Mario Sabino: A
Enel pode não ser grande coisa, mas nós também não somos
De
vez em quando, de quando em vez, eu me espanto: dada a nossa inépcia ampla,
geral, conhecida e acrescida de desídia, como é que o Brasil consegue ter luz,
água tratada, coleta de esgoto e telefone? Quer dizer, no Brasil em que vivo,
porque metade dos brasileiros (100 milhões) não conta com esgoto e um sexto (35
milhões) não dispõe de água tratada. Já luz (Enel, logo chegarei a você) e
telefone podem ser considerados serviços universalizados. No caso do telefone,
flagrantemente graças à privatização a que Lula e o PT se opuseram.
A
sexta-feira passada foi um desses dias em que fui tomado pelo assombro com a
existência desses serviços no Brasil. Um temporal bíblico deixou 2,1 milhões de
endereços sem luz na cidade de São Paulo e entorno. No momento em que escrevo,
tarde da segunda-feira, ainda havia 400 mil paulistanos sem energia elétrica.
A
ventania chuvosa do Armagedon foi extraordinária, mas não pode ser comparada à
tempestade Ciaran, que atingiu França, Espanha, Itália, Bélgica, Reino Unido e
Alemanha na semana passada, com ventos que ultrapassaram 160 quilômetros por
hora. O efeito nesses países foi devastador, causou alagamentos e mortes, mas muito
menos gente ficou sem energia elétrica. Na França, o país mais afetado, um
total de 1,2 milhão de casas e escritórios permaneceu às escuras por
relativamente pouco tempo (só áreas rurais e litorâneas ainda sofrem com falta
de luz).
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Por
quê? Porque nesses países existe infraestrutura digna desse nome, com gestão
pública à altura. Já no Brasil, a infrestrutura é esta desgraça cotidiana:
quando é o estado que administra diretamente o serviço, a porcaria é garantida;
quando é o estado que fiscaliza uma concessionária do serviço, a garantia é uma
porcaria.
Depois
do temporal bíblico, todo mundo está culpando a Enel, concessionária de
serviços de energia elétrica, pela falta de luz em São Paulo. É a revolta dos
sem-energia. Até o combativo Flávio Dino, o ministro da Justiça que beijou a
cruz das Forças Armadas, mas não perde o jogo de corpo esquerdista, resolveu
pedir satisfações à empresa. Governo
petista é assim mesmo: se é privado, soy contra, porque bons eram os tempos em
que a gente não tinha apenas as agências reguladoras para lotear entre amigos
que não fiscalizam nada.
Flávio
Dino quer uma resposta em 24 horas. Não precisa. A
resposta é instantânea como qualquer choque de realidade. A Enel pode não ser
grande coisa, quer aumentar a sua margem de lucro com custo operacional abaixo
da linha da decência, o tempo é traiçoeiro no subtropical de altitude e a nossa
meteorologia é tão precisa quanto pontaria de PM. Tudo é verdade, está certo,
mas vem cá: como é possível, diga aí, achar que uma cidade com fiação elétrica
aérea seria capaz de resistir a um evento catastrófico como o de sexta-feira,
sem que a sua rede não fosse ao chão?
Desde
que comecei a trabalhar neste troço aqui, perguntei a vários prefeitos de São
Paulo quando é que os fios da cidade seriam finalmente enterrados. Todos me
responderam que era caro demais. O quão caro? Mais de 100 bilhões de reais, no
último cálculo conhecido, e a conta só faz aumentar à medida que os bairros se
expandem.
Hoje,
apenas 6% dos 43 mil quilômetros de fiação da cidade são enterrados, de acordo
com a própria Enel. Estava previsto por lei municipal que as concessionárias de
serviços enterrassem 250 quilômetros de cabos por ano, não fosse a Justiça
decidir que elas não estão obrigadas a fazer isso porque a concessão está
no âmbito federal. Pois é, então, e ainda bem: porque a conta de luz seria
impagável nos dois sentidos. As empresas repassariam o preço do enterramento
para nós na cara dura, e morreríamos de rir para não chorar.
O
imbróglio só realça o fato de que os diversos níveis da administração pública
brasileira são tão ruins, o que inclui os termos dos contratos assinados com
terceiros, que todos teríamos a ganhar com aquela grande virtude ausente nos
trópicos— a honrosa mediocridade. Se houvesse mediocridade, aliada a um mínimo
de preocupação com o bem-estar público (aí estaria a sua honra), os fios seriam
enterrados ao menos nos troncos de distribuição de energia. Mas nem isso está
previsto para ocorrer. Culpa da Enel ou dos
governos que não enterraram fios lá atrás e agora fingem que fiscalizam tudo só
hora na chuva?
A
fiação aérea enfeia a cidade, é mais suscetível a intempéries e também à
teimosia humana de continuar plantando árvores de grande porte fora de
logradouros apropriados para tal.
No
total, há 900 mil árvores nas ruas de São Paulo. Quando crescem, as mais
portentosas rompem a fiação; como não passam por manutenção, muitas apodrecem
devoradas por cupins e, fustigadas pelo vento e pela chuva, desabam sobre os
cabos circunstantes, como damas das camélias da difícil vida fácil da
fotossíntese. Afora que as suas raízes enormes e mal fixadas destroem os
simulacros de calçadas sobre as quais os cidadãos se equilibram.
No
Palazzo Pubblico de Siena, na Toscana, há uma série de afrescos alegóricos de
Ambrogio Lorenzetti, pintados no século XIV, que mostram os efeitos do bom e do
mau governo. Foi concebido para lembrar aos nove magistrados que governavam a
cidade na Idade Média (Siena era uma república poderosa nessa época) como
muitos aspectos da vida estavam em jogo quando eles tomavam as suas decisões.
Os
efeitos do mau governo, ilustra Ambrogio Lorenzetti na sua obra-prima, são o
abandono, a degradação, a ruína; os do bom governo são o cuidado, a
conservação, a prosperidade. Basta sair à rua de qualquer cidade brasileira,
não apenas São Paulo, para constatar os efeitos dos maus governos que elegemos
a cada quatro anos. Que raios nos partam na nossa própria falta de luz. A Enel
pode não ser grande coisa, mas nós também não somos.
·
Noblat:
Os paulistas que sofrem com o apagão são felizes e não sabem
315
mil imóveis ainda estão sem luz em São Paulo depois do apagão da semana
passada. A quatro pessoas por imóvel, seria algo como 1.260.000 pessoas sem
luz; pouco mais da metade da população da Faixa de Gaza sem energia, e por
tabela, sem água, a não ser a salgada do mar que, se bebida, provoca doenças.
O
Exército de Israel, que partiu o enclave ao meio e bombardeia pesadamente a
cidade de Gaza, a essa altura semidestruída, nega comida, transporte e
assistência médica aos palestinos que morrem como moscas – mais de 10 mil até
ontem. Os paulistas ainda às escuras reclamam de boca cheia. São felizes e não
sabem.
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Nunes puxa fila de prefeitos com projeto pró privatização da Sabesp
O
prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), se envolverá diretamente na
proposta de privatização da Sabesp do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos),
seu aliado político.
Nunes
avisou aliados na Câmara Municipal que vai
enviar um projeto de lei autorizando a cidade a manter o contrato com a Sabesp
tão logo a Assembleia Legislativa (Alesp) aprove o projeto de privatização da companhia, proposto
há duas semanas por Tarcísio.
O
atual contrato de prestação de serviço da Sabesp com a Prefeitura, assinado em
2009, tem uma cláusula que diz que, caso a empresa seja privatizada, o acordo
perde a validade e precisa ser revisto. A expectativa é que Nunes envie um
texto apenas para cumprir a formalidade de estender os termos do contrato para
a nova empresa.
Porém, os vereadores já estão planejando
profundas mudanças na proposta. Eles querem condicionar a extensão do
contrato com a Sabesp a uma série de exigências de investimentos que a empresa
terá de fazer nas redes de água e esgoto da cidade.
Essa
cláusula, presente nos contratos da companhia com 375 cidades paulistas, é um ponto de atenção do governo que
pode esvaziar a privatização. A expectativa entre aliados do governador
é que o movimento de Nunes na capital possa servir como farol para os demais
prefeitos.
O
valor desses contratos, considerados de suma importância para os investidores
calcularem o potencial das ações da Sabesp que seram vendidas pelo governo, vai
ser determinado por uma comissão de estudos que a Câmara instalou no último dia
26/10.
Na
reunião de instalação da comissão, os vereadores aprovaram, de largada, a
convocação do diretor-presidente da empresa, André Salcedo, para que ele preste
contas sobre o que eles têm classificado como “passivo” da empresa na cidade.
Nesse
passivo, há investimentos para coleta e tratamento do esgoto de córregos da
zona sul, que levam a sujeira para as represas Billings e Guarapiranga — ambas
usadas para o abastecimento de água da população — e de redes clandestinas que
chegam ao Rio Tietê.
Além
disso, os vereadores veem espaço para aumentar o percentual de investimentos
dos recursos da Sabesp na cidade. No contrato atual, 7,5% de toda a receitas da
empresa têm de ser investidos na cidade.
Nunes
no embate entre aliados
A
imposição dessa conta extra na privatização da Sabesp tem como pano de fundo um
embate envolvendo dois dos principais aliados políticos do prefeito: o governador
Tarcísio e o presidente da Câmara, Milton Leite (União).
Leite perdeu o espaço expressivo que tinha
no governo estadual,
com destaque para o bilionário Departamento de Estradas de Rodagem (DER), após
a derrota do PSDB e a posse de Tarcísio. O governador também suspendeu a duplicação da Estrada do
M’Boi Mirim, na zona sul, obra que o vereador já havia prometido a seu
eleitorado.
Agora,
o presidente da Câmara é o principal patrocinador da série de
condicionantes que
os vereadores pretendem impor à privatização da Sabesp. No começo do mês, ele puxou o coro
para uma série de críticas à empresa, dizendo que ela lançava “um lodo de
fezes” nas represas.
Depois, deu tração à proposta de criação da comissão de estudos, apresentada
pelo vereador Sidney Cruz (Solidariedade).
Nunes,
por sua vez, vai manter uma postura neutra em relação ao embate, segundo seus
aliados. Seu discurso será o de que a privatização é positiva para a população,
uma vez que pode garantir recursos para antecipar investimentos planejados a
longo prazo, como promete o governo Tarcísio.
Tarcísio e Nunes têm pressa para
resolver a questão o quanto antes e evitar que o tema chegue até o ano
que vem, com potencial para contaminar o debate eleitoral. O governador espera
aprovar a privatização da Sabesp na Alesp até o início de dezembro.
·
Nunes
garante que não haverá criação de taxa para enterrar fios em SP
O
prefeito de São Paulo, Ricardo
Nunes (MDB),
afirmou nesta terça-feira (7/11) que foi mal interpretado e garantiu que não há
possibilidade de criar uma taxa à população para o enterramento dos cabos e
fios.
Em
coletiva na noite dessa segunda-feira (6/11), Nunes sugeriu a
cobrança de uma taxa opcional de moradores com condições
financeiras de pagar para acelerar o enterramento de fios da rede elétrica em
alguns quarteirões da cidade em parceria com a Prefeitura.
Em
nota, o prefeito disse que a administração municipal está disposta a ajudar
quem queira investir no aterramento. “Não farei nenhum tipo de cobrança para a
população na cidade de São Paulo. Pelo contrário, se alguém quiser enterrar os
fios, a Prefeitura está disposta a pagar metade justamente para evitar que
árvores caiam sobre a cidade. Meu compromisso sempre foi desonerar o
paulistano, assim como fizemos quando não aumentamos a tarifa do transporte
público ou demos isenção de IPTU na região central, por exemplo”.
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O
aterramento é uma das apostas, de acordo com especialistas, para evitar apagões
em dia de tempestades. Segundo a Prefeitura de São Paulo, o programa
São Paulo Sem Fios já conta com 60 quilômetros com a fiação 100% subterrânea.
O
programa de aterramento de fios de energia e telecomunicações diminui
ocorrências que podem causar queda de árvores ou outros incidentes. A
Prefeitura de São Paulo prevê a utilização de recursos do Fundo Municipal de
Iluminação, por meio da contribuição de custeio da iluminação pública (COSIP),
para ajudar no programa de expansão do aterramento de fios, numa ação
compartilhada com as concessionárias.
O
prefeito de São Paulo explicou que, desde o ano passado, a Prefeitura e a
concessionária Enel estão “desenvolvendo um plano para apresentar para a
sociedade para alguns casos aonde o contribuinte, o morador, o munícipe pode
aceitar pagar uma taxa de contribuição”.
Nunes
afirmou que o tema é “complexo” e caro, já que o custo do enterramento de toda
a fiação da cidade é estimado em R$ 20 bilhões. Atualmente, a Prefeitura
acumula valor recorde de R$ 36 bilhões em caixa.
O
prefeito disse que pretende entregar, até o fim do próximo ano, 83 km de
aterramento de fios na cidade – até o momento, segundo Nunes, a quantidade
entregue pela sua gestão foi de 60 km. Ele disse que precisa do auxílio das
empresas de telecomunicação para poder enterrar a fiação.
Na
coletiva dessa segunda, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
declarou que “o grande vilão [da falta de energia] foi a queda de árvores, que
por falta de manejo acabaram caindo” e propôs que as árvores sejam manejadas
para não atingirem as fiações em caso de queda provocada por chuva forte como a
que ocorreu na sexta-feira.
·
Traumatizados
com a privatização da energia elétrica, bolsonaristas tentam barrar venda da
Sabesp
Segundo
a FOLHA, um conjunto de
economistas e advogados que fazia parte da administração de Jair Bolsonaro
(Partido Liberal) ou apoiava o ex-presidente está planejando opor-se à
privatização da Sabesp, desafiando uma das principais iniciativas do governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que também é alinhado com
Bolsonaro.
Uma
das estratégias envolve a busca pelo ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), André Mendonça, a fim de fornecer-lhe informações sobre os supostos
prejuízos que a venda da participação do Governo de São Paulo na estatal
poderia causar aos consumidores. Mendonça é o relator de uma ação judicial
movida pelo PSOL e pelo PT contra a privatização.
“Existe
uma direita preocupada com a soberania do Brasil. E a Sabesp é um ativo estratégico
do país, é uma das maiores empresas do mundo na distribuição de água e também
na área do saneamento básico”, disse o Fabio Wajngarten, que comandou a
Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro e hoje advoga para o
ex-presidente.
“Não
faz sentido sairmos do monopólio público para cair no monopólio privado”,
informou Wajngarten.
·
Energia elétrica privatizada
Com
o respaldo de sua base governista, Jair Bolsonaro conseguiu aprovar a
privatização da Eletrobras no mês de junho de 2021. A proposta seguiu pelo
Congresso Nacional por meio da Medida Provisória (MP) 1031/21, o que limitou um
debate mais abrangente devido ao prazo de validade da MP, que é de 60 dias e
pode ser prorrogado uma única vez por período igual.
De
acordo com especialistas no setor elétrico, a privatização da maior empresa de
energia elétrica da América Latina acarretará sérias implicações para a
população brasileira e a economia do país. Entre as preocupações destacam-se o
potencial aumento das tarifas, a
desindustrialização e o desemprego, a possibilidade de ocorrência de novos
apagões, riscos de problemas sociais e ambientais, violações de direitos,
ameaças à soberania energética do país, e outros desafios.
·
Apagão em SP e a redução de funcionários na empresa
A
Enel, empresa que tem sido objeto de críticas devido ao longo período de
interrupção no fornecimento de energia que já se estende por mais de 40 horas
em algumas áreas de São Paulo, afetando ainda aproximadamente 1 milhão de
pessoas, implementou uma significativa redução no quadro de funcionários desde
2019.
Os
dados fornecidos pela própria empresa à Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) revelam que houve uma redução de quase 36% no número de funcionários da
Enel entre 2019 e 2023. Esses números foram divulgados pela CNN.
No
ano de 2019, a Enel mantinha um contingente de 23.835 funcionários e
colaboradores, incluindo profissionais contratados diretamente pela empresa e
terceirizados que faziam parte da antiga Eletropaulo. Ao final de setembro de
2023, o número de trabalhadores na concessionária havia diminuído para 15.366
profissionais, representando uma redução de 35,5% ao longo de quatro anos.
No
mesmo intervalo de tempo, o número de clientes atendidos pela Enel na região
metropolitana de São Paulo aumentou em 7%, totalizando 7,85 milhões de
consumidores em residências e empresas.
Em
2019, a Enel possuía uma proporção de um funcionário para cada 307 clientes.
Atualmente, cada colaborador da empresa está encarregado de atender, em média,
um grupo de 511 consumidores.
Fonte:
Metrópoles/O Cafezinho
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