Síndrome de Burnout: epidemia silenciosa
E m um tempo marcado pelo ritmo frenético,
conectividade constante e pressões crescentes, o esgotamento profissional,
também chamado de “burnout”, tem se tornado uma epidemia silenciosa. Exaustão
extrema, estresse, esgotamento físico, despersonalização, gastrite e enxaqueca
são apenas alguns dos muitos sintomas da Síndrome de Burnout
Também conhecida por Síndrome do Esgotamento
Profissional, foi incorporada à lista das doenças ocupacionais reconhecidas
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro de 2022 e, em maio de 2023,
um levantamento realizado pela International Stress Management Association
(Isma) revelou que a doença afeta cerca de 64,3 milhões de brasileiros,
elevando o Brasil ao 2º lugar em número de casos diagnosticados.
Causada justamente pelo excesso de trabalho, a
Síndrome de Burnout não é simplesmente cansaço após um longo dia ou semana, é
um fenômeno complexo e profundo que atinge profissionais de todas as idades,
setores e níveis hierárquicos. Juliana Gebrim, psicóloga e neuropsicóloga,
destaca que o burnout exige abordagem mais abrangente, pois envolve uma perda
de conexão com o trabalho. “O burnout vai além da fadiga comum. Ele causa uma
sensação de desesperança geral, que afeta motivação, engajamento e satisfação
no trabalho”, explica.
A profissional esclarece ainda que a constante
necessidade de estar “on-line” e disponível também contribui para o » Samara
Bandeira* Síndrome de Burnout: epidemia silenciosa SAÚDE MENTAL Condição vai
além da fadiga: causa sensação de desesperança geral, que afeta a motivação, o
engajamento e a satisfação no trabalho. Buscar ajuda é essencial Fotos: arquivo
pessoal problema. Em uma era digital, muitos funcionários se sentem
pressionados a responder e-mails e mensagens fora do horário de trabalho,
borrando as linhas entre o emprego e o tempo pessoal. “É importante definir
limites claros entre o trabalho e a vida pessoal, estabelecendo horários
regulares e reservando tempo para atividades de lazer, descanso e autocuidado”,
orienta.
Juliana alerta para a responsabilidade da empresa
em minimizar o risco e os efeitos do burnout. “A empresa deve criar um ambiente
de trabalho que valorize o bem-estar dos funcionários e avaliar regularmente a
carga de trabalho deles, garantindo que esteja equilibrada e realista, e
fornecer suporte adicional quando necessário”, explica.
• Adoecimento
Essa não foi a realidade do diretor audiovisual e
produtor de vídeo Kalleu Chaves. Aos 33 anos, ele teve metade do rosto
paralisado devido ao estresse do trabalho na área de marketing de uma empresa.
“Eu fazia o trabalho de umas 10 pessoas e não tinha direito nem a
vale-alimentação”, relembra o profissional. “Eu trabalhava há poucos meses na
empresa e estava absurdamente sobrecarregado”, conta.
Em uma determinada noite, ao fazer em casa as
demandas do trabalho, o corpo de Kalleu entrou em colapso. “Senti meu olho
arder, fui dormir e, no outro dia, notei a paralisia do lado esquerdo”, diz.
Depois de procurar atendimento médico, recebeu atestado de 10 dias, e relata
ter se deparado com um ambiente de trabalho ainda mais hostil ao voltar.
“Meu colega não aguentou e pediu para sair. Então,
tive de fazer a parte dele. Voltei com o rosto paralisado e assim fiquei por 3
meses. Foi humilhante”, afirma. “Eu tinha que segurar minha boca para beber
água e comer e, nesse meio tempo, foi como se nada tivesse acontecido para a
empresa.”
O diretor de audiovisual permaneceu no emprego por
necessidade, até que conseguiu uma nova colocação. “Ganho um pouco menos, mas
vale muito mais a pena, porque, agora, eu consigo viver”, ressalta.
• Responsabilidade
O advogado Fernando Paiva, especialista em direito
do trabalho, aponta que é direito do trabalhador ter acesso a um ambiente
corporativo seguro. “Os empregadores têm o dever legal de fornecer um ambiente
de trabalho seguro e saudável. Isso pode ser interpretado como incluindo o
dever de tomar medidas razoáveis para prevenir ou remediar o burnout”, explica
o advogado. “O empregado deve buscar proteção caso as condições de trabalho estiverem
levando ao esgotamento físico ou mental e não atenderem às normas
regulamentadoras, levando a práticas como assédio moral, pressão excessiva,
violação da jornada de trabalho e falta de intervalos de descanso”, completa.
Entre as profissões mais afetadas pelo burnout
segundo o Ministério da Saúde estão as da área da saúde e da educação. De
acordo com a psicóloga Juliana Gebrim, isso ocorre devido à intensa carga de
estresse dessas ocupações. A professora Cinara Itagiba, hoje aos 49, foi uma
das vítimas de burnout quando mal se falava da síndrome. “Em 2007, eu estava
trabalhando em seis empregos quando senti que ia desmaiar na frente dos meus
alunos”, relembra Cinara.
Ela conta que tudo começou com algumas dores
musculares, irritações na pele e cansaço, mas nada que desviasse a atenção da
professora. Assim seguiu até que, em uma determinada manhã, sentiu cansaço e
vertigem brutais tomarem conta de si. “Eu estava fraca demais até para
respirar”, conta. “Fui até a minha coordenadora, expliquei a situação, e disse
que não estava em condições para dar aula. Ela me respondeu com um comentário
irônico, perguntando se estava grávida. Eu me senti desrespeitada e não pude
sair da escola”, relembra. “Dois horários depois, piorei, e novamente me foi
negada a saída, mas eu não aguentei mais e liguei para meu marido me levar ao
hospital”, completa.
Cinara passou alguns dias de atestado e conta que,
ao retornar, nada havia mudado. “Era fingir que estava tudo bem ou ser
demitida. Eu rezava todos os dias para Deus me tirar daquele lugar”, diz.
Quando saiu do emprego, a professora investiu em tratamento psicológico e
psiquiátrico, mas orienta: “Se você sofre com burnout, só vai realmente
melhorar quando sair do lugar que te faz mal. Quanto mais você se permite ficar
em um ambiente tóxico, mais você adoece”
Mais de uma década depois, no início da pandemia, a
professora experimentou os mesmos sintomas sentidos anos atrás. “Agora, eu já
sabia lidar. Interrompi o processo antes da crise. Estava fazendo
acompanhamento há anos, então, sabia o que fazer”, ressalta.
• Mente
sã
Segundo Juliana Gebrim, manter os tratamentos a
longo prazo é fundamental para o enfrentamento do burnout, pois, ao se fazer
isso, evitam-se inúmeras consequências, como o desenvolvimento de transtornos
depressivos e de ansiedade. “É importante abordar o burnout o mais cedo
possível, para evitar que os sintomas se agravem”, alerta a psicóloga.
Enquanto advogado trabalhista, Fernando Paiva
recomenda que, se o burnout for causado por violações contratuais, o trabalhador
pode e deve procurar ajuda legal. “O empregado que se encontrar em qualquer uma
dessas situações (de abuso) pode buscar assistência junto ao sindicato,
advogado trabalhista, ou diretamente na Justiça do Trabalho. É importante que o
empregado reúna provas da carga de trabalho excessiva ou das condições
inadequadas, como registros de horas trabalhadas, comunicações por escrito,
testemunhas, ou avaliações médicas, para fortalecer sua reivindicação”,
esclarece.
Aos empregadores que não cumprirem com suas
obrigações legais em fornecer ambiente e condições saudáveis de trabalho aos
seus empregados, Fernando explica as consequências legais: “O empregador pode
ser responsabilizado por danos morais e materiais se for comprovado que sua
negligência contribuiu para o burnout do empregado. Isso pode resultar em
indenizações; e os órgãos de fiscalização do trabalho podem impor multas ao
empregador por não cumprir as regulamentações de saúde e segurança no
trabalho”.
Ele acrescenta que os sindicatos podem intervir,
exigindo que o empregador tome medidas para prevenir o burnout e proteger a
saúde e a segurança dos empregados.
• Frente
no Congresso para enfrentar tabus
O esgotamento físico e mental resultante do
trabalho é envolto de tabus que dificultam o enfrentamento à Síndrome de
Burnout. Para combater as desinformações, a falta de tratamento e o
preconceito, foi lançada, este mês, a Frente Parlamentar Mista para a Promoção
da Saúde Mental, presidida pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
Ela própria foi vítima de equívocos relacionados à
saúde mental, o que despertou, desde muito nova, o desejo de advogar pela
causa. “Muitas coisas me fizeram levantar a bandeira da saúde mental. A
principal delas sendo o meu pai. Eu cresci com um pai que era uma pessoa
maravilhosa, mas que infelizmente sofria com a bipolaridade, alcoolismo e
dependência química. Ter perdido meu pai pela falta de diagnóstico e tratamento
é minha maior motivação”, conta. “Eu sempre quis que as doenças mentais fossem
tratadas com a mesma seriedade que as físicas”, completa a presidente da
frente.
Tabata trabalhou intensamente pela causa. Tão
intensamente que, no início de 2023, sofreu com a Síndrome de Burnout. “Eu
trabalhei muito mais do que eu deveria, a um ponto que meu físico foi pelos
ares. Eu ganhei 6kg e chorava todos os dias. Ao mesmo tempo em que eu queria
prosseguir, eu pensava em desistir”, revela. “A terapia e o exercício físico
foram muito importantes para me tirar dessa”, destaca a deputada.
Depois de contar sua jornada nas redes sociais, Tabata
se surpreendeu ao receber mensagens de apoio de diversos profissionais que
afirmaram passar pelo mesmo esgotamento. “Foi muito bom saber que eu não estava
sozinha. Encontrar pessoas semelhantes a mim, que sofreram o mesmo que eu,
também foi uma das questões que me ajudaram a melhorar”, comenta ela.
• Não é
“mimimi”
Com tratamento semanal para evitar outra crise,
Tabata agora se empenha na Frente da Saúde Mental. “Nossa missão é acabar com
essa história de que depressão, ansiedade e etc SAÚDE MENTAL Tábata Amaral são
‘mimimi’. Além disso, nosso propósito é lutar por políticas públicas”, reforça.
A busca é por tornar a saúde mental uma questão de saúde pública, para assim
buscar orçamento, projetos de lei e recursos públicos para o tratamento.
De acordo com Tabata, a frente vai lutar contra
todo o tipo de ação, lei e pensamentos que representem retrocesso para a saúde
mental. “Nós vamos trabalhar com diversos planejamentos e estratégias para
evitar que questões mentais sejam tratadas como questões morais”, destaca a
presidente.
Fonte: Correio Braziliense
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