Caso
Samarco: atingidos fazem ato contra sigilo envolvendo novo acordo
Atingidos
pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco realizaram nesta
segunda-feira (17) uma manifestação em Belo Horizonte onde cobram participação
nas negociações envolvendo a repactuação do acordo de reparação. Os
manifestantes criticaram a realização de tratativas sob sigilo, sem a presença
de entidades que representam as comunidades impactadas.
Uma
nota distribuída pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) traz uma
avaliação do integrante da coordenação nacional da entidade, Thiago Alves.
“Acompanhamos a situação há quase 9 anos. Sabemos bem os danos causados e os
desdobramentos que seguirão impactando a vida dos atingidos. Nem os valores nem
os moldes como este acordo está se construindo resolverá a situação”.
"Não
sabemos como esse recurso será aplicado, não sabemos se os direitos pelos quais
lutamos há quase nove anos serão garantidos", denunciou Letícia Oliveira,
integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB) e moradora da cidade mineira Mariana, nas redes sociais.
Durante
a mobilização, um ofício foi entregue ao Tribunal Regional Federal da 6° Região
(TRF-6) com pedido para que seja realizada uma audiência pública com a
presidência da instituição e com a mesa de repactuação.
A
mobilização dos atingidos teve início às 8h em frente ao edifício do Tribunal
Regional Federal da 6º Região (TRF-6), responsável por mediar as tratativas
sobre o novo acordo. Em seguida, os atingidos seguiram para a sede regional do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), órgão que atua na fiscalização das ações reparatórias em curso. Eles
também se mobilizam para participar de uma audiência pública na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao longo da tarde, na qual serão discutidas
as dificuldades envolvendo abastecimento de água na região do médio Rio Doce.
O
rompimento da barragem da Samarco, localizada no município de Mariana (MG),
ocorreu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros
cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram
e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito
Santo.
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Em que pé estão as negociações?
Em
março de 2016, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os
governos mineiro e capixaba firmaram um Termo de Transação e Ajustamento de
Conduta (TTAC) estabelecendo uma série de ações reparatórias. O documento trata
de questões variadas como indenizações individuais, reconstrução de comunidades
destruídas, recuperação ambiental, apoio aos produtores rurais, etc.
Todas
as medidas são conduzidas pela Fundação Renova, criada com base no acordo. As
mineradoras são responsáveis por indicar a maioria dos membros na estrutura de
governança da entidade. Cabe a elas também garantir os recursos necessários.
Passados
oito anos e sete meses do episódio, ainda há diversos problemas não
solucionados. Tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre
ações civis públicas, ações coletivas e individuais. Em busca de uma solução,
as negociações para uma repactuação do acordo se arrastam há mais de dois anos.
Nos
últimos meses, diferentes propostas foram apresentadas pelas partes. A última
delas teve valores divulgados pela mineradora Vale em um comunicado ao mercado
divulgado na quarta-feira (12). As mineradoras propuseram destinar mais R$ 82
bilhões em dinheiro, valor que seria transferido ao governo federal, aos
governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e aos municípios ao longo de 20
anos.
Outros
R$ 21 bilhões seriam investidos por meio de ações a serem desenvolvidas pela
Samarco ou por suas acionistas. As mineradoras alegam já ter investido no
processo R$ 37 bilhões desde a tragédia. Dessa forma, afirmam que a proposta
apresentada garante R$ 140 bilhões para a reparação.
No
comunicado ao mercado, a Vale afirma estar comprometida com ações de reparação
e compensação relacionadas ao rompimento da barragem da Samarco. “A nova
proposta é um esforço para chegar a uma resolução mutuamente benéfica para
todas as partes, especialmente para as pessoas, comunidades e meio ambiente
impactados, ao mesmo tempo que cria definição e segurança jurídica para as
companhias”, diz o texto.
Os
valores da nova oferta das mineradoras avançam em relação à anterior que elas
apresentaram em abril. Seriam R$ 10 bilhões a mais em repasses em dinheiro e
outros R$ 3 bilhões envolvendo as custas de medidas a serem implementadas pela
própria Samarco.
A
União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo afirmam que estão
analisando esta última oferta. Eles chegaram a criticar severamente as
propostas anteriores das mineradoras. O Ministério Público de Minas Gerais
(MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) também integram as tratativas e têm
se alinhado aos governos.
A
pedida original da União e dos dois estados era de R$ 126 bilhões, sem incluir
na conta qualquer valor já dispendido pelas mineradoras. Também não concordam
que parte do valor envolva ações a serem desenvolvidas pelas mineradoras. No
início do mês, aceitaram abaixar o valor para R$ 109 bilhões, com pagamentos ao
longo de 12 anos.
Os
governos também querem deixar de fora dos valores algumas obrigações sob
responsabilidade das mineradoras, como a retirada dos rejeitos no Rio Doce. No
final do ano passado, as partes chegaram a afirmar que já havia consenso em
torno de todas as cláusulas do acordo. No entanto, quando recusaram a última
proposta da Samarco e de suas acionistas, a União e o governo capixaba
apontaram retrocesso em questões que já haviam sido pactuadas.
• Processos judiciais
Paralelamente
às tratativas para um novo acordo, a União tenta executar uma decisão judicial
de janeiro deste ano que condenou as mineradoras a pagar R$ 47,6 bilhões para
reparar os danos morais coletivos causados pelo rompimento da barragem.
Trata-se de um processo onde diferentes instituições de Justiça lideradas pelo
MPF vinham pleitando desde o ano passado que fosse julgada parte dos pedidos
formulados em ações civis públicas que buscam a reparação. A expectativa era de
que houvesse uma decisão final ao menos para determinadas questões, envolvendo
inclusive indenizações.
A
Justiça Federal acolheu parcialmente os argumentos e condenou as mineradoras,
que recorreram da decisão. Uma primeira tentativa de bloquear os recursos já
foi negada pela Justiça, que considerou a necessidade de aguardar a tramitação
dos recursos. A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou nova manifestação ao
processo nesta sexta-feira (14), com o intuito de garantir o bloqueio. De
acordo com o órgão, em valores atualizados desde a tragédia, a condenação já é
de R$ 79,6 bilhões.
“Não
podemos esperar mais uma década. É premente a execução provisória do título,
pois o meio ambiente e as pessoas afetadas têm urgência na reparação e as
causadoras do dano não podem permanecer em situação de conforto, atuando de
forma a procrastinar os processos e a responsabilização pelos efeitos de seus
atos”, enfatiza a AGU na nova movimentação.
• Moradores de Conceição do Mato Dentro
(MG) culpam mineradora por falta de água, poeira e mau cheiro
Falta
água e cresce o mau cheiro, o barulho excessivo, a poeira, o isolamento e as
doenças psicossociais. Esse é o cenário que os moradores de Conceição do Mato
Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, em Minas Gerais, denunciam devido às
ações do empreendimento Minas-Rio, da mineradora Anglo American, na região.
“Estamos
tendo dificuldade para conquistar uma água descontaminada. Hoje, estamos sendo
abastecidos por caminhão pipa, tomando água mineral”, lamenta Ludmila Oliveira
Silva, moradora do reassentamento Fazenda Piraquara, em Conceição do Mato
Dentro.
Desde
2014, com o início das operações do Projeto Minas-Rio, a empresa extrai minério
de ferro na região e conta com o maior mineroduto do mundo, com cerca de 529 km
de extensão, que transporta a polpa do mineral ao Porto do Açu, no Rio de
Janeiro. Esse transporte utiliza 1,55 milhão de litros de água por hora.
De
acordo com a Anglo American, o recurso hídrico é retirado do rio do Peixe, de
poços artesianos e de estruturas próprias de armazenamento. Conforme o
licenciamento ambiental, a mineradora tem autorização para utilizar 2,5 milhões
de litros de água por hora.
Um
estudo realizado pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por
Barragens (Nacab) e pela Cáritas, assessorias técnicas independentes (ATIs) que
atuam nos municípios, apontou impactos na água de 13 comunidades atingidas pelo
complexo minerário.
Segundo
o documento, o uso e a ocupação do solo na região foram profundamente
alterados, o que atingiu a paisagem local. Também houve aumento de ocupação e
de supressão vegetal, o que gerou tensão hídrica e elevou a insegurança nas
comunidades locais.
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Barulho e poeira
Percílio
Elias da Silva, morador de Taporoco, comunidade localizada a aproximadamente 9
km da mina do Sapo e a apenas 3 km da borda oeste da barragem de rejeitos da
mineradora, reclama também do barulho excessivo e do mau cheiro ocasionado pela
atividade.
“O
que mais incomoda são os caminhões fora de estrada, por causa da sirene, da ré
e do constante vai e vem. Na madrugada, ele aumenta mais, mesmo porque não tem
movimento na BR. Não tem nada para abafar”, relata.
Uma
poeira escura, que vem do minério de ferro, também se intensificou nos últimos
dois anos, segundo ele. Com isso, a manutenção da limpeza de utensílios
domésticos precisa ser constante, além do problema impactar diretamente na
saúde.
“Eu
fui um dos acometidos. Fui tuberculoso há quase 9 anos e fiz todo o tratamento,
já estava completamente curado. Por causa da poeira, foi detectado que a
tuberculose voltou, porque a minha imunidade baixou. O meu pulmão ficou tampado
por causa dessa poeira”, lamenta.
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Impacto nos modos de vida
Morador
reassentado em Gondó, um distrito de Córregos, em Conceição do Mato Dentro,
Valter Peixoto diz que, além de sofrer com todos esses problemas, está
insatisfeito com seu reassentamento, que o retirou do local onde morava.
“Me
reassentaram debaixo do empreendimento da serra. Então, me tornei atingido
novamente. Tenho sentido muitos impactos, com poluição de poeira, barulho,
detonação de bomba, etc. Hoje, eu também passei a não ter água de qualidade. A
minha água está poluída”, critica.
Para
ele, todo esse contexto é um “abuso”, que “tirou a paz, a calma, a saúde, a
tranquilidade e o modo de vida de cada morador da comunidade”.
Já
Percílio Elias da Silva relembra que a comunidade de Água Santa, onde funciona
atualmente a barragem de rejeitos, era um lugar de comércio e festas. Ele
relata que, agora, a população que morava ali é invisibilizada e isolada,
esquecida tanto pela empresa quanto pelo poder público.
“O
meu medo maior é essa doença psicossocial, porque as pessoas pensam que ela não
existe, que a depressão. Ela existe, sim”, sublinha o morador de Taporoco.
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Outro lado
Procurada
pela reportagem, a Anglo American afirmou que mantém a gestão dos aspectos e
impactos do projeto Minas-Rio dentro de suas áreas de atuação e no entorno do
empreendimento, mas que realiza monitoramentos ambientais de forma contínua,
focada na qualidade do ar, na gestão de ruídos e vibrações e no controle de
águas. Os índices, segundo a empresa, cumprem a legislação brasileira.
A
mineradora também pontuou que desenvolve iniciativas voltadas à conservação
ambiental, ao impacto positivo junto à biodiversidade local e à preservação da
água subterrânea na região.
Fonte:
Agencia Brasil/Brasil de Fato
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