Aos 12 anos, Lera está
aprendendo a andar de novo. Ela dá passos tímidos no início, que se tornam mais
confiantes à medida que ela avança.
No verão passado, um
ataque de mísseis russos estilhaçou uma de suas pernas, e deixou a outra
gravemente queimada.
Quase 2 mil crianças foram feridas ou
mortas na Ucrânia desde que o
presidente da Rússia, Vladimir Putin, lançou
sua invasão em grande escala. Mas a
guerra nem sempre deixa cicatrizes visíveis como as presentes na perna de Lera.
"Praticamente
todas as crianças têm problemas causados pela
guerra", diz a psicóloga Kateryna Bazyl.
"Estamos
testemunhando um número catastrófico de crianças que chegam até nós com
diversos sintomas desagradáveis."
Lera viu o míssil que
a atingiu segundos antes de acertá-la.
Era época de férias de
verão, e o centro de Chernihiv estava movimentado. Ela e a amiga, Kseniya,
estavam tentando vender bijuterias artesanais para a multidão que passava.
"Eu vi algo
voando do alto para baixo. Achei que fosse algum tipo de avião que iria subir
de novo, mas era um míssil", conta Lera, pronunciando as palavras de forma
acelerada, como se ela não quisesse pensar no significado delas.
Após a explosão, ela
correu de um lado para o outro em pânico, com a perna mutilada antes de
perceber que havia sido ferida.
"As pessoas dizem
que eu estava em estado de choque. Só quando a Kseniya falou: 'Olha a sua
perna!' que senti a dor. Foi terrível."
No início da guerra,
em 2022, os bombardeios em Chernihiv, no norte da Ucrânia, eram constantes.
Mas, em poucas semanas, as forças russas foram rechaçadas. E a vida voltou
lentamente à cidade.
Até que, em 19 de
agosto de 2023, o teatro local recebeu uma exposição de fabricantes de drones,
e a Rússia atacou. Estilhaços de metal varreram as ruas ao redor.
Nove meses depois,
Lera levanta a barra da calça, revelando diversas cicatrizes profundas e um
enxerto de pele. Há uma grande protuberância onde implantes metálicos foram
inseridos.
As feridas estão
cicatrizando bem, e ela se movimenta com agilidade com as muletas. Mas ainda
sofre com o som das sirenes de ataque aéreo.
"Se dizem que há
um míssil em direção a Chernihiv, fico louca", diz. "É muito
ruim."
Ela insiste que está
lidando bem com a situação e que não mudou, mas sua irmã não tem tanta certeza.
"Você está mais
explosiva", diz Irina a ela.
Lera assente
timidamente com a cabeça. "Eu não era tão agressiva antes."
Esta é uma das muitas
reações que os psicólogos da infância estão observando diante do estresse da
guerra.
"As crianças não
compreendem o que aconteceu com elas, nem muitas vezes as emoções que
sentem", explica Iryna Lisovetska, da instituição beneficente Voices of
Children, que está ajudando centenas de jovens ucranianos em todo o país.
"Eles podem
demonstrar agressão como forma de autoproteção."
Para Lera, a guerra
foi duplamente cruel.
Poucos meses antes de
ela ser ferida, seu irmão foi morto lutando na linha de frente de combate. Os
dois eram próximos, e Lera ainda tem dificuldade de aceitar que Sasha se foi.
"Imagino que ele
vai ligar a qualquer momento. Eu costumava ver o rosto dele nas pessoas que
passavam na rua. Ainda não consigo acreditar", diz ela serenamente,
enrolada em uma bandeira ucraniana que pretende levar para o túmulo de Sasha. É
para substituir uma desgastada pelo vento.
Sem avisar, Irina pega
o celular, e a voz grossa de Sasha toma conta da sala.
"Eu amo muito
vocês", diz o soldado às irmãs na última mensagem de áudio enviada da
linha de frente.
É a primeira vez que
Lera ouve a voz dele desde que ele morreu. Seu queixo treme de emoção.
·
Daniel Bazyl, 12 anos,
em Ivano-Frankivsk, oeste da Ucrânia
O maior medo de Daniel
é sofrer uma perda, como Lera.
Seu pai é soldado e
está servindo perto de sua cidade natal, Kharkiv, onde os combates se
intensificaram.
As tropas russas
cruzaram recentemente a fronteira em uma ofensiva surpresa, conquistando novos
territórios, à medida os ataques com mísseis na cidade aumentaram. Entre os
mortos na semana passada, estava uma menina de 12 anos que fazia compras com os
pais.
"Meu pai diz que
está tudo bem, mas sei que a situação lá não é das melhores", afirma
Daniel. "É claro que me preocupo com ele."
O menino de 12 anos
agora mora no oeste da Ucrânia com a mãe, bem longe de Kharkiv. Os mísseis
russos chegam a Ivano-Frankivsk, mas as ruas estão lotadas e tranquilas. Há até
engarrafamentos.
Mas mesmo lá, Daniel
não consegue escapar do conflito. Ele colou uma oração na parede acima da cama,
que reza todas as noites pela segurança do pai, embora nunca tenha sido
religioso antes.
Ele e a mãe, Kateryna,
foram refugiados por um tempo. E voltaram para a Ucrânia porque ela é psicóloga
da infância, e viu que suas habilidades eram urgentemente necessárias.
Ela faz o possível
para manter o filho distraído com uma série de atividades, como andar de skate
e fazer aula de violão. Ele chegou a tocar em espaços públicos para arrecadar
dinheiro para os militares ucranianos. E também faz aulas de luta para ajudar a
enfrentar os valentões da escola.
"Tentei encontrar
coisas que ele amava antes, para continuar fazendo aqui, e funciona", diz
Kateryna.
Mas o menino do
nordeste da Ucrânia ainda luta para se adaptar.
"Fico realmente
incomodado quando há um (alerta de) ataque aéreo na escola, e todo mundo fica
feliz por não ter aula", conta Daniel.
"Aqui, uma sirene
significa apenas ir para o bunker. Mas, na verdade, significa que há combates
em algum outro lugar da Ucrânia."
Daniel conta as horas
entre as chamadas online com o pai. Ele tem enviado ao filho pacotes repletos
de material de arte para ensiná-lo a desenhar remotamente.
"Quero acreditar
que a guerra vai terminar em breve", diz Daniel sobre seu maior desejo.
Desta forma, ele poderia voltar para casa em Kharkiv. "E isso seria muito
legal."
·
Angelina Prudkaya, 8
anos, em Kharkiv, nordeste da Ucrânia
Angelina, de oito
anos, ainda está na cidade, vivendo no meio de uma zona bombardeada.
Ela é do subúrbio de
Saltivka, onde também ficava a casa de Daniel. Quando as tropas russas
avançaram pela primeira vez na região, há dois anos, o local estava bem no fogo
cruzado, e Angelina estava abrigada com a família no porão.
"Foi muito
assustador. Eu só pensava: Quando tudo isso vai acabar? Havia foguetes, e um
avião passou por cima de nós", lembra a menina, puxando as mangas do
suéter.
No início de março de
2022, o prédio vizinho deles foi destruído por um míssil.
A mãe de Angelina,
Anya, disse a ela para tapar os ouvidos e deitar em silêncio.
"Achei que
estávamos soterrados sob as ruínas, que nosso prédio havia sido atingido e iria
desabar", diz ela, com os olhos arregalados com a lembrança.
Depois disso, eles
fugiram.
Mas quando as forças
ucranianas libertaram a região norte no ano passado, a família voltou para
Saltivka.
Eles são as únicas
pessoas que estão morando no prédio, cercado por edifícios escurecidos pela
fumaça e vidros quebrados.
Apesar dos buracos de
estilhaços na parede da cozinha, é um lar.
Agora Kharkiv é
novamente palco de tensão. O ataque com uma bomba planadora a
uma loja de bricolagem no último fim de semana aconteceu perto do apartamento
de Angelina.
Vladimir Putin diz que
não tem planos de tentar tomar a cidade, mas os ucranianos aprenderam a nunca
confiar nele.
"Quando começam a
bombardear, eu falo para a mamãe que vou para o corredor, e ela senta ali do
meu lado", diz Angelina, com a calma de quem tem muita experiência.
Ir para o corredor
significa colocar uma parede extra entre seu corpo e qualquer explosão. É uma
proteção mínima.
Angelina já deveria
ter começado a estudar na escola local, mas há um buraco aberto na lateral. Ela
mal se lembra do jardim de infância, porque antes da invasão russa teve a
pandemia de covid-19.
Anya tenta combater a
solidão levando a filha para algumas atividades, incluindo terapia com animais
de estimação. Estas sessões são organizadas pelo Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), no subsolo do metrô para maior segurança.
Ao jogar bolas para
uma cadela chamada Petra, Angelina ganha vida enquanto cai na gargalhada.
Mas quando a noite cai
sobre sua casa, as luzes não acendem mais. A Rússia tem mirado no fornecimento
de energia.
Então Angelina acende
uma vela com cuidado, e sua pequena figura projeta uma sombra gigante na parede
do apartamento. "Isso acontece o tempo todo", ela encolhe os ombros,
se referindo aos apagões.
Assim como Lera e
Daniel, Angelina está se adaptando a esta guerra da melhor forma que pode.
Mas em todo o país há
uma demanda cada vez maior por suporte.
"Dizemos às
crianças que não há problema em sentir o que quer que seja", explica
Kateryna Bazyl.
"Dizemos que
podemos ajudá-los a compreender como controlar essas emoções, e não destruir
tudo ao seu redor. Ou eles mesmos."
Quando pergunto se há
ajuda suficiente para todos, ela faz uma pausa.
"Para ser
sincera, temos uma fila muito grande."
¨ 'A paz só será encontrada pelo diálogo', crava Celso Amorim
sobre o conflito na Ucrânia
Em declaração
exclusiva à Sputnik Brasil, Celso Amorim, assessor especial para Assuntos
Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reiterou a postura
do Brasil em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia.
Amorim negou que o
Brasil se posicione do lado russo e enfatizou que a busca pela paz deve ser
guiada pelo diálogo, ressaltando a neutralidade do país em questões de
preferência ou alinhamento entre as nações envolvidas.
Ele frisou que a
posição brasileira não envereda por uma escolha entre Rússia e Ucrânia, mas sim
de um esforço genuíno para contribuir para a paz na região.
"O que nós
[Brasil] achamos é que, independentemente dos méritos (de ambos os lados que
têm que ser levados em conta, mas não são os únicos fatores), a paz só será
encontrada pelo diálogo. E o diálogo envolve, necessariamente, as duas
partes", defendeu em declaração à Sputnik.
Amorim destacou a
complexidade das circunstâncias que envolvem a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) e as preocupações de segurança da Rússia, questões que
remontam a tempos anteriores ao comunismo e à dissolução da União Soviética.
Segundo ele, esses fatores históricos devem ser considerados para uma
compreensão mais ampla do conflito.
"A negociação é
indispensável e os princípios da Carta da ONU têm que ser levados em conta no
seu conjunto, como tem ocorrido em outras situações, incluindo a questão das
autodeterminações dos povos", acrescentou Amorim.
·
Especulações de Zelensky
A fala de Amorim à
Sputnik Brasil vem em contraponto às declarações de Vladimir Zelensky à Folha
de S.Paulo. Ele insinuou que o Brasil estaria alinhado mais à Rússia do que à
Ucrânia.
A entrevista aconteceu
em um encontro para jornalistas da América Latina na capital ucraniana, Kiev. A
mídia foi convidada pelo Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia.
"Não entendo, não
entendo. Diga: por acaso, o presidente Lula, por acaso não quer ter essa
aliança? Por acaso o Brasil está mais alinhado com a Rússia do que com a
Ucrânia? […]", indagou.
O encontro com os
profissionais de imprensa aconteceu às vésperas da cúpula da suposta
"fórmula da paz" proposta pela Ucrânia e organizada pela Suíça, nos
dias 15 e 16 de junho.
Fonte: Por Sarah Rainsford, correspondente da BBC do leste europeu na Ucrânia/Sputnik Brasil
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