Quaresma,
Ramadã e Yom Kippur: por que todas as principais religiões jejuam?
A
abstinência, seja do amanhecer ao anoitecer ou em qualquer outro formato, é um
ritual muito presente nas grandes religiões. No islã, no judaísmo, no
cristianismo, no budismo e no hinduísmo há certos momentos marcados no
calendário em que a redução de alimentos adquire um forte simbolismo.
O
objetivo é reduzir a vida ao essencial e praticar a renúncia, explica Thomas
Lemmen, responsável pelo diálogo inter-religioso na Arquidiocese de Colônia, na
Alemanha. "Trata-se de descobrir novas dimensões do ser humano ou
estabelecer um relacionamento com Deus. As principais religiões são semelhantes
em relação a essa prática, mas onde ela se originou?
Por
motivos espirituais e religiosos, o jejum faz parte das tradições humanas desde
os tempos pré-históricos. A ação de jejuar já era mencionada no Upanishad, os
livros sagrados hindus, na Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento,
no Alcorão, no Talmood, um código religioso judaico, e no Mahabarata, um texto
mitológico indiano.
No
cristianismo, o jejum está ligado à celebração da Quaresma e da Páscoa, que
varia de acordo com o início da primavera e o calendário lunar. Sua origem é a
passagem da Bíblia que conta como Jesus se retirou para o deserto por 40 dias,
onde orou, jejuou e foi tentado pelo demônio. Quando retornou, seu espírito
estava mais forte.
Essa
passagem religiosa tornou-se um costume orientador desde a Quarta-feira de
Cinzas, que inicia a Quaresma, até o Domingo de Páscoa, quando Jesus ressuscita
dos mortos. A Páscoa cristã simboliza o dia em que a ressurreição de Cristo é
celebrada e é sempre comemorada em um domingo, conforme registrado no relato
bíblico da Última Ceia, quando Jesus se encontra com seus discípulos pela
última vez, pouco antes de morrer na cruz.
A
Semana Santa é, portanto, a comemoração cristã histórica da Paixão de Cristo,
comemorando a última semana da vida de Jesus de Nazaré, e hoje representa um
símbolo de penitência e transição que muitos cristãos lembram por meio do jejum
voluntário de carne.
• Jejum do Ramadã
No
islã, entretanto, o Ramadã envolve um jejum do amanhecer ao pôr do sol que
todos os muçulmanos observam. Ao contrário da Quaresma, ele dura entre 29 e 30
dias e também simboliza um período de reflexão durante o qual os fiéis se
abstêm de comer e beber durante o dia, bem como de fumar e manter relações
sexuais.
Assim
como na Páscoa, o início do Ramadã também varia a cada ano: o primeiro
crescente do calendário lunar marca seu início por meio de um comitê de
observação da lua localizado na Arábia Saudita. Neste ano, o Ramadã começou em
2 de abril e terminou em 2 de maio, coincidindo com as comemorações do Eid
al-Fitr, a festa do fim do jejum.
Essa
tradição já era respeitada pelos antigos árabes. Seu nome, Ramadã, vem de
"ar-ramad", que significa calor escaldante. Os muçulmanos acreditam
que o anjo Gabriel apareceu a Maomé e lhe revelou o Alcorão, o livro sagrado do
islã, em 610 d.C. Portanto, os muçulmanos jejuam durante esse mês como forma de
comemorar a revelação do Alcorão, já que essa revelação, Laylat Al Qadar
("noite do poder"), aconteceu durante o Ramadã.
Durante
esse período, o objetivo é crescer espiritualmente e estabelecer um forte
vínculo com Alá. Esse mês de jejum é obrigatório para todos os muçulmanos,
exceto para mulheres grávidas, doentes, idosos, viajantes ou mulheres
menstruadas, que compensarão esses dias durante o resto do ano.
O
café da manhã antes do amanhecer, ou suhoor, ocorre antes da primeira oração do
dia, fajr, enquanto a refeição noturna, iftar, começa após a oração do pôr do
sol, maghreb.
• O dia sagrado de Yom Kippur
Semelhante
ao domingo de Páscoa cristão, o feriado judaico Yom Kippur marca o fim do
calendário sagrado do judaísmo e também simboliza o caminho espiritual da
oração, do arrependimento e da caridade.
O
nome do dia mais sagrado do judaísmo, Yom Kippur, significa "dia da
expiação". Esse período de feriado começa com Rosh Hashanah, que marca o
Ano Novo judaico.
Também
marcado pelo calendário lunar, esse período é celebrado no décimo dia de
tishri, o primeiro mês do ano civil e o sétimo mês do ano religioso, de acordo
com o calendário lunisolar hebraico.
Para
os judeus, o Yom Kippur marca o fim dos chamados dias de arrependimento e,
durante 10 dias, os crentes podem influenciar os planos de Deus para o ano
seguinte. É por isso que esses dias são marcados no calendário com muitos atos
de oração e caridade.
No
judaísmo, o dia sagrado também é marcado por jejum acompanhado de abstinência
de limpeza, sexo, perfumes, cremes e sapatos de couro.
• A alma sobre o corpo
Embora
seja difícil identificar o momento exato na história em que se originou a
tradição do jejum como símbolo religioso, já existem evidências dessa
abstinência entre algumas tribos nativas da América do Norte, na Grécia antiga
e no Peru pré-colombiano.
De
acordo com essas evidências, a interrupção de uma experiência básica para o
corpo humano já estava ligada à elevação do pensamento em direção à
espiritualidade.
Ao
longo da história, o abandono dos prazeres corporais tem sido associado a uma
maior introspecção da alma. Outra nuance importante dessas restrições está no
trabalho com a força espiritual da gratidão; gerar uma falta de apreciação pela
abundância é um lembrete da vitalidade do que é dado como certo.
O
espírito dessa tradição secular, que em todas as religiões representa, de uma
forma ou de outra, a priorização da alma em relação ao corpo, continua a
representar, em sua essência, um momento de autorreflexão, conexão espiritual e
gratidão.
Fonte:
National Geographic Brasil
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