Quem cuidará dos
idosos? Temos muito know-how, mas poucos especialistas
Há
35 anos, Jerry Gurwitz foi um dos primeiros médicos nos Estados Unidos a ser
credenciado como geriatra – um médico especializado no tratamento de idosos.
“Eu entendi o imperativo demográfico e os
problemas enfrentados pelos pacientes mais velhos”, disse Gurwitz, 67 anos e
chefe de medicina geriátrica da Chan Medical School da Universidade de
Massachusetts. “Senti que este campo apresentava oportunidades tremendas”.
Mas
hoje, Gurwitz teme que a medicina geriátrica esteja em declínio. Apesar do
aumento da população idosa, há menos geriatras agora (pouco mais de 7.400) do
que em 2000 (10.270), observou ele em um artigo recente no JAMA.
Nessas
duas décadas, a população com 65 anos ou mais aumentou em mais de 60%. A
pesquisa sugere que cada geriatra não deve cuidar de mais do que 700 pacientes;
a proporção atual de prestadores de serviços para pacientes idosos é de 1 para
10 mil.
Além
do mais, as escolas de medicina não são obrigadas a ensinar geriatria aos
alunos e menos da metade exige qualquer formação em competências específicas de
geriatria ou experiência clínica. E o número de médicos que completam a bolsa
de um ano necessária para a especialização em geriatria é estreito. Das 411
vagas de bolsas geriátricas disponíveis em 2022-23, 30% não foram preenchidas.
As
implicações são gritantes: os geriatras não conseguirão satisfazer a crescente
procura dos seus serviços à medida que a população idosa dos EUA aumentar nas
próximas décadas. Existem muito poucos deles. “Infelizmente, o nosso sistema de
saúde e a sua força de trabalho estão totalmente despreparados para lidar com
um aumento iminente de multimorbilidade, incapacidade funcional, demência e
fragilidade”, alertou Gurwitz no seu artigo no JAMA.
Isto
está longe de ser uma preocupação nova. Há 15 anos, um relatório das Academias
Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina concluiu: “A menos que sejam
tomadas medidas imediatas, a força de trabalho dos cuidados de saúde não terá
capacidade (tanto em tamanho como em habilidade) para atender às necessidades
dos pacientes idosos no futuro”.
De
acordo com a Sociedade Americana de Geriatria, serão necessários 30 mil
geriatras até 2030 para cuidar de idosos frágeis e clinicamente complexos. E
não há possibilidade de que esse objetivo seja alcançado.
O
que é o progresso prejudicado? Gurwitz e outros médicos citam uma série de
fatores: baixo reembolso de serviços do Medicare, baixos rendimentos em
comparação com outras especialidades médicas, falta de prestígio e a crença de
que os pacientes mais velhos não são atraentes, são muito difíceis ou não valem
o esforço.
“Ainda existe um tremendo preconceito de idade
no sistema de saúde e na sociedade”, disse o geriatra Gregg Warshaw, professor
da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte.
Mas
esta perspectiva negativa não é a história completa. Em alguns aspectos, a
geriatria tem sido notavelmente bem sucedida na disseminação de princípios e
práticas destinadas a melhorar o cuidado dos idosos.
“O
que estamos realmente tentando fazer é ampliar a tenda e treinar uma força de
trabalho de saúde onde todos tenham algum grau de experiência em geriatria”,
disse Michael Harper, presidente do conselho da Sociedade Americana de Geriatria
e professor de medicina na Universidade da Califórnia – São Francisco.
Entre
os princípios que os geriatras têm defendido: As prioridades dos idosos devem
orientar os planos para os seus cuidados. Os médicos devem considerar como os
tratamentos afetarão o funcionamento e a independência dos idosos.
Independentemente
da idade, a fragilidade afeta a forma como os pacientes mais velhos respondem
às doenças e às terapias. As equipes interdisciplinares são melhores para
atender às necessidades médicas, sociais e emocionais, muitas vezes complexas,
dos idosos.
Os
medicamentos precisam ser reavaliados regularmente e muitas vezes é necessária
a suspensão da prescrição. Levantar-se e movimentar-se após uma doença é
importante para preservar a mobilidade. As intervenções não médicas, como a
ajuda remunerada em casa ou a formação de cuidadores familiares, são
frequentemente tão ou mais importantes que as intervenções médicas. É essencial
uma compreensão holística das circunstâncias físicas e sociais dos idosos.
• Hospital em casa. Os idosos muitas vezes
sofrem contratempos durante a internação hospitalar, pois permanecem na cama,
perdem o sono e comem mal. Neste modelo, os idosos com doenças agudas, mas sem
risco de vida, recebem cuidados em casa, geridos de perto por enfermeiros e
médicos. No final de agosto, 296 hospitais e 125 sistemas de saúde – uma fração
do total – em 37 estados foram autorizados a oferecer programas de
hospitalização ao domicílio.
• Sistemas de saúde amigos dos idosos. O
foco em quatro prioridades principais (conhecidas como os “4Ms”) é fundamental
para este amplo esforço: salvaguardar a saúde do cérebro (mentalidade), gerir
cuidadosamente os medicamentos, preservar ou promover a mobilidade e atender ao
que é mais importante para os idosos. Mais de 3.400 hospitais, lares de idosos
e clínicas de cuidados urgentes fazem parte do movimento de sistemas de saúde
amigos dos idosos.
• Padrões de cirurgia com foco em
geriatria. Em julho de 2019, o Colégio Americano de Cirurgiões criou um
programa com 32 padrões destinados a melhorar o atendimento aos idosos.
Prejudicado pela pandemia de Covid-19, teve um início lento e apenas cinco
hospitais receberam acreditação. Mas espera-se que até 20 se inscrevam no
próximo ano, disse Thomas Robinson, copresidente da Iniciativa de Geriatria
para Especialistas da Sociedade Americana de Geriatria.
• Pronto-socorros geriátricos. As luzes
fortes, o barulho e a atmosfera agitada nas salas de emergência dos hospitais
podem desorientar os idosos. Os departamentos de emergência geriátrica tratam
disso com funcionários treinados no cuidado de idosos e um ambiente mais calmo.
Mais de 400 departamentos de emergência geriátrica receberam credenciamento do
American College of Emergency Physicians.
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Novos modelos de tratamento da demência. Neste verão, os Centros de Serviços
Medicare e Medicaid anunciaram planos para testar um novo modelo de atendimento
para pessoas com demência. Baseia-se em programas desenvolvidos nas últimas
décadas por geriatras da UCLA, da Universidade de Indiana, da Universidade
Johns Hopkins e da UCSF.
Uma
nova fronteira é a inteligência artificial, com geriatras sendo consultados por
empresários e engenheiros que desenvolvem uma gama de produtos para ajudar os
idosos a viver de forma independente em casa. “Para mim, esta é uma grande
oportunidade”, disse Lisa Walke, chefe de medicina geriátrica da Penn Medicine,
afiliada à Universidade da Pensilvânia.
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Conclusão: depois de décadas de pesquisa e inovação centradas na geriatria,
“agora temos uma ideia muito boa do que funciona para melhorar os cuidados com
os idosos”, disse Harper, da Sociedade Americana de Geriatria.
O
desafio é aproveitar isso e investir recursos significativos na expansão do
alcance dos programas. Dadas as prioridades concorrentes na educação e prática
médica, não há garantia de que isso acontecerá. Mas é para onde a geriatria e o
resto do sistema de saúde precisam de ir.
Interesses dos idosos tramitam lentamente
na Câmara dos Deputados
No
papel e nas intenções do Congresso Nacional, a pessoa idosa está bem protegida
no país. No entanto, a grande maioria dos projetos de lei voltados a essa
população não avança. Sequer chega a ser votada. A Comissão de Defesa dos
Direitos da Pessoa Idosa da Câmara, por exemplo, aprovou, neste ano, 19
propostas, que estão paradas na Casa aguardando deliberação em outras
comissões.
Entre
as propostas paradas no Congresso Nacional, estão as que criam a Creche do
Idoso — espaço nos quais os mais velhos poderão contar com serviços de saúde,
nutrição e assistência social — e o Conselho de Proteção ao Idoso. Também
avançam lentamente os debates sobre o projeto que regulamenta a distribuição de
fraldas geriátricas descartáveis a quem vive em condições de vulnerabilidade.
O
Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), revelou o rápido envelhecimento da população do país. Os brasileiros
com mais de 60 anos já somam 32,1 milhões de pessoas, o que representa 15,8% da
população. Subindo a linha de corte para 65 anos, são 22,2 milhões de
habitantes, ou 10% da população total do país (203 milhões).
Na
outra ponta, o número de pessoas abaixo dos 30 anos caiu 5,4 pontos
percentuais. Em 2022, a população com 30 anos ou mais passou a representar
56,1%.
Quando
anunciou os dados do Censo, o pesquisador do IBGE Gustavo Fontes atribuiu essas
alterações nos grupos etários a um "reflexo da acentuada diminuição da
fecundidade, que vem ocorrendo no país nas últimas décadas e que já foi
mostrada em outras pesquisas do IBGE".
Para
a terapeuta ocupacional e pesquisadora em envelhecimento da Universidade de
Brasília (UnB) Grasielle Tavares, o Estado não está preparado para essa mudança
no perfil populacional no país. "Essa questão apontada pelo Censo é algo
que nós trabalhamos na gerontologia e na geriatria e já está sendo avisada há
muito tempo".
"Isso
vai se tornar um problema muito grande. Realmente, as políticas públicas não
estão acompanhando, são pouquíssimos os investimentos. É uma das áreas
governamentais que tem o menor investimento, e sofre com a demora na construção
das políticas. É preciso pensar em como viver melhor, já que estamos com a
possibilidade de viver até os 90, 100 anos. O número de centenários é muito
grande agora e vem crescendo bastante", comentou a pesquisadora.
Presidente
da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara, o deputado Aliel Machado
(PV-PR), de 34 anos, afirmou ao Correio que os dados do Censo revelam uma
"situação alarmante" para a população idosa do Brasil.
"Enquanto
a dependência dos jovens está diminuindo, observamos um aumento preocupante na
dependência entre os idosos. Esses números destacam a urgência de ratificar a
Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos,
concluída em 2015, mas que ainda aguarda aprovação no Congresso
brasileiro", disse o deputado.
• Apelo ao papa
Essa
convenção é um tratado assinado pela Assembleia Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA), em meados de 2015, com o propósito de promover,
proteger e assegurar o reconhecimento de todos os direitos humanos e liberdade
fundamentais dos idosos. Machado contou que houve até mesmo um apelo da
comissão ao papa Francisco. Em setembro, integrantes do colegiado estiveram com
o líder católico, em Roma.
"A
gravidade da situação é tanta que, em setembro, membros da Comissão do Idoso se
reuniram com o papa Francisco, que expressou sua preocupação e enfatizou a
necessidade de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida dessa
população", observou o parlamentar.
As
mulheres são maioria entre as pessoas com mais de 60 anos — 17,8 milhões. Os
homens, nessa faixa etária, somam 14,2 milhões de habitantes.
No
atual governo, o secretário Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério
dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Alexandre da Silva, manifestou-se
em nota sobre o resultado do Censo. Para ele, "esses dados ratificam o
contínuo processo de envelhecimento da população brasileira".
Ex-secretário
adjunto nacional do Idoso no governo de Jair Bolsonaro, o hoje deputado federal
Paulo Fernando (Republicanos-DF) observou que, na gestão passada, foi criado o
programa Envelhecimento Ativo e Saudável, que mantinha convênio com prefeituras
e programas de informática. Ele defende que ações como essas sejam replicadas
em todo o país. Titular da comissão do idoso da Câmara, ele chama a atenção
para a estimativa de que entre 25% e 30% do eleitorado, em breve, será composto
por idosos. A comissão discute com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma
maneira de ampliar o tempo de votação do idoso na urna eletrônica.
"Por
conta da idade, o idoso tem mais dificuldade no momento de digitar o número de
um candidato na urna eletrônica. Assim, o voto acaba sendo nulo ou indo para a
legenda de um partido, não expressando a real vontade desse eleitor",
disse Paulo Fernando.
Fonte:
CNN Brasil/Correio Braziliense
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