'Todos os olhos em Rafah': o movimento
global compartilhado por mais de 44 milhões de pessoas
Uma imagem que mostra
acampamentos de refugiados palestinos e a frase “Todos os olhos em Rafah”,
gerada por Inteligência Artificial, está percorrendo as redes sociais.
A BBC Árabe
identificou a Malásia como a origem da postagem, que já foi compartilhada por
mais de 44 milhões de usuários do Instagram – incluindo celebridades da Índia,
Paquistão e Porto Rico.
A imagem e a frase
viralizaram após o recente ataque aéreo israelense a um campo de refugiados
palestinos na cidade de Rafah, no sul de Gaza, e o incêndio que se seguiu.
Segundo o ministério
da saúde administrado pelo Hamas, pelo menos 45 pessoas morreram, inclindo
várias mulheres e crianças. Outras centenas foram tratadas por queimaduras
graves, fraturas e ferimentos por estilhaços.
Vários líderes
mundiais, chefes de estado e organizações internacionais condenaram a ação e
expressaram tristeza pelas mortes.
Benjamin Netanyahu, o
primeiro-ministro de Israel, classificou o ataque como um “erro trágico”,
confirmando que a ação está sendo investigada.
O porta-voz do
Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, descreveu as cenas
como “comoventes”. Mas disse que “não haveria mudanças de políticas”.
Segundo porta-voz das
FDI (forças de defesa de Israel), o ataque visava a eliminação de líderes do
Hamas. Segundo Israel dois importantes membros da cúpula do Hamas teriam sido
mortos no ataque. O porta-voz acrescentou que a munição utilizada no ataque foi
de baixa potência, que seria incapaz de ter causado o incêndio que tomou as
tendas do acampamento causando o grande número de mortes.
A declaração sugeria,
segundo analistas, que as chamas teriam sido causadas pela presença de
armamento do Hamas armazenado nas proximidades. A informação não foi entretanto
confirmada.
Após as tendas em
Rafah serem atingidas, a imagem foi postada nas redes sociais por um jovem na
Malásia e viralizou, de acordo com análise da BBC Árabe.
Mas como surgiu a
imagem?
• Onde surgiu o slogan 'Todos os olhos em
Rafah'?
Após o ataque
israelense às tendas perto de Rafah, surgiram postagens citando Richard
Pepperkorn, representante da Organização Mundial da Saúde nos territórios
palestinos ocupados.
Em fevereiro, ele
disse a jornalistas que “todos os olhos estão voltados para Rafah”,
posicionando-se contra um ataque das forças israelenses à cidade.
A frase foi proferida
por Pepperkorn em uma conversa online com jornalistas na sede das Nações Unidas
em Genebra.
Ele disse temer um
“desastre inimaginável” caso o exército israelense fizesse uma incursão em
grande escala na cidade.
Desde então,
autoridades e ativistas têm repetido a frase de Pepperkorn para expressar
preocupação e oposição a uma operação militar israelense em Rafah.
Nos meses que se
seguiram, a frase “Todos os olhos voltados para Rafah” foi vista em protestos
pelo mundo todo e em postagens de redes sociais.
A cantora irlandesa
Clare Sands usou a frase em uma postagem, pedindo a políticos que detenham
qualquer ofensiva na cidade.
• Como a foto se espalhou pelas redes
sociais?
Manifestantes em
diferentes cidades também usaram a frase em cartazes, em protestos de
solidariedade
A imagem original
postada na Malásia usava a frase que ficou famosa em fevereiro.
Entre as celebridades
que compartilharam a imagem com a frase estão o cantor pop Ricky Martin, a
atriz turca Tuba Buyukustun, a atriz indiana Priyanka Chopra, e a atriz síria
Kinda Alloush.
Maher Nammari,
consultor de e-marketing e inteligência artificial, disse à BBC Árabe que a
principal razão para acreditar que a imagem tenha sido gerada por IA é ela não
parecer fotorrealista. A imagem não mostra um lugar real nem a cidade de Rafah.
Ele retrata um vasto
deserto e um acampamento, com o texto "All Eyes on Rafah"
("Todos os olhos em Rafah").
Nammari diz que o
recurso “Adicione o seu” do Instagram foi usado quando ela foi amplamente
compartilhada.
São necessários apenas
dois cliques para que os usuários participem, facilitando a adesão de milhões
de pessoas à campanha.
Mas Nammari ressalta
que a natureza do incidente em si e a interação online que se seguiu ajudaram a
fazer a imagem reverberar.
E comparou a muitas
campanhas anteriores, relacionadas a outras questões, que não conseguiram
viralizar da mesma forma, dizendo que “o ataque de domingo em Rafah gerou uma
tristeza generalizada”.
Nammari afirma que
outro motivo pelo qual a imagem se espalhou amplamente é porque ela não contém
cenas de sangue, fotos de pessoas reais, nomes ou cenas perturbadoras, que
poderiam fazer com que tivesse a distribuição restringida pelo Instagram.
• Como recursos do Instagram ajudam
campanhas sociais a se espalharem amplamente?
Os stories publicados
por “shahv4012” utilizaram o recurso “Adicione o seu”, lançado pelo Instagram
em 2021. Ele permite que qualquer usuário publique uma foto e incentive a
interação de seus seguidores.
Nammari afirma que,
desde que foi disponibilizada, a funcionalidade tem sido utilizada pelo setor
de turismo e viagens com uma pessoa publicando a foto de um local que visita ou
de um café, e outros usuários podendo adicionar suas próprias imagens do mesmo
local.
Ele acrescenta que o
uso de tal recurso em campanhas políticas, sociais ou em questões de opinião
pública é recente.
“Na maioria dos casos,
quem começa a usar esse recurso por motivos políticos pretende contribuir para
o lançamento de campanhas em grande escala, porque (o post) cresce (em
popularidade).”
• Campanhas anteriores
A campanha não é de
forma alguma a primeira a usar as redes sociais para espalhar uma mensagem de
solidariedade.
“Black Lives Matter”
("Vidas Negras Importam"), uma frase, e em especial uma hashtag, foi
usada para destacar o racismo, a discriminação e a desigualdade vividos pela
população negra em 2020 e 2021.
Sua utilização cresceu
nos EUA após assassinatos de grande repercussão cometidos pela polícia, mas
também tem sido utilizada no Reino Unido e em outros países.
No Sudão, usuários de
redes sociais fizeram campanhas após centenas de pessoas terem sido mortas e
milhares deslocadas para cidades e países vizinhos devido a disputas entre
facções militares.
Uma das campanhas mais
proeminentes vistas no país, através das redes sociais, foi a “Azul para o
Sudão”.
Os usuários mudaram
suas fotos de perfil para uma imagem azul em solidariedade aos manifestantes na
capital, Cartum.
A frase tornou-se mais
tarde uma expressão geral relacionada a exigências políticas e econômicas.
Em 2023, celebridades
do mundo todo compartilharam publicações em solidariedade com as vítimas de um
terremoto devastador que matou milhares de pessoas na cidade marroquina de
Marrakech.
Fotos foram postadas
como Stories no Instagram para expressar condolências, arrecadar doações e
mostrar solidariedade às famílias das vítimas.
¨ Tornar a Palestina membro da ONU poderia ajudar no conflito com
Israel? Especialistas discutem
A possibilidade de a
Palestina se tornar um membro pleno da Organização das Nações Unidas (ONU)
ganha impulso, com países como Espanha e Irlanda, entre outros da União
Europeia, passando a reconhecer oficialmente o Estado palestino.
Especialistas
discutiram no podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, sobre quais seriam as
implicações práticas dessa mudança para a Palestina. E, sobretudo, se isso
garantiria maior proteção contra as ações de Israel.
O reconhecimento do
Estado da Palestina como membro pleno representa um passo na legitimação
internacional dos direitos palestinos à autodeterminação e soberania, segundo o
presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah.
Tal mudança traria
vantagens como o direito de sentar-se entre os Estados-membros na Assembleia
Geral, fazer declarações em nome de grupos e propor alterações em resoluções,
segundo ele.
·
Qual é a posição da ONU sobre o Estado
palestino?
Apesar de ter votado
em novembro de 2012 para conceder aos palestinos o status de Estado observador
nas Nações Unidas, a organização não reconhece plenamente a existência do
Estado palestino. Desta forma, há direito de participar de debates, mas não das
votações.
A condição de membro
pleno permitiria à Palestina participar de organizações internacionais de
maneira mais robusta, diz Rabah.
Para ele, esse
reconhecimento ampliado facilitaria ainda mais a participação palestina em
processos internacionais, podendo aumentar a pressão legal sobre Israel
mediante crimes de guerra e outras violações, que já têm sido feitas.
"Investigar por crimes de guerra, crimes de perseguição e apartheid feito
pelas autoridades israelenses", exemplifica.
Contudo, a questão de
se isso impediria Israel de continuar suas ações contra os palestinos é
complexa, diz, já que adesão plena à ONU não garante automaticamente o cessar
de conflitos ou de violações de direitos humanos. Além disso, a pressão
exercida pelos Estados Unidos — principal aliado israelense — é vista como
outro fator contrário.
"Entretanto,
muitas coisas mudaram, mesmo contra a vontade dos Estados Unidos. A guerra do
Vietnã acabou contra a vontade dos Estados Unidos. As ditaduras acabaram contra
a vontade dos Estados Unidos, as ditaduras do continente e outras mais. O apartheid
acabou contra a vontade dos Estados Unidos", exemplifica.
O jornalista e
pesquisador em relações internacionais Arturo Hartmann diz que reconhecer a
Palestina na ONU poderia transformar seu estatuto, permitindo acesso a fóruns e
arbitragem internacional, hoje inacessíveis. "Poderia abrir caminho para
um reconhecimento formal e legal que colocaria a Palestina numa posição mais
forte para contestar a ocupação israelense."
Porém, ele destaca que
tal reconhecimento depende da aprovação do Conselho de Segurança da ONU, onde
os interesses de Israel e seus aliados, especialmente os EUA, desempenham um
papel crucial. O grupo é formado por Rússia, China, EUA, França e Reino Unido.
"A ordem global
foi estruturada para que a maioria não possa decidir", diz Hartmann.
"A Assembleia Geral vota, a Assembleia Geral coloca propostas, mas as
decisões dela não têm efeito prático. As decisões do Conselho de Segurança,
sim."
No campo simbólico,
Hartmann acredita que o reconhecimento seria um marco importante para a causa
palestina, representando a validação de sua luta por independência, mas
ressalta que "a independência formal não garante a libertação total, pois
a Palestina poderia continuar dependente de Israel em muitos aspectos".
Ele compara a situação
aos processos de descolonização dos anos 1960, onde muitas nações africanas
conquistaram a independência formal, mas permaneceram econômica e politicamente
dependentes das antigas potências coloniais.
·
Quais os países envolvidos na questão
Palestina?
Recentemente, Espanha,
Noruega e Irlanda anunciaram que reconhecerão a Palestina como um Estado
independente, se unindo a uma lista de outros 143 países, incluindo o Brasil e
Rússia, que reconhecem o território palestino como um Estado independente.
Rabah argumenta que o
reconhecimento internacional crescente e as investigações em tribunais
internacionais podem gradualmente isolar Israel e limitar suas ações. A
investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre crimes de guerra,
incluindo ordens de prisão para líderes israelenses, já indica mudança
significativa.
Para ele, o isolamento
se acelera com o apoio de grupos como o BRICS e a Organização de Cooperação de
Xangai. "A força do BRICS, a força dos países não alinhados, a força da
cooperação de Xangai, a força da Rússia tomada separadamente, a força da China
tomada separadamente, a aliança da Rússia e da China vão isolar os Estados
Unidos e Israel."
Rabah entende que, com
o tempo, países da Europa vão deixar de "permanecer sem reconhecer o
Estado da Palestina", incluindo nações como Finlândia e Suécia.
"Desde 2012, os
países que reconheceram, deram à Palestina a condição de Estado observador, de
lá pra cá, só cresceram. Nós estamos agora em 143", afirma.
Hartmann menciona que
essas ações são vistas por Israel como uma forma de "guerra
diplomática". "Israel considera qualquer apoio ao reconhecimento do
Estado palestino como uma ameaça ao seu projeto sionista e faz de tudo para
impedir isso", afirma.
Ele cita uma
reportagem sobre os esforços da inteligência israelense para neutralizar
investigações da Corte Criminal Internacional como exemplo de até onde Israel
está disposto a ir para evitar que a Palestina obtenha reconhecimento
internacional e responsabilização por crimes de guerra.
·
Qual é a relação entre Israel e Estados
Unidos?
A relação entre
Washington e Tel Aviv é complexa, envolvendo interesses estratégicos e
políticas domésticas, segundo o Hartmann. Ele explica que, a curto prazo, os
EUA visam manter presença forte no Oriente Médio devido ao petróleo e gás. A
longo prazo, a aliança é vista como um baluarte contra a crescente influência
da China.
Além disso, fatores
domésticos americanos, como o lobby pró-Israel e parte da opinião pública
popular favorável, complicam mudanças maiores. No entanto, uma recente demissão
de uma funcionária judia do Departamento de Estado em protesto contra as
políticas dos EUA em Gaza são um dos vários sinais de que essas dinâmicas estão
começando a ser questionadas.
Hartmann aponta que o
crescimento de movimentos de extrema direita no cenário global tem influenciado
o apoio a Israel — governos de direita, segundo ele, tendem a se alinhar com a
agenda conservadora e nacionalista israelense, como é o caso da Hungria, que
apesar de reconhecer inicialmente a Palestina, mudou sua postura alinhando-se
com Israel.
Por outro lado, o
movimento estudantil nas universidades americanas pode ajudar a redefinir o
apoio americano dos EUA a Israel, para Rabah. Segundo ele, os recentes
protestos, que incluem a pressão em figuras públicas, desafia a estrutura de
poder estabelecida, incluindo o "Estado profundo" dos EUA, o
Pentágono e o lobby pró-Israel.
"Não é apenas
protesto em universidades estadunidenses. O protesto está acontecendo nas
universidades de ponta estadunidenses, aquelas que formam a elite."
Rabah aponta mudança
significativa na opinião pública americana em relação à questão palestina. Em
2013, apenas 12% dos americanos apoiavam a Palestina, segundo ele, enquanto
hoje esse número está perto de 30%.
Entre os jovens, o
apoio é ainda mais expressivo, com mais da metade da juventude americana,
incluindo aqueles ligados aos dois principais partidos, reconhecendo o
desequilíbrio na política externa dos EUA em relação à Palestina.
"Na juventude, é
mais da metade [o apoio à Palestina]. Daí cai entre adultos até 60 anos e cai
mais naqueles que têm mais de 60 anos", explica Rabah.
Para Hartmann, a
crescente solidariedade internacional com é evidente, mas, segundo ele, para
que haja mudança real, é preciso mudar a estrutura de poder atual ou os EUA
mudarem sua postura, algo difícil a curto prazo.
"Os palestinos
vão sempre chegar no limite [...] de nem chegar à independência. Eles vão lutar
até o limite, porque é o que se permite que eles façam."
Fonte: BBC News Mundo/Sputnik
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário