Luiz Carlos Azenha:
Grupos que lutam contra Israel nasceram de outros conflitos com eixo
Washington-Tel Aviv
Todo
conflito militar está sujeito à chamada "lei das consequências
indesejadas".
As
desejadas por Washington e seu principal aliado, Tel Aviv, são conhecidas:
enfraquecer governos que se opõem aos interesses dos Estados Unidos, normalizar
relações de Israel com estados árabes e inviabilizar um estado palestino
soberano que seja digno do nome, deixando a causa palestina no campo da
retórica.
Um
bom exemplo para as indesejadas é a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos,
que contrariando os interesses de Washington fortaleceu o Irã, gerou milícias
como o Estado Islâmico e, combinada com as guerras subsequentes na Líbia e na
Síria, desestabilizou o Oriente Médio e o norte da África.
A
"Guerra contra o Terror", declarada por George W. Bush, com a
identificação de Iraque, Irã e Coreia do Norte como o "eixo do mal",
agora tem sua reprise no discurso do primeiro ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu.
Netanyahu
já fez duas citações religiosas sobre Amaleque em falas recentes. De acordo com
textos bíblicos, Amaleque atacou os israelitas quando estes se dirigiam à Terra
Prometida.
No
livro de Samuel, dirigindo-se a Saul, ele diz:
Ele
[Deus] castigará os amalequitas porque eles lutaram contra os israelitas quando
estes vieram do Egito. Vá, ataque os amalequitas e destrua completamente tudo o
que eles têm. Não tenha dó nem piedade. Mate todos os homens e mulheres,
crianças e bebês, gado e ovelhas, camelos e jumentos
A
guerra eterna pregada por Bush Jr. [evangélico que dizia conversar com Deus] e
Netanyahu, com tons religiosos, terá suas consequências indesejadas como todos
os outros conflitos.
Todas
as seis forças que se reuniram para lutar contra Israel agora, por exemplo,
nasceram de conflitos anteriores em que Estados Unidos e Israel se envolveram
para impor sua hegemonia sobre os palestinos e outros povos do Oriente Médio.
Uma
das consequências destas guerras foi acabar com a hegemonia do chamado
"nacionalismo árabe" na região, que era secular e teve como herdeiros
do egípcio Gamal Abdel Nasser os líderes do Iraque e da Síria, Saddam Hussein e
Hafez al-Assad.
Os
grupos políticos de extração religiosa, muito menos dispostos a negociar, estão
em ascensão no vácuo deixado pelos nacionalistas.
Confira:
• Hamas
O
Movimento de Resistência Islâmica, cujo braço armado é conhecido como as
Brigadas de Qassam, foi fundado em 1987 por um líder religioso da Palestina sob
ocupação, Ahmed Yassin.
É
de extração sunita e ganhou força política denunciando seus adversários
seculares do Fatah e de outros grupos que formavam a Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat.
O
Hamas foi contra os acordos de Oslo, pelos quais a Autoridade Palestina foi
criada a passou a colaborar com Israel na repressão aos palestinos. Isso e mais
a corrupção levaram o Hamas a uma vitória inesperada nas eleições de 2006,
organizadas e monitoradas pela União Europeia.
O
Hamas jamais pode assumir o controle da Autoridade Palestina, mas depois de uma
breve guerra civil ficou com o controle de Gaza. O primeiro ministro Benjamin
Netanyahu chegou a tolerar o crescimento do Hamas por acreditar que isso
dividiria os palestinos.
O
grupo recebeu financiamento e tem alguns de seus principais líderes instalados
no Catar. Seu principal rosto político é Ismail Haniyeh, que nasceu em um campo
de refugiados palestinos. Ele cumpriu pena de três anos de prisão em Israel. Já
foi primeiro-ministro da Autoridade Palestina sob Mahmoud Abbas.
Em
2017, o Hamas mudou seu estatuto para aceitar a "solução dos dois
estados".
• Hezbollah
Foi fundado depois da Guerra do Líbano de
1982, batizada por Israel de Operação Paz para a Galileia. A guerra, que durou
três anos, teve como objetivo enfraquecer a OLP de Yasser Arafat, então sediada
em Beirute.
Israel
se aliou a grupos políticos locais, conseguiu expulsar a OLP para a Tunísia,
acabou com a influência da Síria no Líbano e instalou um governo pró-Tel Aviv
sob o presidente cristão Bachir Gemayel, logo assassinado.
O
Hezbollah foi formalizado em 1985 a partir de líderes religiosos xiitas que
haviam estudado em Najaf, no Iraque.
O
grupo passou a fustigar a ocupação israelense no Sul do Líbano, que durou até
2000. A retirada de Israel fortaleceu o Hezbollah, cuja ala política é o Bloco
Lealdade à Resistência, que tem direito a dois ministérios no governo do
Líbano.
O
partido tem 15 dos 128 assentos no Parlamento local. Lutou na guerra civil da
Síria em defesa do governo de Bashar al-Assad.
• Jihad Islâmica Palestina
Grupo
militante fundado em 1981 sob forte influência da Irmandade Muçulmana, surgida
no Egito.
A
Jihad tem presença tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, especialmente nas
cidades de Hebron e Jenin. Bem menor que o Hamas, tem um histórico de ataques
suicidas contra Israel. Seu líder, Ziyad al-Nakhalah, nasceu em Gaza.
Já
foi condenado à prisão perpétua em Israel e libertado em uma troca de
prisioneiros. Seu paradeiro exato é desconhecido. O braço militar da Jihad é
conhecida como Brigadas Quds.
• Hutis
Movimento
político formado depois da reunificação do Iêmen nos anos 1990 do século
passado, em torno de um clã do mesmo nome, de xiitas da vertente zainista.
Depois
da chamada "revolução iemenita" que acompanhou a Primavera Árabe,
envolveu-se numa guerra civil que provocou a intervenção da Arábia Saudita e
dos Emirados Árabes Unidos.
A
intervenção teve apoio dos Estados Unidos.
Os
hutis controlam hoje quase todo o território que um dia foi do Iêmen do Norte,
inclusive a capital Saná.
Apesar
de ser um grupo religioso -- Partidários de Deus é seu nome oficial --, tem um
discurso nacionalista que condena a intervenção da vizinha Arábia Saudita nos
negócios internos do Iêmen.
Com
drones e foguetes improvisados e outros tantos fornecidos indiretamente pelo
Irã, os hutis conseguiram bombardear alvos distantes, como Abu Dhabi, a quase
1.500 km.
Já
despacharam uma onda de drones e foguetes contra o balneário de Eilat, o
"paraíso israelense do Mar Vermelho", todos interceptados.
• Brigadas Imã Hussein
Milícia
que reuniu combatentes iraquianos e sírios durante a guerra civil na Síria, em
2017. Seus soldados se autodenominam Leões da Quarta Divisão, por terem se
incorporado ao Exército da Síria.
As
Brigadas já atacaram a guarnição dos Estados Unidos em Al-Tanf, que fica na
rodovia entre Bagdá e Damasco. Israel diz que a milícia está atuando no Líbano.
Os
EUA tem presença nos campos de petróleo da Síria. Em agosto do ano passado, o
Ministério do Petróleo da Síria acusou os Estados Unidos e seus aliados locais
de desviarem 80% do petróleo produzido no país.
Washington
mantém forças na região petrolífera de Deir Al-Zour, onde existe uma planta da
multinacional Conoco.
Donald
Trump famosamente comentou a respeito:
Estamos
mantendo o petróleo [da Síria]. Nós temos o petróleo. O petróleo está seguro.
Deixamos tropas para trás apenas pelo petróleo
• Resistência Islâmica no Iraque
O
grupo surgiu em 2004, depois da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. É um
grupo sunita que teria ligações informais com a Guarda Revolucionária do Irã.
Dedica-se exclusivamente a combater a presença estadunidense no Iraque.
Já
usou drones e foguetes contra bases militares de Washington. Apesar de terem
formalmente se retirado do Iraque, os EUA mantém cerca de 2.500 homens no país.
Resistência iraquiana e tribos árabes
sírias atacam posições dos EUA no nordeste da Síria
Os ataques aéreos lançados do Iraque atingiram
mais uma vez as bases de ocupação dos EUA no nordeste da Síria durante a noite,
coincidindo com um ataque terrestre por tribos árabes sírias na província de
Deir Ezzor a posições mantidas pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) nas
proximidades da área ocupada de Al- Campo de petróleo de Omar.
A
Resistência Islâmica no Iraque (IRI), um grupo guarda-chuva de várias facções
de resistência, assumiu a responsabilidade pela salva de mísseis que atingiu
com sucesso a base dos EUA em Al-Shaddadi, localizada ao sul da cidade de
Hasakah.
Explosões
também foram relatadas anteriormente no campo de aviação Kharab al-Jir, a
nordeste de Hasakah. Durante o mês passado, o campo de aviação serviu como um
ponto de entrega crucial para o Pentágono reforçar as suas posições na região
rica em petróleo.
Por
seu lado, as tribos árabes sírias – que desde o final de agosto têm estado em
guerra contra as autoridades curdas apoiadas pelos EUA – lançaram ataques
pesados contra múltiplas posições das FDS na zona rural de Deir Ezzor, com
intensos confrontos relatados nas cidades de Al-Tayyana, Dhiban, Al-Jaabi,
Hajin e Al-Bahra.
Segundo
fontes locais que conversaram com a Sputnik, os ataques foram realizados apesar
da presença constante de drones e helicópteros norte-americanos na região.
Acrescentaram que, sob pressão dos EUA, as FDS estabeleceram mais de “120
pontos militares ao longo das margens do rio Eufrates, separando as áreas
controladas pela ocupação dos EUA das áreas controladas pelo Exército Árabe
Sírio (EAA)”.
Como
o exército de ocupação dos EUA foi novamente alvo de ataques na Síria, a IRI
também assumiu a responsabilidade por um ataque de drone que atingiu a Base
Aérea de Al-Harir, localizada a 45 quilômetros a norte do Aeroporto
Internacional de Erbil, no norte do Iraque.
A
declaração do IRI observou que dois drones atacaram a base e “atingiram
diretamente seus alvos”.
Na
sexta-feira, a resistência iraquiana, pela primeira vez, lançou um ataque
direto a Israel, atingindo a cidade de Eilat, no sul. Durante a semana passada,
o grupo de resistência iemenita Ansarallah também lançou vários ataques com
mísseis e drones contra Eliat, enquanto Israel se encontrava atolado numa
guerra multifrontal.
A
RII anunciou que “na próxima semana terá início uma nova fase de confronto com
os inimigos, em apoio à Palestina e em vingança pelos mártires”, sublinhando
que esta “será mais severa e generalizada contra as bases inimigas na região”.
O papel que a China quer na guerra entre
Israel e Hamas
Conforme
o conflito entre Israel e o Hamas se intensifica, começa a se desenhar um
desdobramento improvável – a China como mediadora da paz entre os dois lados.
Mas há limites para o que é possível alcançar.
O
principal diplomata da China, Wang Yi, discutiu o conflito com autoridades em
Washington no fim de semana, em meio a temores de uma guerra regional mais
ampla.
Os
EUA prometeram trabalhar com a China na tentativa de encontrar uma solução.
Wang
também falou com os seus homólogos israelense e palestino depois do enviado
especial da China para o Médio Oriente, Zhai Jun, ter se encontrado na região
com líderes árabes. Ele também tem sido um dos defensores mais veementes de um
cessar-fogo nas reuniões da ONU.
Há
esperanças de que a China possa aproveitar sua relação próxima com o Irã, que
apoia o Hamas, em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano, para acalmar a situação.
Autoridades dos EUA aparentemente pressionaram Wang para “pedir calma” aos
iranianos, informou o Financial Times.
A
China é o maior parceiro comercial do Irã. No início deste ano, Pequim
intermediou uma rara distensão entre Irã e Arábia Saudita. Teerã afirma que
“está pronto para fortalecer a comunicação com a China” para resolver a
situação em Gaza.
Como
o governo chinês tem tido uma relação relativamente equilibrada com todos os
atores no conflito, ele pode ser visto como um mediador honesto, disse Dawn
Murphy, professora associada que estuda a política externa chinesa na Escola
Nacional de Guerra do Departamento de Defesa dos EUA.
Em
particular, a China tem relações positivas com os palestinos, os árabes, a
Turquia e o Irã, disse ela. "Juntamente com os EUA, que têm boas relações
com Israel, poderiam trazer todos os jogadores para a mesa."
Mas
outros observadores salientam que a China continua a ser um ator secundário na
política do Oriente Médio.
"A
China não é um ator sério nesta questão. Falando com as pessoas da região,
ninguém espera que a China contribua para a solução", disse Jonathan Fulton,
membro sênior especializado nas relações da China com o Médio Oriente do think
tank Atlantic Council.
A
primeira declaração da China sobre o conflito irritou Israel, que expressou
"profunda decepção" pelo fato de a China não ter condenado o Hamas nem
mencionado o direito de Israel de se defender.
Homens
armados do Hamas lançaram um ataque sem precedentes contra Israel a partir da
Faixa de Gaza, em 7 de outubro, matando mais de 1.400 pessoas e fazendo pelo
menos 239 reféns.
Desde
então, Israel tem levado a cabo ataques em Gaza, nos quais mais de 8.000
pessoas foram mortas, segundo o Ministério da Saúde gerido pelo Hamas. Israel
também enviou agora tropas e tanques para o território.
Após
o furor provocado pela sua primeira declaração, Wang disse mais tarde a Israel
que “todos os países têm direito à autodefesa” – mas também disse em outros
lugares que as ações de Israel foram “além do âmbito da autodefesa”.
A
China enfrenta um difícil equilíbrio porque há muito que simpatiza abertamente
com a causa palestiniana.
Remonta
ao fundador do Partido Comunista Chinês, Mao Zedong, que enviou armas aos
palestinos em apoio aos chamados movimentos de “libertação nacional” em todo o
mundo.
Mao
chegou a comparar Israel a Taiwan – ambos apoiados pelos EUA – como bases do
imperialismo ocidental.
Nas
décadas seguintes, a China se abriu economicamente e normalizou suas relações
com Israel, com quem tem agora trocas comerciais de milhares de milhões de
dólares.
Mas
a China deixou claro que continua apoiando os palestinos.
Em
suas observações sobre este conflito, autoridades chinesas e até o Presidente
Xi Jinping sublinharam a necessidade de um Estado palestino independente.
Um
efeito colateral disso é o aumento do antissemitismo online, propagado por
blogueiros nacionalistas. Algumas pessoas nas redes sociais chinesas equiparam
as ações de Israel ao nazismo, acusando-os de levar a cabo um genocídio contra
os palestinos, o que provocou uma repreensão da embaixada alemã em Pequim.
O
esfaqueamento de um familiar de um funcionário da embaixada israelense em
Pequim também aumentou o mal-estar.
Tudo
isto abala a imagem de uma China que tenta engajar o governo israelense em
conversas sobre o conflito.
Dadas
as incertezas, porque é que a China está se envolvendo?
Uma
das razões são seus interesses econômicos no Oriente Médio, que ficariam
ameaçados se o conflito se agravar.
Pequim
depende agora fortemente de importações de petróleo e analistas estimam que
cerca de metade vem do Golfo. Os países do Oriente Médio são cada vez mais
importantes na Iniciativa do Cinturão e Rota, conhecida como nova rota da seda,
um ponto fundamental da sua política externa e econômica.
Mas
outro motivo é que o conflito traz uma oportunidade de ouro para Pequim
melhorar sua reputação.
A
China acredita que “defender os palestinos repercute nos países árabes, nos
países de maioria muçulmana e em grandes porções do sul global”, destaca
Murphy.
A
guerra eclodiu em um momento em que a China se apresenta para o mundo como um
pretendente melhor do que os EUA. Desde o início do ano, o país tem promovido
uma visão de uma ordem mundial liderada pela China, ao mesmo tempo que critica
o que vê como os fracassos da liderança hegemônica dos EUA.
Oficialmente,
a China se absteve de criticar os EUA por seu apoio a Israel. Mas, ao mesmo
tempo, meios de comunicação estatais estão "iniciando a resposta
nacionalista (...) associando o que está acontecendo no Oriente Médio com o
apoio dos EUA a Israel", observa Murphy.
O
jornal militar chinês PLA Daily acusou os EUA de "colocar lenha na
fogueira" - a mesma retórica que Pequim usou para criticar Washington por
ajudar Kiev na guerra na Ucrânia.
O
jornal estatal de língua inglesa The Global Times publicou uma caricatura do
Tio Sam com as mãos manchadas de sangue.
Uma
opinião entre observadores é de que Pequim está contrastando a sua posição com
a dos EUA para abalar a posição global de seu rival ocidental. Mas ao não
condenar explicitamente o Hamas, a China também corre o risco de minar a sua
própria posição.
A
China enfrenta desafios em suas ambições de longo prazo.
Um
deles é conciliar sua posição diplomática com o seu próprio histórico.
Embora
expresse solidariedade com nações de maioria muçulmana e se oponha à ocupação
dos territórios palestinos por Israel, Pequim continua sendo acusada de cometer
abusos e genocídio da minoria muçulmana uigure, bem como de assimilação forçada
no Tibet.
Observadores
dizem que isso provavelmente não seria um problema para o mundo árabe, dadas as
relações fortes que a China construiu com estes países.
O
maior problema é que Pequim corre o risco de ser vista como superficial no seu
envolvimento ou, pior ainda, de capitalizar o conflito Israel-Hamas para
promover seus próprios interesses.
A
China assume que “ao dizer que apoia a Palestina, ganhará pontos com os países
árabes, e essa é uma abordagem padronizada”, diz Fulton, observando que não há
uma voz unificada entre os Estados árabes sobre esta questão altamente
divisiva.
Wang
disse que a China só procura a paz para o Oriente Médio e não tem “interesses
egoístas na questão palestina”.
O
desafio será convencer o mundo de que isso é verdade.
Fonte:
Fórum/O Cafezinho/BBC News Mundo
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