Quando a
floresta amazônica era considerada senil
Uma década se havia passado entre a primeira conferência mundial
tratando da relação entre o desenvolvimento, realizada em 1972, em Estocolmo,
na Suécia, e um intenso debate, que lotou um dos auditórios da reunião anual da
SBPC, em São Paulo, sobre a “questão amazônica”. A Amazônia foi um dos temas
principais por ser considerada o pulmão do mundo, produzindo oxigênio sem o
qual aumentaria a quantidade de gás carbônico na atmosfera.
A tese foi apregoada em tom apocalíptico, espalhando-se por
muitos países. Divulgada de forma distorcida, acabou prejudicando a compreensão
da região. Mas serviu de instrumento à sua ocupação desordenada e devastadora,
consumindo a sua floresta, em tal escala como nunca ocorrera na história da
humanidade.
Um dos participantes mais destacados do debate no campus da USP
foi Nestor Jost, que fora presidente do Banco do Brasil e comandava o programa
Grande Carajás, do governo militar, ao qual servia. No aceso clima de
discussões, Jost disse que a floresta amazônica precisava ser derrubada e
substituída por novas árvores porque atingira o máximo de massa. Agora era
senil. Presente ao debate, respondi que o único mérito da tese era permitir uma
rima rica ao criticá-la. A risada foi geral. O próprio Jost riu.
Em 1990, ao visitar Hilgard O’Reilly Sternberg (brasileiro,
apesar do nome), na Universidade de Berkeley, na Califórnia, onde era
professor, conversamos longamente a respeito. Ele me deu cópia de um artigo que
apresentou em 1982, que se mostra ainda muito importante. Reencontrei o
documento por acaso e decidi publicar vários dos seus trechos, eliminando os
formalismos de uma publicação acadêmica.
O professor, um dos pioneiros da geografia no Brasil, faleceu em
2011, aos 94 anos. Creio que suas reflexões, baseadas em anos muitos anos de
pesquisas e de excursões à região, ajudarão os interessados na Amazônia a
discernir os absurdos contra ela cometidos, não sem um propósito, geralmente
não revelado – ou com interesse danoso, incapaz de ser completamente escondido.
Exemplifica-se nesta comunicação o vezo de enroupar com
linguagem científica os argumentos com que se pretende justificar toda uma
série de acometidas contra a hileia amazônica. O caso focalizado trata da
tentativa de legitimar a destruição do meio ambiente, feita em nome do
desenvolvimento, com a afirmação de que, do ponto de vista do ecossistema
telúrico, a derrubada da floresta pluvial poderia ser até benéfica! A fim de
colocar tão espantosa proposição no contexto devido, convém começar com uma
entrevista concedida por Harald Sioli, então Diretor do Departamento de
Ecologia Tropical do Instituto Max Planck de Limnologia. Para muitos le itores,
seria talvez dispensável lembrar que se trata de cientista com longa e
continuada vivência na Amazônia.
Ora bem, em 1971 a United Press International submeteu a Sioli
uma série de perguntas em torno das ameaças que vêm pairando sobre o meio
ambiente amazônico. Um dos quesitos dizia respeito a possíveis repercussões que
teria a derrubada da mata amazônica sobre o balanço oxigênio/gás carbônico na
atmosfera terrestre. Em resposta fornecida por escrito, o biólogo, tendo em
vista o grande volume de carbono que se encontra armazenado na vegetação
hileiana, emitiu a opinião de que a destruição da mesma levaria a perceptível
aumento no volume do dióxido de carbono atmosférico. A importância de um tal
evento decorre, é claro, do chamado “efeito de estufa.”
A previsão de Sioli, inicialmente noticiada de forma fiel, viria
a ser completamente adulterada, quando alguns órgãos da imprensa passaram
atribuir ao entrevistado o haver prognosticado uma diminuição no teor de
oxigênio atmosférico. O cientista inclinara-se a aceitar certas estimativas,
segundo as quais o volume de carhono armazenado na cobertura vegetal amazônica
equivaleria grosseiramente a uns 25 por cento do que se encontra presente na
atmosfera sob forma de gás carbônico.
O parecer, deturpado em sua essência, foi transformado numa
conjectura sem qualquer fundamento: a de que a hileia produz 25 por cento – em
versões posteriores, 30 e até 50 por cento – do oxigênio que o mundo respira.
Com a deturpação, revestiu-se a citação de intensa carga emotiva, por tocar de
maneira imediata no instinto de preservação da espécie. Ouriçou, por outro
lado, alguns espíritos, graças à ilação que dela se pode tirar: ser necessário
subordinar as decisões do Brasil, no tocante à Amazônia, à obrigação de
preservar um componente essencial do sistema que sustenta a vida humana sobre a
terr a.
Considere-se a reação do então ministro da Fazenda, Delfim Neto,
citado textualmente em um artigo intitulado “O Pulmão Verde” (Beting 1971):
“Quem quiser oxigênio que pague. Q máximo que doravante poderemos fazer é abrir
mão do seguro e do frete da mercadoria … ” E o ministro, “entre dois sorrisos
de fina ironia”, devidamente registrados pelo articulista, continua: o Brasil
poderá cobrar “royalties” substanciais pela economia externa que vem
proporcionando, de graça, ao resto do mundo. É bom lembrar que o Brasil não
cobrou até agora nenhum centavo pelo oxigênio que entrega ao mundo nem recebeu
qualquer tostão de ajuda externa para manter a gigantesca usina de oxigênio em
funcionamento.
Por analogia com o fenômeno observado em recinto envidraçado
próprio, no qual a energia .solar, que penetra através do vidro, é por este
retido, tornando a estufa mais quente que o ar exterior. No caso da atmosfera,
a maior ou menor retenção da radiação terrestre (infravermelha) é determinada
pela composição do envoltório gasoso de nosso planeta, v.g, pelo teor de gás
carbônico. Foi o que fizeram, por exemplo, O Estado de São Paulo e o Estado de
Minas, em suas edições de 13 de novembro de 1971.
A consulta dirigida pela United Press International a Harald
Sioli, diretor do Departamento de Ecologia Tropical do Instituto MaxPlanck, [na
Alemanha] [foram motivadas pela] declarações de Warwick Kerr, então
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que previa a
extinção da mata amazônica dentro de poucas décadas. O quarto quesito indaga a
respeito das consequências que teria a remoção total ou parcial da mata
amazônica sobre as condições da atmosfera terrestre v.g. o balanço oxigênio/gás
carbônico.
Trecho da carta-entrevista de Harald Sioli, com data de 8 de
novembro de 1971, aborda uma série de quesitos submetidos pela United Press
International. Na resposta dada à quarta pergunta, Sioli refere a pesquisas de
seu departamento, segundo as quais estaria imobilizado no lenho da floresta
amazônica um volume de carbono equivalente a uns 25% do carbono existente na
atmosfera sob forma de gás carbônico.
O entrevistado é de parecer que a eliminação da floresta traria
sensível aumento no teor de dióxido de carbono atmosférico. Em 1972, ao ensejo
da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (Estocolmo), a revista
Manchete retomava o tema em artigo epigrafado “O ar é nosso?”. Nele, se
denunciava o aparecimento de um número crescente de “estranhos e esquisitos
ataques da imprensa estrangeira à construção da nossa Amazônia”, ataques que
teriam como base o argumento de “que a devastação da mata privará a Humanidade
de 40% do oxigênio de que ela atualmente necessita” (MELO FILHO, 1972). E,
abordando a s declarações atribuídas a Sioli: Esses jornais e revistas passaram
a dar guarida às declarações de ecologistas famosos, como o professor alemão
Harald Sioli, segundo o qual a floresta amazônica devia ser intocável para não
prejudicar a oxigenação do Hemisfério Norte.
Ao tomar conhecimento do artigo, que indigitava “engenhosas
manobras e campanhas”, o cientista atingido lavrou enérgico protesto,
classificando de calunioso o ato de lhe assacar uma afirmação insensata e
reptando a revista a dizer onde ele teria feito qualquer declaração acerca do
efeito de um desmatamento da Amazônia sobre o teor de oxigênio da atmosfera “ou
coisa semelhante.”
A direção de Manchete publicou trechos da refutação de Sioli, o
qual, em sucessivas entrevistas a órgãos da imprensa brasileira, perseverou em
desmentir categoricamente a falácia que se lhe imputara. Não obstante, o
parecer apócrifo atribuído a Sioli tem sido veiculado pelo mundo afora,
tornando-se parte de uma sorte de “mitologia ecológica”. A verdade é que, na
resposta que dera às perguntas submetidas pela U.P I, não houve a menor
referência a oxigênio.
Registre-se, à guisa de pano de fundo do episódio, o fato de
haver efetivamente quem se preocupe com a possibilidade de ocorrer perigosa
redução no volume de oxigênio atmosférico, em consequência do ritmo acelerado
com que se efetua, por um lado, o consumo desse gás pela tecnologia industrial
e, por outro, a derrubada de florestas e a poluição oceânica. Quando tais
temores vêm à tona, são geralmente afastados pela simples consideração das
imensas reservas que existem de oxigênio livre, o qual, constituindo aproximadamente
21 por cento do volume total da atmosfera, nela é excedido apenas pelo azoto,
com 78 por cento.
Embora não se tenha observado mudança apreciável no teor de
oxigênio atmosférico, nem, por via de regra, se preveja tal mudança para futuro
próximo, igual afirmação não se pode fazer com respeito ao gás carbônico, que,
em média, representa apenas 0,03 por cento do volume da atmosfera. Mesmo no
decorrer de um espaço de tempo relativamente curto, a atividade humana pode
produzir incrementos n o teor deste gás que sejam potencialmente capazes de
ocasionar elevação perceptível da temperatura à superfície da terra.
Considerável apreensão causa, portanto, a evidência de uma
elevação no teor de dióxido· de carbono existente na atmosfera. O aumento total
registrado, de meados do século dezenove para cá, foi de uns 13 por cento;
destes, uns 5 por cento ocorreram desde 1957 – fato que reflete a aceleração da
taxa de incremento. Não obstante, permanece essencialmente sem resposta o
desafio implícito nas estimativas preliminares de Sioli, no sentido de serem
suas projeções investigadas no contexto da Amazônia.
Entrementes, tem-se gasto boa quantidade de tinta de impressão
no tratamento do problema – espúrio, nos termos em que foi colocado – da
produção de oxigênio pela mata amazônica. O tema tem servido, quer como alvo de
irrisão, quer, a nível mais sério, como ensejo de elucubrações teóricas. Quando
o conceituado fisiologista vegetal e ecólogo Paulo de Tarso Alvim, Diretor
Científico da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), se
propôs a explicar “porque a grande floresta não pode ser o pulmão do mundo”,
parece ter baseado sua argumentação em modelo de progressão etária em floresta,
como a quele originalmente ideado por KIRA e SHIDEI. Quiseram estes cientistas
explicar a evolução da produtividade líquida de um maciço homogêneo de
coníferas no norte da ilha de Hocaido.
As linhas essenciais da “interpretação hipotética,” dos
autores japoneses, naquilo que diz respeito ao assunto em tela, podem
resumir-se em poucas palavras, conforme o parágrafo seguinte.
Em uma floresta incipiente, o carbono, extraído por fotossíntese
do gás carbônico da atmosfera, se acumula no tecido vegetal novo em ritmo
superior ao de seu consumo pelos organismos que compõem a floresta. Há, pois,
um aumento líquido na biomassa do sistema. À medida que evolui para a
maturidade, a floresta vai deixando de crescer — como um conjunto, bem
entendido – e passa a manter-se, tão somente. Visto haver a liberação de uma
molécula de 02 para cada átomo de carbono Incorporado na matéria orgânica, o sistema
juvenil constitui um produtor líquido de oxigênio. Entretanto, alcançada
relativa estabilidade, ou seja, a fase frequentemente denominada “climax,” a
produtividade líquida do ecossistema se aproxima de zero e o oxigênio liberado
pela fotossíntese tende a ser consumido pela respiração dos seres vivos que
integram o conjunto e pela decomposição da matéria orgânica nele gerado.
A floresta amazônica, salienta A!vim, tendo cessado de crescer,
em termos de biomassa total, deixou, ipso facto, de produzir um rendimento
líquido de oxigênio. A observação não causa inquietação a esse pesquisador,
pois ele se coloca entre os que rejeitam a ideia de uma ameaça próxima para o
mundo, em virtude da diminuição de oxigênio atmosférico. Ao investir contra a
proposição de que a remoção da floresta fará diminuir a produção de oxigênio,
Alvim desenvolve interessante raciocínio. É de que, embora a Amazônia seja “uma
região com alto potencial de produção de oxig& ecirc;nio”, para que este
potencial se realizasse, seria necessário “cortar as florestas em estágio de
clímax para que crescessem de novo”.
Alvim deixa bem claro que não está “recomendando a exploração da
Amazônia com o objetivo de se produzir mais oxigênio, porque isso não tem
sentido.” O que ele recomenda é, apenas, “a exploração da Amazônia com fins
econômicos”. Mais recentemente, Alvim reconheceu “que o mito da produção de
oxigênio pela floresta … nunca [foi] levado a sério em círculos científicas,”
afirmando que, não obstante, “continua sendo até hoje um dos argumentos
favoritos dos movimentos populares a favor da preservação da natureza, especialmente
quando se fala da região Amazônica”.
Outro estudioso retomando à crítica da imagem que apresenta a
hileia como fornecedora de oxigênio, julga que a mesma servia a um objetivo
específico: “o mito de que a Amazônia é o pulmão do mundo, que se generalizou
na última década, visou em grande parte impedir o desmatamento da Amazônia.
Entretanto, os fatos aqui respingados sugerem que a metáfora do “pulmão verde”
foi, na realidade, popularizada no decorrer de reação, liderada pelos
partidários do desenvolvimento econômico, contra o que alguns perceberam como
uma tentativa de obstruir a valorização da hileia, como uma ingerência de
estrangeiros em assunto de interess e exclusivamente nacional.
O fato é que o raciocínio aduzido por Alvim para contestar uma
proposição oriunda de “barriga” jornalística tem encontrado eco, não só na
imprensa brasileira e estrangeira, como também em diversos escritos
científicos. Considere-se, por exemplo, o Anexo que trata das “consequências do
desflorestamento” em um dos volumes do Projeto Radam, especificamente o trecho
intitulado “Influência da floresta sobre o oxigênio do ar.” Nele se propõe que
o desmatamento, seguido de reflorestamento de parte mínima da área e utilização
agropecuária do restante, significaria “maior quantidade de oxigênio liberado
em re lação à cobertura florestal anterior.”
Outro exemplo. É o que fornece uma notícia estampada no órgão da
Associação dos Empresários da Amazônia. Segundo o que aí se lê, o então
presidente do Instituto Brasileiro de Defesa Florestal, ao manifestar-se
durante uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, teria
tomado de empréstimo, praticamente palavra por palavra, a formulação de Alvim.
Vale transcrever a citação:
“Entende o presidente do IBDF que a produção de oxigênio só ocorre quando a
vegetação está em crescimento e torna-se praticamente nula quando atinge o
estágio de “clímax”. Exatamente aí – lembrou Beruti – uma solução científica
seria cortar as florestas em estado de “climax” para que crescessem de novo, o
que permitiria o aumento da produção de oxigênio e o aproveitamento da madeira
como fonte de energia”. (AMAZÔNIA. 1976)
Tudo isso leva a desejar mais pesquisas em torno daquilo que
Alvim, possivelmente com ironia, denominou “uma solução científica para
aumentar a produção líquida de oxigênio”. Acode logo perguntar, por exemplo, se
a floresta derrubada consegue, de fato, reconstituir-se de forma completa.
Aumenta a tendência de responder pela negativa. Isto, devido à
persuasão de que, quando arrasado através de extensa superfície, o ecossistema
da mata úmida intertropical, no qual se eliminaram numerosas espécies de
plantas e animais, é simplesmente incapaz de renovar-se
Dúvida mais séria é suscitada pela omissão, no equacionamento do problema, de
uma circunstância muito pertinente. Refiro-me ao fato de que a associação
vegetal que sucede à derrubada surge por entre os resíduos ricos em carbono de
um sistema outrora vivente.
A quantidade de oxigênio liberada pela fotossíntese durante os
estágios iniciais da vegetação emergente deve ser contrabalançada com a que é
consumida. na mineralização dos detritos orgânicos da mata que lhe precedeu. Ao
lançar na conta corrente do oxigênio livre aquela receita e esta despesa, é
necessário considerar duas situações distint as. Numa, a floresta é abatida com
o objetivo de implantar em seu lugar culturas ou pastos; noutra, visando a
produção de madeiras e seus derivados.
A primeira destinação caracteriza-se pela sequência, tantas
vezes descrita, da derrubada e da queimada. Contra o oxigênio livre levado a
crédito e correspondente ao que é produzido pela vegetação secundária, deve
debitar-se aquele consumido, de plano, na combustão e, finalmente, na
decomposição de toda parcela, subaérea ou subterrânea, da fitomassa que tiver
sido poupada pelo fogo.
É bem verdade que, conforme foi postulado por SEILER &
CRUTZEN, certa quantidade de carbono orgânico será preservada, em virtude da
queima, sob forma de carvão vegetal, vale dizer, sob forma resistente à
decomposição. Entretanto, o carbono que, desta forma, se segrega e imobiliza,
não há de representar, no caso de uma única queimada. Se não pequena fração
daquele presente na vegetação.
Em um dos raros pontos da Amazônia brasileira onde se chegou a efetuar um
levantamento quantitativo da massa vegetal viva, calculou-se a mesma em cerca
de mil toneladas por hectare, cabendo pouco mais da quarta parte a raízes e
outros órgãos subterrâneos (FITTKAU & KLINGE).
Nos casos em que o objetivo da derrubada é deixar espaço para a
agricultura ou a pecuária, a totalidade dessa fitomassa concorre, pela
oxidação, para o consumo do oxigênio livre da atmosfera. Ainda que o objetivo
do corte seja a extração de toras e demais produtos madeireiros, restará no
terreno grande volume de matéria orgânica, que, ao combinar-se com o oxigênio
livre da atmosfera, contribuirá para reduzir o rendimento líquido que se vai
obter deste gás, quando e à medida que a vegetação recolonizar a área talada.
Com efeito, todo o carbono vegetal, exceto aquele incluído no
volume de madeira que se remove e que acaba sequestrado sob forma de produtos
duradouros (como, por exemplo, móveis, madeira de construção e assoalhos),
permanecerá disponível para o consumo a curto prazo de oxigênio. A indústria
madeireira tradicional na Amazônia desprezava a ramagem das árvores abatidas,
limitando-se a considerar a madeira dos fustes. Porém, mesmo no caso dos
troncos, somente uma fração mínima de madeira acabaria imobilizada nesses
repositórios a médio prazo de carbono, que são os produtos de madeira duráveis.
A extração visava exclusivamente a a lgumas poucas espécies conhecidas, com boa
cotação no mercado, e se limitava a áreas acessíveis ao transporte por água. Em
última análise, não obstante o elevado desperdício observado em cada árvore
abatida, era relativamente modesto o volume total de matéria vegetal que se
largava sobre o chão, a apodrecer.
Certamente, não é este o tipo de operação de que se cogita· ao
avançar a tese de que seria possível obter um acréscimo líquido de oxigênio
livre, se, primeiro, se cortassem as florestas “clímax”, para, em seguida
deixá-las renascer. O que aqui se há de subentender é o corte raso. Este se
prenderia à exportação integrada, visando à comercialização, não só da madeira,
mas também de produtos como chapas de aglomerado ou de fibra. Esta explotação
utilizaria e, portanto, segregaria em produtos duráveis numa fração maior da
biomassa, valorizando o que antes era reje ito e deixando menos refugo a se
decompor no local. Menos, isto é, por árvore. As operações passarão a ter em
mira, não árvores individuais, porém tratos extensos, sendo de prever que
nestes persistam aJguns dos fatores responsáveis pelo desperdício já assinalado
no caso da extração de tipo mais rudimentar e disperso. Fração considerável da
fitomassa total da área (raízes e parte aérea) será, pois, abandonada insitu,
ficando a consumir oxigênio na oxidação do carbono, com o consequente
desprendimento de gás carbônico.
Em resumo: seja qual for o ganho “líquido” com que se imagina
favorecer as reservas de oxigênio atmosférico, graças à reconstituição das
florestas, a verdade é que o benefício projetado terá sido “pago”, mais ou
menos adiantadamente, no decorrer das transformações por que passa a matéria
orgânica oriunda das matas abatidas. Esta observação é válida,
independentemente de a derrubada ter sido efetuada visando a objetivos
agropecuários ou florestais. E mais: se a biomassa total da vegetação
sucessória permanecer a nível inferior ao da floresta primitiva, a escrituração
acusa rá perda líquida no volume do oxigênio livre. São, pois, altamente
disputáveis as teorizações avançadas com o objetivo de refutar uma proposição
apócrifa, tornada dramática pela metáfora (por sinal, inapropriada) que coloca
na Amazônia os “pulmões do mundo.”
É tempo de se deixar de acometer moinhos de vento, para levar
adiante pesquisas sérias referentes ao papel da floresta amazônica nos ciclos
geoquímicos do planeta. Dada a natureza premente dos problemas ambientais
vinculados ao ciclo de carbono, é provável que ele venha a ser abordado com
prioridade. Não pode, entretanto, deixar de figurar na pauta das investigações
a serem empreendidas no campo da ecologia sucessorial a questão da variação
temporal no rendimento líquido de oxigênio, em função da idade da vegetação
secundária. Os fluxos do oxigênio atmosférico constituem assunto de grande
interesse científico, cu jo estudo é até indispensável para o conhecimento mais
preciso do ciclo do gás carbônico (TANS).
Um dos motivos para a urgência de tais pesquisas reside no fato
de que, neste, como noutros casos análogos, os argumentos formulados em
linguagem científica são, com demasiada frequência, tomados de empréstimo por
terceiros, que servem aos interesses de grupos econômicos. A declaração do
Presidente da Associação dos Empresários da Amazônia ao defender, há tempos [em
1979], a ocupação de, pelo menos, um milhão e meio de quilômetros quadrados
de floresta amazônica parece fornecer oportuno fecho tragicômico: para a
presente comunicação: “A Amazônia e uma floresta senil e não contribui para a
re novação de oxigênio; portanto, o meIhor seria cortar a floresta e deixar que
ela cresça”.
Fonte: Por Lúcio Flávio Pinto, para Amazônia Real
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