Parkinson:
neuroprótese restabelece movimentos de paciente
Usar
as próprias pernas para chegar a qualquer lugar acima do solo era algo
impossível para um homem que se identifica como Marc, 62 anos. Diagnosticado
com doença de Parkinson aos 36, ele era incapaz de subir escadas. Também não
conseguia entrar no elevador: diante da peça que cobre o poço do equipamento,
ele simplesmente congelava. Agora, o paciente experimental de uma tecnologia
considerada revolucionária não precisa de ajuda para enfrentar obstáculos, como
degraus. "Entrar no elevador é muito simples, e caminho 5km sem
parar", comemora.
Marc
é a primeira pessoa no mundo a se submeter a um implante na medula espinhal que
ativa os músculos dos pacientes. O dispositivo é conectado a um
neuroestimulador, localizado sob a pele, na região abdominal. Segundo Grégoire
Courtine, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Lausanne, diferentemente
de outros métodos semelhantes, o foco da técnica desenvolvida pelos
pesquisadores não é a liberação de dopamina, um neurotransmissor deficiente na
doença de Parkinson. "Pensamos que poderíamos nos concentrar na espinha
medular, que é a responsável pela ativação dos músculos", contou, em uma
coletiva de imprensa on-line.
A
neurocirurgiã Jocelyne Block, do Hospital Universitário de Lausanne, que também
participou da entrevista, conta que, no início da doença, é possível controlar
distúrbios do movimento como rigidez e tremores com medicamentos que ajudam a
liberar dopamina. Porém, no estágio avançado, 90% dos pacientes sofrerão de
problemas locomotores como dificuldade de marcha e equilíbrio, além dos
episódios de congelamento como o descrito por Marc. Esses deficits reduzem a
qualidade de vida e aumentam a gravidade das condições relacionadas à
enfermidade. Nenhuma terapia disponível atualmente é eficaz para lidar com esses
desafios. O estudo foi publicado na revista Nature Medicine.
• Tetraplegia
Anteriormente,
o mesmo grupo de cientistas da Suíça demonstrou que uma técnica chamada
estimulação epidural direcionada (EED) da medula lombossacral modula a
atividade dos neurônios responsáveis pelo controle dos movimentos locomotores.
Em maio, um homem tetraplégico conseguiu ficar em pé e andar, graças à
tecnologia experimental. Baseados nessas experiências e com financiamento da
Fundação Michael J. Fox, ator canadense-americano que sofre de Parkinson, os
pesquisadores adaptaram a EED para a condição neurodegenerativa.
Nos
paciente anteriores, que perderam os movimentos devido a acidentes, a
comunicação entre o cérebro e a medula espinhal é cortada. No caso do
Parkinson, ela é mantida; o que acontece é a morte progressiva dos neurônios
responsáveis pela dopamina. Como os tratamentos que liberam esse
neurotransmissor não são mais eficazes no estágio avançado da doença, quando há
poucas células capazes de produzi-lo, a neuroprótese suíça faz o papel do
cérebro na geração dos movimentos locomotores.
O
primeiro passo foi gerar um mapa anatômico personalizado das regiões da medula
espinhal do paciente a serem alvo da EED, que orientou o implante cirúrgico
preciso da neuroprótese. Sensores sem fio usados pelo participante foram,
então, usados para detectar intenções locomotoras e acionar o neuroestimulador,
com o objetivo de ativar os neurônios das pernas e, assim, gerar movimentos
naturais de caminhada.
• Conceito
Os
resultados do estudo mostram que a neuroprótese melhorou os deficits de marcha
e equilíbrio de Marc, que relatou uma melhoria substancial na qualidade de
vida. Ele já utiliza o dispositivo há quase dois anos, durante cerca de oito
horas por dia. Em um vídeo divulgado pela equipe suíça, é possível vê-lo
andando sem e com o equipamento ligado. No primeiro caso, mesmo com o auxílio
de uma pessoa, Marc tem grande dificuldade para se movimentar. No segundo, ele
anda, sozinho, e nem se percebe que tem algum tipo de comprometimento
locomotor.
Segundo
Grégoire Courtine, os resultados sugerem que a EED pode ser uma opção
terapêutica potencial para o tratamento de deficits locomotores comuns em
pessoas com doença de Parkinson. "Porém, temos de destacar que o estudo é
uma prova de conceito, em um único paciente. Precisamos de adaptações e muitos
outros estudos para poder validá-lo." O próximo passo será testar a
neuroprótese em seis pacientes, contou.
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Palavra de especialista / Futuro esperançoso - Eduardo Fernández, diretor do
Instituto de Bioengenharia da Universidade Miguel Hernandez de Elche, na
Espanha
“Esse
estudo introduz uma estratégia terapêutica muito inovadora que não visa as
áreas do cérebro mais afetadas pela doença de Parkinson, mas sim outras áreas
do sistema nervoso que não são afetadas por essa patologia. Especificamente,
tem como alvo a região lombossacral da medula espinhal, que está envolvida no
controle dos músculos das pernas. Os resultados sugerem que, com a tecnologia
certa, é possível detectar a intenção de movimento de uma pessoa e estabelecer
comunicação bidirecional com o sistema nervoso, e que a estimulação elétrica
artificial de populações de células nervosas na medula espinhal pode ser eficaz
no alívio de deficits motores que ocorrem em algumas doenças cerebrais
neurodegenerativas. Esperamos que os avanços na neurotecnologia, na eletrônica,
na neurociência e na engenharia biomédica contribuam para o desenvolvimento de
uma nova geração de neuropróteses motoras, capazes de modular ou ajustar com
maior precisão os parâmetros ótimos da estimulação elétrica, o que poderá
ajudar a restaurar algumas funções perdidas em muitos pacientes com doenças
neurológicas graves. O futuro é esperançoso, mas é preciso avançar aos poucos e
não criar falsas expectativas que possam prejudicar a credibilidade dessa
pesquisa."
• A origem do desconforto
Pesquisadores
da Universidade de Uppsala, na Suécia, identificaram um novo circuito cerebral
que produz uma forte sensação de desconforto quando ativado. Pela primeira vez,
os cientistas demonstraram que o núcleo subtalâmico, uma estrutura do órgão que
controla os movimentos voluntários, pode desempenhar um papel no
desenvolvimento da depressão. Os resultados também têm implicações nos
tratamentos voltados à doença de Parkinson, afirmaram, em um artigo publicado
ontem na revista Cell Reports.
Os
cientistas usaram uma tecnologia chamada estimulação optogenética, capaz de
"ligar" e "desligar" circuitos, para testar, em ratos, o
comportamento do núcleo subtalâmico. Eles descobriram que essa região está
associada à aversão — o oposto da recompensa. A sensação desempenha um papel
importante no ato de se evitar coisas que fazem animais e humanos a se sentirem
mal. Sabe-se que uma forte ativação do sistema, no cérebro, pode levar à
depressão.
• Estimulação profunda
O
fato de o subtálamo dar origem a comportamentos de aversão é uma descoberta
importante por duas razões principais, afirma Åsa Mackenzie, professora do
Departamento de Biologia Organística da Universidade de Uppsala e principal
autora do estudo. "Primeiro, aumenta a nossa compreensão do sistema
emocional do cérebro e de como a atividade cerebral pode levar a sintomas
psiquiátricos, como depressão e apatia", diz. Em segundo lugar, destaca,
pode explicar por que as pessoas com doença de Parkinson tratadas com
estimulação cerebral profunda (ECP) podem sentir esses tipos de efeitos
secundários. Embora funcione bem, a abordagem pode levar à depressão grave.
"Agora
que podemos mostrar que o subtálamo tem uma ligação direta com a aversão e se
conecta ao centro de depressão do cérebro, podemos compreender e explicar
neurobiologicamente esses efeitos colaterais", continua Mackenzie. Além da
doença de Parkinson, a ECP subtalâmica é usada para controle de outras causas
de tremores, além de transtorno obsessivo-compulsivo. "Nosso estudo é uma
pesquisa básica e abre caminho para uma melhor precisão clínica nesses
tratamentos. O objetivo é que a ECP trate os sintomas da doença sem causar
efeitos colaterais graves", afirma a pesquisadora.
Fonte:
Correio Braziliense
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