segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Síndrome de Burnout: epidemia silenciosa

E m um tempo marcado pelo ritmo frenético, conectividade constante e pressões crescentes, o esgotamento profissional, também chamado de “burnout”, tem se tornado uma epidemia silenciosa. Exaustão extrema, estresse, esgotamento físico, despersonalização, gastrite e enxaqueca são apenas alguns dos muitos sintomas da Síndrome de Burnout

Também conhecida por Síndrome do Esgotamento Profissional, foi incorporada à lista das doenças ocupacionais reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em janeiro de 2022 e, em maio de 2023, um levantamento realizado pela International Stress Management Association (Isma) revelou que a doença afeta cerca de 64,3 milhões de brasileiros, elevando o Brasil ao 2º lugar em número de casos diagnosticados.

Causada justamente pelo excesso de trabalho, a Síndrome de Burnout não é simplesmente cansaço após um longo dia ou semana, é um fenômeno complexo e profundo que atinge profissionais de todas as idades, setores e níveis hierárquicos. Juliana Gebrim, psicóloga e neuropsicóloga, destaca que o burnout exige abordagem mais abrangente, pois envolve uma perda de conexão com o trabalho. “O burnout vai além da fadiga comum. Ele causa uma sensação de desesperança geral, que afeta motivação, engajamento e satisfação no trabalho”, explica.

A profissional esclarece ainda que a constante necessidade de estar “on-line” e disponível também contribui para o » Samara Bandeira* Síndrome de Burnout: epidemia silenciosa SAÚDE MENTAL Condição vai além da fadiga: causa sensação de desesperança geral, que afeta a motivação, o engajamento e a satisfação no trabalho. Buscar ajuda é essencial Fotos: arquivo pessoal problema. Em uma era digital, muitos funcionários se sentem pressionados a responder e-mails e mensagens fora do horário de trabalho, borrando as linhas entre o emprego e o tempo pessoal. “É importante definir limites claros entre o trabalho e a vida pessoal, estabelecendo horários regulares e reservando tempo para atividades de lazer, descanso e autocuidado”, orienta.

Juliana alerta para a responsabilidade da empresa em minimizar o risco e os efeitos do burnout. “A empresa deve criar um ambiente de trabalho que valorize o bem-estar dos funcionários e avaliar regularmente a carga de trabalho deles, garantindo que esteja equilibrada e realista, e fornecer suporte adicional quando necessário”, explica.

•        Adoecimento

Essa não foi a realidade do diretor audiovisual e produtor de vídeo Kalleu Chaves. Aos 33 anos, ele teve metade do rosto paralisado devido ao estresse do trabalho na área de marketing de uma empresa. “Eu fazia o trabalho de umas 10 pessoas e não tinha direito nem a vale-alimentação”, relembra o profissional. “Eu trabalhava há poucos meses na empresa e estava absurdamente sobrecarregado”, conta.

Em uma determinada noite, ao fazer em casa as demandas do trabalho, o corpo de Kalleu entrou em colapso. “Senti meu olho arder, fui dormir e, no outro dia, notei a paralisia do lado esquerdo”, diz. Depois de procurar atendimento médico, recebeu atestado de 10 dias, e relata ter se deparado com um ambiente de trabalho ainda mais hostil ao voltar.

“Meu colega não aguentou e pediu para sair. Então, tive de fazer a parte dele. Voltei com o rosto paralisado e assim fiquei por 3 meses. Foi humilhante”, afirma. “Eu tinha que segurar minha boca para beber água e comer e, nesse meio tempo, foi como se nada tivesse acontecido para a empresa.”

O diretor de audiovisual permaneceu no emprego por necessidade, até que conseguiu uma nova colocação. “Ganho um pouco menos, mas vale muito mais a pena, porque, agora, eu consigo viver”, ressalta.

•        Responsabilidade

O advogado Fernando Paiva, especialista em direito do trabalho, aponta que é direito do trabalhador ter acesso a um ambiente corporativo seguro. “Os empregadores têm o dever legal de fornecer um ambiente de trabalho seguro e saudável. Isso pode ser interpretado como incluindo o dever de tomar medidas razoáveis para prevenir ou remediar o burnout”, explica o advogado. “O empregado deve buscar proteção caso as condições de trabalho estiverem levando ao esgotamento físico ou mental e não atenderem às normas regulamentadoras, levando a práticas como assédio moral, pressão excessiva, violação da jornada de trabalho e falta de intervalos de descanso”, completa.

Entre as profissões mais afetadas pelo burnout segundo o Ministério da Saúde estão as da área da saúde e da educação. De acordo com a psicóloga Juliana Gebrim, isso ocorre devido à intensa carga de estresse dessas ocupações. A professora Cinara Itagiba, hoje aos 49, foi uma das vítimas de burnout quando mal se falava da síndrome. “Em 2007, eu estava trabalhando em seis empregos quando senti que ia desmaiar na frente dos meus alunos”, relembra Cinara.

Ela conta que tudo começou com algumas dores musculares, irritações na pele e cansaço, mas nada que desviasse a atenção da professora. Assim seguiu até que, em uma determinada manhã, sentiu cansaço e vertigem brutais tomarem conta de si. “Eu estava fraca demais até para respirar”, conta. “Fui até a minha coordenadora, expliquei a situação, e disse que não estava em condições para dar aula. Ela me respondeu com um comentário irônico, perguntando se estava grávida. Eu me senti desrespeitada e não pude sair da escola”, relembra. “Dois horários depois, piorei, e novamente me foi negada a saída, mas eu não aguentei mais e liguei para meu marido me levar ao hospital”, completa.

Cinara passou alguns dias de atestado e conta que, ao retornar, nada havia mudado. “Era fingir que estava tudo bem ou ser demitida. Eu rezava todos os dias para Deus me tirar daquele lugar”, diz. Quando saiu do emprego, a professora investiu em tratamento psicológico e psiquiátrico, mas orienta: “Se você sofre com burnout, só vai realmente melhorar quando sair do lugar que te faz mal. Quanto mais você se permite ficar em um ambiente tóxico, mais você adoece”

Mais de uma década depois, no início da pandemia, a professora experimentou os mesmos sintomas sentidos anos atrás. “Agora, eu já sabia lidar. Interrompi o processo antes da crise. Estava fazendo acompanhamento há anos, então, sabia o que fazer”, ressalta.

•        Mente sã

Segundo Juliana Gebrim, manter os tratamentos a longo prazo é fundamental para o enfrentamento do burnout, pois, ao se fazer isso, evitam-se inúmeras consequências, como o desenvolvimento de transtornos depressivos e de ansiedade. “É importante abordar o burnout o mais cedo possível, para evitar que os sintomas se agravem”, alerta a psicóloga.

Enquanto advogado trabalhista, Fernando Paiva recomenda que, se o burnout for causado por violações contratuais, o trabalhador pode e deve procurar ajuda legal. “O empregado que se encontrar em qualquer uma dessas situações (de abuso) pode buscar assistência junto ao sindicato, advogado trabalhista, ou diretamente na Justiça do Trabalho. É importante que o empregado reúna provas da carga de trabalho excessiva ou das condições inadequadas, como registros de horas trabalhadas, comunicações por escrito, testemunhas, ou avaliações médicas, para fortalecer sua reivindicação”, esclarece.

Aos empregadores que não cumprirem com suas obrigações legais em fornecer ambiente e condições saudáveis de trabalho aos seus empregados, Fernando explica as consequências legais: “O empregador pode ser responsabilizado por danos morais e materiais se for comprovado que sua negligência contribuiu para o burnout do empregado. Isso pode resultar em indenizações; e os órgãos de fiscalização do trabalho podem impor multas ao empregador por não cumprir as regulamentações de saúde e segurança no trabalho”.

Ele acrescenta que os sindicatos podem intervir, exigindo que o empregador tome medidas para prevenir o burnout e proteger a saúde e a segurança dos empregados.

•        Frente no Congresso para enfrentar tabus

O esgotamento físico e mental resultante do trabalho é envolto de tabus que dificultam o enfrentamento à Síndrome de Burnout. Para combater as desinformações, a falta de tratamento e o preconceito, foi lançada, este mês, a Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental, presidida pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP).

Ela própria foi vítima de equívocos relacionados à saúde mental, o que despertou, desde muito nova, o desejo de advogar pela causa. “Muitas coisas me fizeram levantar a bandeira da saúde mental. A principal delas sendo o meu pai. Eu cresci com um pai que era uma pessoa maravilhosa, mas que infelizmente sofria com a bipolaridade, alcoolismo e dependência química. Ter perdido meu pai pela falta de diagnóstico e tratamento é minha maior motivação”, conta. “Eu sempre quis que as doenças mentais fossem tratadas com a mesma seriedade que as físicas”, completa a presidente da frente.

Tabata trabalhou intensamente pela causa. Tão intensamente que, no início de 2023, sofreu com a Síndrome de Burnout. “Eu trabalhei muito mais do que eu deveria, a um ponto que meu físico foi pelos ares. Eu ganhei 6kg e chorava todos os dias. Ao mesmo tempo em que eu queria prosseguir, eu pensava em desistir”, revela. “A terapia e o exercício físico foram muito importantes para me tirar dessa”, destaca a deputada.

Depois de contar sua jornada nas redes sociais, Tabata se surpreendeu ao receber mensagens de apoio de diversos profissionais que afirmaram passar pelo mesmo esgotamento. “Foi muito bom saber que eu não estava sozinha. Encontrar pessoas semelhantes a mim, que sofreram o mesmo que eu, também foi uma das questões que me ajudaram a melhorar”, comenta ela.

•        Não é “mimimi”

Com tratamento semanal para evitar outra crise, Tabata agora se empenha na Frente da Saúde Mental. “Nossa missão é acabar com essa história de que depressão, ansiedade e etc SAÚDE MENTAL Tábata Amaral são ‘mimimi’. Além disso, nosso propósito é lutar por políticas públicas”, reforça. A busca é por tornar a saúde mental uma questão de saúde pública, para assim buscar orçamento, projetos de lei e recursos públicos para o tratamento.

De acordo com Tabata, a frente vai lutar contra todo o tipo de ação, lei e pensamentos que representem retrocesso para a saúde mental. “Nós vamos trabalhar com diversos planejamentos e estratégias para evitar que questões mentais sejam tratadas como questões morais”, destaca a presidente.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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