundamental para a aproximação do Brasil com os países
que posteriormente venceram a Segunda Guerra”, analisa Mendonça.
“Havia
no país um flerte com o autoritarismo, inclusive com o nazismo. Nesse sentido,
ele teve o mérito de fazer com que o país se mantivesse dentro dos preceitos da
democracia, da liberdade.”
O
cientista político Bandarra afirma que, no governo Vargas, Aranha se
contrapunha a dois outros nomes sobre o posicionamento brasileiro na guerra: o
então chefe da polícia política Filinto Müller (1900-1973) e Enrique Gaspar
Dutra (1883-1974), que ocupava o posto de ministro da Guerra.
“Estes
eram favoráveis a uma relação próxima com os países do Eixo. Aranha teve uma
atuação forte nos bastidores para que o Brasil ficasse ao lado dos Aliados”,
diz.
No
princípio, o diplomata advogou pela chamada equidistância, em que o país
deveria assumir uma pretensa neutralidade no conflito, tentando se beneficiar
de ambos os lados. “Seria um equilíbrio pragmático, uma neutralidade positiva”,
afirma Bandarra.
“Em
seguida, ele puxou para o caminho mais próximo com o lado americano, pela
questão do panamericanismo, da democracia e tudo isso”, complementa. “Ele foi
uma pessoa que pensou à frente na questão da posição do país no cenário
internacional.”
“Era
um momento muito conturbado da política internacional e, ao mesmo tempo, um
momento em que o Brasil estava se lançando ao mundo, se mostrando para o
mundo”, comenta Uebel.
“Oswaldo
Aranha teve um papel fundamental nisso, reafirmando a imagem do Brasil como um
país antifascista e antinazista, um país alinhado aos valores ocidentais.”
Em
1944, novamente enfraquecido no governo, decidiu pedir demissão do cargo de
ministro. Havia um rumor de que ele seria um nome forte para disputar as
eleições para a presidência em 1945, mas não houve base política suficiente
para bancá-lo na corrida.
• A criação do Estado de Israel
Quando
a Organização das Nações Unidas foi criada, ele logo assumiu o cargo de chefe
da delegação brasileira, a partir de 1947. Foi aí que ocorreu seu papel-chave
na criação do Estado de Israel.
“Ele
já estava fora da agenda política e foi recolocado no cenário pelo presidente
Dutra [que sucedeu Vargas]. Pode parecer inesperado, porque eles tinham uma
relação anterior problemática, mas, durante seu governo, ele se tornou um
pró-americanista incisivo na política externa, então fazia sentido chamar de
volta o Aranha”, analisa Bandarra.
Aranha
se tornou o presidente da II Assembleia Geral da ONU, justamente aquela que
votou o plano para a partição da Palestina. A resolução estava longe de ser um
consenso, e mesmo entre aqueles que defendiam a criação de um novo Estado não
havia posição unânime sobre as formas de dividir o território.
“Ele
tinha uma boa aproximação com os judeus que viviam nos Estados Unidos e isso
influenciou em sua postura”, afirma Mendonça. “Sua motivação não era apenas
política, mas também pessoal.”
“Mas
a criação do Estado não foi consensual. Havia interesses difusos durante o
processo de negociação, o que causou muitas intercorrências. O papel de
mediador de Aranha, hábil, foi fundamental para a negociação”, complementa o
cientista político.
“Eu
diria que ele foi muito bem-sucedido ao manobrar os interesses das partes”,
afirma Bandarra.
Utilizando
a história do Brasil como exemplo, o diplomata soube conduzir as discussões
dentro daquilo que, ao menos sob o prisma da época, parecia ser o mais
adequado.
“Aranha
negociou bastante, inclusive acionando contatos nos governos, principalmente
nos Estados Unidos. E buscou formas alternativas de como chegar ao resultado,
de como deveria ser feita a partilha do território”, explica Bandarra.
O
pesquisador afirma que eram muitas as propostas e, para defender a solução que
acabaria adotada naquele momento, Aranha usou como exemplo a história da
definição das fronteiras do Brasil. “No final, foi o critério que se usou: quem
está ocupando deve ter a terra”, diz.
Se
por um lado, naquele momento parece ter funcionado — e o processo ocorreu com
rapidez — por outro ele traria problemas, segundo o especialista.
“A
Palestina ficou com duas partes desconectadas, foram criados dois exclaves,
digamos, e isso dificulta bastante até hoje a viabilidade do Estado Palestino.
É uma coisa que não ficou solucionada”, diz Bandarra.
Mas,
conforme ressalta o pesquisador, é inegável que Aranha “manobrou de diversas
formas para que, no final, conseguisse uma boa votação e a consequente
aprovação da resolução” que dividiu a Palestina e criou Israel.
“Foi
uma posição bem feita, embora poderia ter levado outros fatores em consideração
para evitar futuros problemas”, critica ele.
“É
preciso lembrar, entretanto, que foi uma solução relativamente rápida e isso é
uma coisa importante. Mostra eficiência na negociação e vontade de resolução.”
Para
Uebel, é preciso lembrar que Aranha “é reconhecido até hoje pelo papel de
destaque” nesses primeiros anos da ONU e isso está atrelado ao seu trabalho
pela aprovação da criação do Estado de Israel.
“Ele
construiu todo o diálogo político necessário”, comenta. “Havia também a
preocupação humanista de Aranha em busca de uma solução para um povo que havia
sido tão perseguido, que havia acabado de sofrer o Holocausto na Segunda
Guerra.”
Houve
ganhos simbólicos também para a política externa brasileira. “Isso demonstra
também que Aranha já pensava na época em colocar o Brasil na agenda
internacional”, acrescenta.
Um
dos motivos que faz com que o país historicamente abra as assembleias gerais da
ONU é justamente em homenagem ao trabalho de Aranha no período.
• Legado — até no prato
“De
forma geral, a trajetória de Oswaldo Aranha mostra que ele viveu momentos de
grande necessidade da atuação forte da diplomacia brasileira. Foi ministro da
Fazenda em um momento crucial, pós-Crise de 1929, conduziu o Brasil no mercado
internacional de maneira importante através de assinaturas com Estados Unidos e
Argentina, foi referência na entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial e,
posteriormente, nos primeiros passos da ONU”, diz Mendonça. “É um nome
inescapável dentro da história diplomática.”
Além
dos logradouros públicos com seu nome, uma das mais curiosas homenagens que
acabaram por eternizar a memória do diplomata é um prato, o filé à Oswaldo
Aranha.
Trata-se
de um bife de filé mignon ou contra-filé, fartamente temperado com alho frito,
acompanhado de batatas, arroz e farofa de ovos.
O
apelido pegou porque essa era a receita que ele costumava pedir no restaurante
Cosmopolita, chamado popularmente de Senadinho, que ele costumava frequentar na
Lapa, no Rio.
Fonte:
BBC News Brasil
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