quarta-feira, 19 de junho de 2024

Caso Samarco: atingidos fazem ato contra sigilo envolvendo novo acordo

Atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco realizaram nesta segunda-feira (17) uma manifestação em Belo Horizonte onde cobram participação nas negociações envolvendo a repactuação do acordo de reparação. Os manifestantes criticaram a realização de tratativas sob sigilo, sem a presença de entidades que representam as comunidades impactadas.

Uma nota distribuída pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) traz uma avaliação do integrante da coordenação nacional da entidade, Thiago Alves. “Acompanhamos a situação há quase 9 anos. Sabemos bem os danos causados e os desdobramentos que seguirão impactando a vida dos atingidos. Nem os valores nem os moldes como este acordo está se construindo resolverá a situação”.

"Não sabemos como esse recurso será aplicado, não sabemos se os direitos pelos quais lutamos há quase nove anos serão garantidos", denunciou Letícia Oliveira, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e moradora da cidade mineira Mariana, nas redes sociais.

Durante a mobilização, um ofício foi entregue ao Tribunal Regional Federal da 6° Região (TRF-6) com pedido para que seja realizada uma audiência pública com a presidência da instituição e com a mesa de repactuação.

A mobilização dos atingidos teve início às 8h em frente ao edifício do Tribunal Regional Federal da 6º Região (TRF-6), responsável por mediar as tratativas sobre o novo acordo. Em seguida, os atingidos seguiram para a sede regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão que atua na fiscalização das ações reparatórias em curso. Eles também se mobilizam para participar de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao longo da tarde, na qual serão discutidas as dificuldades envolvendo abastecimento de água na região do médio Rio Doce.

O rompimento da barragem da Samarco, localizada no município de Mariana (MG), ocorreu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.

<><> Em que pé estão as negociações?

Em março de 2016, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os governos mineiro e capixaba firmaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) estabelecendo uma série de ações reparatórias. O documento trata de questões variadas como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas, recuperação ambiental, apoio aos produtores rurais, etc.

Todas as medidas são conduzidas pela Fundação Renova, criada com base no acordo. As mineradoras são responsáveis por indicar a maioria dos membros na estrutura de governança da entidade. Cabe a elas também garantir os recursos necessários.

Passados oito anos e sete meses do episódio, ainda há diversos problemas não solucionados. Tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre ações civis públicas, ações coletivas e individuais. Em busca de uma solução, as negociações para uma repactuação do acordo se arrastam há mais de dois anos.

Nos últimos meses, diferentes propostas foram apresentadas pelas partes. A última delas teve valores divulgados pela mineradora Vale em um comunicado ao mercado divulgado na quarta-feira (12). As mineradoras propuseram destinar mais R$ 82 bilhões em dinheiro, valor que seria transferido ao governo federal, aos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e aos municípios ao longo de 20 anos.

Outros R$ 21 bilhões seriam investidos por meio de ações a serem desenvolvidas pela Samarco ou por suas acionistas. As mineradoras alegam já ter investido no processo R$ 37 bilhões desde a tragédia. Dessa forma, afirmam que a proposta apresentada garante R$ 140 bilhões para a reparação.

No comunicado ao mercado, a Vale afirma estar comprometida com ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem da Samarco. “A nova proposta é um esforço para chegar a uma resolução mutuamente benéfica para todas as partes, especialmente para as pessoas, comunidades e meio ambiente impactados, ao mesmo tempo que cria definição e segurança jurídica para as companhias”, diz o texto.

Os valores da nova oferta das mineradoras avançam em relação à anterior que elas apresentaram em abril. Seriam R$ 10 bilhões a mais em repasses em dinheiro e outros R$ 3 bilhões envolvendo as custas de medidas a serem implementadas pela própria Samarco.

A União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo afirmam que estão analisando esta última oferta. Eles chegaram a criticar severamente as propostas anteriores das mineradoras. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) também integram as tratativas e têm se alinhado aos governos.

A pedida original da União e dos dois estados era de R$ 126 bilhões, sem incluir na conta qualquer valor já dispendido pelas mineradoras. Também não concordam que parte do valor envolva ações a serem desenvolvidas pelas mineradoras. No início do mês, aceitaram abaixar o valor para R$ 109 bilhões, com pagamentos ao longo de 12 anos.

Os governos também querem deixar de fora dos valores algumas obrigações sob responsabilidade das mineradoras, como a retirada dos rejeitos no Rio Doce. No final do ano passado, as partes chegaram a afirmar que já havia consenso em torno de todas as cláusulas do acordo. No entanto, quando recusaram a última proposta da Samarco e de suas acionistas, a União e o governo capixaba apontaram retrocesso em questões que já haviam sido pactuadas.

•           Processos judiciais

Paralelamente às tratativas para um novo acordo, a União tenta executar uma decisão judicial de janeiro deste ano que condenou as mineradoras a pagar R$ 47,6 bilhões para reparar os danos morais coletivos causados pelo rompimento da barragem. Trata-se de um processo onde diferentes instituições de Justiça lideradas pelo MPF vinham pleitando desde o ano passado que fosse julgada parte dos pedidos formulados em ações civis públicas que buscam a reparação. A expectativa era de que houvesse uma decisão final ao menos para determinadas questões, envolvendo inclusive indenizações.

A Justiça Federal acolheu parcialmente os argumentos e condenou as mineradoras, que recorreram da decisão. Uma primeira tentativa de bloquear os recursos já foi negada pela Justiça, que considerou a necessidade de aguardar a tramitação dos recursos. A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou nova manifestação ao processo nesta sexta-feira (14), com o intuito de garantir o bloqueio. De acordo com o órgão, em valores atualizados desde a tragédia, a condenação já é de R$ 79,6 bilhões.

“Não podemos esperar mais uma década. É premente a execução provisória do título, pois o meio ambiente e as pessoas afetadas têm urgência na reparação e as causadoras do dano não podem permanecer em situação de conforto, atuando de forma a procrastinar os processos e a responsabilização pelos efeitos de seus atos”, enfatiza a AGU na nova movimentação.

 

•           Moradores de Conceição do Mato Dentro (MG) culpam mineradora por falta de água, poeira e mau cheiro

Falta água e cresce o mau cheiro, o barulho excessivo, a poeira, o isolamento e as doenças psicossociais. Esse é o cenário que os moradores de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, em Minas Gerais, denunciam devido às ações do empreendimento Minas-Rio, da mineradora Anglo American, na região.

“Estamos tendo dificuldade para conquistar uma água descontaminada. Hoje, estamos sendo abastecidos por caminhão pipa, tomando água mineral”, lamenta Ludmila Oliveira Silva, moradora do reassentamento Fazenda Piraquara, em Conceição do Mato Dentro.

Desde 2014, com o início das operações do Projeto Minas-Rio, a empresa extrai minério de ferro na região e conta com o maior mineroduto do mundo, com cerca de 529 km de extensão, que transporta a polpa do mineral ao Porto do Açu, no Rio de Janeiro. Esse transporte utiliza 1,55 milhão de litros de água por hora.

De acordo com a Anglo American, o recurso hídrico é retirado do rio do Peixe, de poços artesianos e de estruturas próprias de armazenamento. Conforme o licenciamento ambiental, a mineradora tem autorização para utilizar 2,5 milhões de litros de água por hora.

Um estudo realizado pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e pela Cáritas, assessorias técnicas independentes (ATIs) que atuam nos municípios, apontou impactos na água de 13 comunidades atingidas pelo complexo minerário.

Segundo o documento, o uso e a ocupação do solo na região foram profundamente alterados, o que atingiu a paisagem local. Também houve aumento de ocupação e de supressão vegetal, o que gerou tensão hídrica e elevou a insegurança nas comunidades locais.

<><> Barulho e poeira

Percílio Elias da Silva, morador de Taporoco, comunidade localizada a aproximadamente 9 km da mina do Sapo e a apenas 3 km da borda oeste da barragem de rejeitos da mineradora, reclama também do barulho excessivo e do mau cheiro ocasionado pela atividade.

“O que mais incomoda são os caminhões fora de estrada, por causa da sirene, da ré e do constante vai e vem. Na madrugada, ele aumenta mais, mesmo porque não tem movimento na BR. Não tem nada para abafar”, relata.

Uma poeira escura, que vem do minério de ferro, também se intensificou nos últimos dois anos, segundo ele. Com isso, a manutenção da limpeza de utensílios domésticos precisa ser constante, além do problema impactar diretamente na saúde.

“Eu fui um dos acometidos. Fui tuberculoso há quase 9 anos e fiz todo o tratamento, já estava completamente curado. Por causa da poeira, foi detectado que a tuberculose voltou, porque a minha imunidade baixou. O meu pulmão ficou tampado por causa dessa poeira”, lamenta.

<><> Impacto nos modos de vida

Morador reassentado em Gondó, um distrito de Córregos, em Conceição do Mato Dentro, Valter Peixoto diz que, além de sofrer com todos esses problemas, está insatisfeito com seu reassentamento, que o retirou do local onde morava.

“Me reassentaram debaixo do empreendimento da serra. Então, me tornei atingido novamente. Tenho sentido muitos impactos, com poluição de poeira, barulho, detonação de bomba, etc. Hoje, eu também passei a não ter água de qualidade. A minha água está poluída”, critica.

Para ele, todo esse contexto é um “abuso”, que “tirou a paz, a calma, a saúde, a tranquilidade e o modo de vida de cada morador da comunidade”.

Já Percílio Elias da Silva relembra que a comunidade de Água Santa, onde funciona atualmente a barragem de rejeitos, era um lugar de comércio e festas. Ele relata que, agora, a população que morava ali é invisibilizada e isolada, esquecida tanto pela empresa quanto pelo poder público.

“O meu medo maior é essa doença psicossocial, porque as pessoas pensam que ela não existe, que a depressão. Ela existe, sim”, sublinha o morador de Taporoco.

<><> Outro lado

Procurada pela reportagem, a Anglo American afirmou que mantém a gestão dos aspectos e impactos do projeto Minas-Rio dentro de suas áreas de atuação e no entorno do empreendimento, mas que realiza monitoramentos ambientais de forma contínua, focada na qualidade do ar, na gestão de ruídos e vibrações e no controle de águas. Os índices, segundo a empresa, cumprem a legislação brasileira.

A mineradora também pontuou que desenvolve iniciativas voltadas à conservação ambiental, ao impacto positivo junto à biodiversidade local e à preservação da água subterrânea na região.

 

Fonte: Agencia Brasil/Brasil de Fato

 

Nenhum comentário: