'Milei é pior que
Bolsonaro': como eleições podem mexer nas relações entre Brasil e Argentina
A
Argentina vive dias de apreensão, às vésperas da eleição que colocará o
peronista Sérgio Massa ou o ultradireitista Javier Milei no comando da Casa
Rosada. O segundo turno da corrida presidencial, que acontece no dia 19 de
novembro, pode ser determinante para o futuro do país.
As
primeiras pesquisas eleitorais mostram uma vitória confortável de Massa,
que chega a aparecer com 11 pontos de frente para Milei. Nem mesmo o apoio
de Patrícia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno, conseguiu alavancar
a candidatura da extrema-direita argentina.
Preocupado,
Milei tenta moderar o discurso e chegou a declarar que pode ter quadros da
esquerda em seu ministério. Vendo que a candidatura da extrema direita está
perdendo força, velhos rostos conhecidos dos argentinos se aproximaram para
tentar alavancar a campanha.
O
mais conhecido é o ex-presidente Maurício Macri, liberal de direita, que perdeu
nas urnas para o atual mandatário, Alberto Fernandez, e que tem feito
exigências para apoiar Milei incondicionalmente. Ele pede, por
exemplo, que o candidato recue do “Plano Motossera” na Economia, que
inclui o fim do Banco Central e a dolarização da moeda argentina.
De
acordo com o jornal Página 12, de Buenos Aires, nos bastidores, a
Liberdade Avança quer distância do ex-presidente, pois entende que Milei
conseguiu estabelecer uma distância ideológica mais à direita de Macri, que
apoiava Bullrich no primeiro turno.
Em
entrevista ao Brasil de Fato,
o deputado federal peronista Eduardo Valdés, que é presidente da Comissão de
Relações Exteriores do Parlamento argentino, afirmou que “Massa mostrou
claramente ser o oposto de Milei e Bullrich” e a sua “vitória será contundente
no segundo turno.”
Ainda
de acordo com o parlamentar, a eventual vitória de Massa deve beneficiar o
Brasil, que terá um presidente aliado na Casa Rosada. Milei já afirmou que
considera Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “comunista” e que pretende modificar a
relação entre os dois países.
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Confira a entrevista na íntegra:
·
Como avalia a relação entre Brasil e Argentina?
Creio
que o melhor momento da relação entre Brasil e Argentina é a que temos hoje,
nas pessoas de Lula da Silva e Alberto Fernandez. Na Argentina, acompanhamos os
piores momentos do presidente brasileiro mais amado pelos argentinos. Alberto
Fernandez esteve à altura das circunstâncias, quando vistou o Lula em Curitiba,
denunciando com sua presença a injustiça de sua prisão. Isso foi muito
importante para a relação atual dos países.
·
O Brasil tem entrado no rol de “países comunistas” para
Milei. Como imagina que essa relação fica, caso o candidato da extrema-direita
ganhe?
Em
nenhum momento penso que Javier Milei possa ganhar as eleições no segundo
turno. Se isso acontecer, não poderá romper relações com o Brasil, porque o
principal parceiro comercial que temos é o Brasil. Os empresários e
trabalhadores argentinos não permitiriam que isso aconteça.
·
No começo do ano, a Argentina impôs barreiras às
importações para tentar controlar a cadeia de abastecimento e monitoramento das
operações de comércio exterior diante da situação fiscal e da queda nas
reservas cambiais. Mas essas barreiras prejudicaram mais de 70% dos
exportadores brasileiros para o país. Essas barreiras devem continuar num
eventual governo Massa?
As
barreiras não devem continuar a partir do momento que assuma o novo governo de
Massa. São barreiras excepcionais, resultado das exigências extorsivas do Fundo
Monetário Internacional (FMI), que retirou os dólares de circulação no país e
isso não acontecerá mais.
·
No Brasil, é comum a comparação entre Milei e
Bolsonaro. Encontra traços similares entre os dois?
Milei
é pior que Bolsonaro. Creio que Milei tem uma ideia de construção do Estado que
Bolsonaro não chegou a implementar no Brasil. Além disso, Milei cultiva um ódio
a quem pensa diferente dele que eu não sei se chegou a esse extremo no Brasil.
Milei é antítese da democracia, ele é a antidemocracia.
·
Milei tem ameaçado romper com o Mercosul e quebrar os
acordos comerciais com a China, que se tornou um importante parceiro comercial
da Argentina. Como essas declarações impactam as relações de vocês com esses
países?
Os
tratados internacionais, neste caso o Mercosul, são impossíveis de serem
quebrados sem acordo com o Congresso. Milei pode dizer o que quiser, sem acordo
com os parlamenteares, nunca retirará a Argentina do Mercosul. Jamais os
deputados e senadores argentinos votarão contra uma política de Estado
inaugurada com o presidente Raul Alfonsín com José Sarney e que muito nos
orgulha.
Hoje,
o maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil, é a China. É
impossível que Milei tente anular os acordos com os chineses, porque os
industriais e representantes do agronegócio, que ele quer seduzir, viram suas
exportações aumentarem com a China, sobretudo a produção de grãos. Então, essa
Argentina não vai tolerar que Milei rompa com a Argentina.
·
Qual sua expectativa para a votação do dia 19 de
novembro?
A
partir das primárias, a Argentina tomou consciência de quem era Milei e
Bullrich, por isso votaram massivamente a favor de Sérgio Massa, o
ministro da Economia argentina, que mostrou claramente ser o oposto de Milei e
Bullrich. Creio que a vitória de Massa e União pela Pátria será contundente no
segundo turno.
·
Milton Alves: A
‘milonga peronista’ e a dança macabra de Milei e Macri
Nas
próximas duas semanas, a Argentina vai ter um novo encontro com as urnas. Uma
eleição decisiva para o futuro do país, e o resultado eleitoral terá um forte
impacto no projeto de integração regional – Mercosul – e na expansão do Brics
na América do Sul.
A
Argentina atravessa uma prolongada e dolorosa crise econômica, que afeta de
forma severa as condições de vida do povo trabalhador e das camadas médias. Uma
dívida externa dolarizada – que sufoca o país -, uma inflação galopante de 130%
ao ano, desemprego crescente, desindustrialização, e como no Brasil, uma
economia, cada vez mais, dependente da exportação de insumos primários e do
agronegócio.
Nesse
contexto, ocorre o processo eleitoral mais polarizado e eletrizante das últimas
décadas, sem um claro favoritismo para os dois candidatos que alcançaram o
segundo turno, ou a balotagem, como dizem os argentinos.
Apesar
da virada espetacular do candidato Sergio Massa (Unión por La Pátria), atual
ministro da Fazenda, do impopular presidente Alberto Fernández, que atingiu 36%
dos votos válidos contra 30% de Javier Milei (La Libertad Avanza) e 24% da
candidata Patricia Bullrich (Juntos por el Cambio), a aliança da direita
tradicional – liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri – o segundo turno será
uma disputa voto a voto, e vai levar quem errar menos, e quem exercer a maior
capacidade de explorar as contradições políticas de aliados de primeira e
última hora entre os dois campos em disputa até o dia 19 de novembro.
A
campanha de Massa acertou quando mirou no candidato da ultradireita, o
escatológico Javier Milei, batendo duro nas propostas mais antipopulares e
pró-mercado do candidato da extrema direita, como o fim de todos os programas
sociais e de subsídios estatais, privatização da saúde, da educação, liberação
das armas, a questão dos mortos durante a ditadura militar, a permissão para a
comercialização de órgãos humanos, a extinção do Banco Central, o fim de
qualquer regulação da atividade econômica e a dolarização completa da economia
argentina.
O
acerto no discurso político foi acompanhado também de promessas de manutenção
dos programas sociais e de transferência de renda, de combate ao monstro
inflacionário, da retomada de obras públicas, programa de construção de casas
populares e a defesa da educação pública de qualidade, entre outras propostas.
·
Manobra das petroleiras
Nos
últimos dias, as petroleiras que controlam a venda de combustíveis na
Argentina, o país é autossuficiente, provocaram um processo generalizado de
desabastecimento na Grande Buenos Aires e exigem do governo um aumento de
preços. A questão atravessa o debate político e eleitoral e, sem dúvida, é uma
manobra política que favorece a candidatura da extrema direita.
O
governo do presidente Alberto Fernández tem denunciado a manipulação política e
econômica das petroleiras e garante que o abastecimento será normalizado nos
próximos dias. De toda forma, a crise provocada pelo desabastecimento indica os
perigos que a campanha de Massa tem pela frente nas próximas duas semanas.
·
Pesquisas e debates
As
diversas pesquisas divulgadas após o primeiro turno confirmam um cenário de
empate técnico e algumas apontam um ligeiro favoritismo de Sergio Massa.
Pesquisa da Atlas/Intel, divulgada na sexta-feira (3), apontou o seguinte
quadro da disputa: Javier Milei com 52% de intenções de votos e Sergio Massa
com 48%. A margem de erro da pesquisa é de 2%. Ou seja, um quadro de empate
técnico. A Atlas/Intel ouviu 3.218 eleitores entre os dias 1º a 3 de novembro.
Pesquisa
Zuban/Córdoba, divulgada pelo jornal Clarín, realizada nos dias 28 e 29 de
outubro, com 2 mil eleitores/as, apontou Massa com 45,4% dos votos válidos e
Milei com 43,1% dos votos.
O
debate nacional mais importante do segundo turno acontecerá no próximo dia 12
de novembro.
·
Voto a voto e alianças
A
estratégia da campanha de Sergio Massa segue sem turbulências e avança na
direção da conquista de novos aliados, além de unificar a “nação” peronista, as
formações políticas da extrema esquerda agrupadas na FIT (Frente de Esquerda e
dos Trabalhadores), da candidata Myriam Bregman (cerca de 3% dos votos no 1º
turno), que estão integradas na campanha, agora busca atrair os setores
descontentes da aliança que impulsionou a candidatura de Patricia Bullrich, em
particular dos liberais clássicos da União Cívica Radical (UCR), partido que
rejeita publicamente as propostas mais grotescas e extremistas de Milei.
A
campanha de Massa também reforça o trabalho eleitoral no cinturão peronista da
Grande Buenos Aires, que congrega 37% do eleitorado, esforço coordenado pelo
governador reeleito da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, um aliado
político da vice-presidenta Cristina Kirchner.
O
ótimo desempenho na Grande Buenos Aires, o voto do eleitorado feminino e a
mobilização intensa das bases sociais e institucionais do conjunto do peronismo
foram os fatores chaves para o resultado exitoso da campanha de Massa no
primeiro turno. E a aposta nessa fórmula continua para o segundo turno,
ampliando com a conquista de dissidentes do bloco Milei-Macri — com isso, é possível
a vitória.
Por
sua vez, a campanha de Milei tenta atenuar os seus aspectos mais grotescos e
extremistas no segundo turno, uma exigência de seus aliados da direita
neoliberal, liderados por Mauricio Macri.
Resta
saber, como um Milei “repaginado” vai impactar em seu eleitorado mais duro e
consistente, jovens na faixa de 16 a 24 anos, que foi capturado pelo falso
discurso anti-sistema e do “contra tudo e todos” do establishment político.
Por
ora, a milonga peronista demonstra ritmo e eficácia contra a dança macabra, que
juntou os neofascistas de Milei com os neoliberais de Macri.
·
Boric
convoca plebiscito para nova proposta de Constituição no Chile após fracasso em
2022
O
presidente do Chile, Gabriel Boric, convocou nesta
terça-feira (7) um plebiscito nacional para que a população chilena decida
sobre uma segunda proposta para substituir a Constituição do país vigente desde
a ditadura.
O
documento foi finalizado na semana passada por um Conselho Constitucional,
dominado por forças de direita, encarregado de redigir o texto. Uma primeira
tentativa de substituir a Constituição, dominada por forças de esquerda e
independentes, fracassou em setembro do ano passado.
“O plebiscito de 17 de dezembro está
oficialmente convocado e eu convido todos os nossos compatriotas a se
informarem e participarem”, disse Boric em uma cerimônia em Santiago, capital
do Chile. “Confio plenamente na sabedoria do povo chileno”.
A
maioria dos eleitores planeja rejeitar o texto proposto, segundo as últimas
pesquisas, mas a diferença de opiniões tem diminuído nas últimas semanas.
Beatriz
Hevia, a presidente do agora dissolvido Conselho Constitucional, disse que a
proposta “finalmente tem a capacidade de acabar com a incerteza institucional e
política, fortalecer o estado de direito e a segurança jurídica, e fornecer as
ferramentas necessárias para reativar nossa economia”.
Em
um relatório divulgado em outubro, a S&P revisou a perspectiva econômica do
Chile, citando o fraco consenso político. O governo de Boric, que apoiou a
primeira proposta, disse que não pressionará por uma terceira reformulação
constitucional.
Se
o documento for rejeitado em dezembro, o texto atual, que remonta à ditadura
militar de Augusto Pinochet, de 1973 a 1990, permanecerá em vigor.
Fonte:
Brasil de Fato/Brasil 247/CNN Brasil
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