Estamos em
uma era pós-antibióticos? Veja o que diz a ciência
Imediatamente após a penicilina ter sido
amplamente utilizada por cerca de 80 anos,
as bactérias começaram a descobrir como escapar dos
medicamentos antibióticos. Desde então, a
corrida “armamentista” entre os micróbios perigosos e os seres humanos tem
se intensificado. Um novo estudo mostra que, em aspectos cruciais,
os humanos continuam perdendo.
(Sobre saúde e ciência, veja também: Como prevenir a poliomielite? A saída está na vacinação)
"A pandemia muito lenta de resistência a
antibióticos tem sido fácil de ignorar", mas isso deve mudar com
as taxas crescentes de hoje, juntamente com a falta de novos
antibióticos que resolvam o problema, diz Christina Yek, médica
pesquisadora do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas,
que faz parte dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.
A resistência de certos germes aos
antibióticos continua sendo um dos principais desafios globais de
saúde pública, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses
organismos matam cerca de 5 milhões de pessoas em todo o
mundo a cada ano. Nos Estados Unidos, mais de 2,8 milhões de infecções
resistentes a antimicrobianos ocorrem anualmente, inclusive
as adquiridas em hospitais ou em outros locais. Quando os germes se
tornam resistentes a antibióticos, os médicos não conseguem tratar a infecção
com facilidade.
"Falamos no passado sobre entrar em uma era
pós-antibiótica, em que não temos mais antibióticos [eficazes], mas em
muitos aspectos já estamos lá", afirma Rick Martinello, médico
infectologista da Yale Medicine e diretor médico do programa
de prevenção de infecções. "Sem o benefício dos antibióticos, os
resultados para esse indivíduo são mais sombrios... Mortes, infecções
prolongadas, internações hospitalares mais longas."
·
Aumento das infecções hospitalares
O número de pessoas que adquiriram bactérias
resistentes em hospitais aumentou 32% durante a pandemia de Covid-19, afetando 38 pessoas
a cada 10 mil hospitalizações, de acordo com um relatório
preliminar apresentado nesta primavera por Christina Yek e outros
pesquisadores do NIH na Sociedade Europeia de
Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas em Barcelona, na Espanha.
As taxas caíram um pouco desde então, mas continuam acima dos
níveis pré-pandêmicos.
Os maiores aumentos ocorreram em micróbios resistentes a
uma classe de antibióticos comumente prescritos, os carbapenêmicos. O
estudo descobriu que essa classe de antibióticos está encontrando várias
bactérias resistentes, especialmente Acinetobacter baumannii, Pseudomonas
aeruginosa e Enterobacterales, a causa de
muitas infecções hospitalares graves.
Os Centros de Controle de Doenças deram
o primeiro alarme sobre as taxas acima do normal durante a
pandemia, quando mais de 29.400 pessoas morreram de infecções
resistentes a antimicrobianos durante o primeiro ano, sendo que quase
metade adquiriu os germes em hospitais.
A esperança era que a porcentagem de pacientes com
infecções resistentes retornasse à sua linha de base anterior a da
pandemia, diz Yek. Mas, até agora, as infecções resistentes adquiridas em
hospitais não voltaram.
Enquanto isso, os medicamentos não acompanharam
esse ritmo. Quase todos os novos antibióticos aprovados pela U.S.
Food and Drug Administration dos Estados Unidos, nos últimos anos
foram variações de medicamentos anteriores, sem novos mecanismos de ação
que visem os micróbios resistentes. "Essa constatação tem sido
preocupante", revela Yek. "A resistência está aumentando enquanto
nós estamos quase estagnados."
Os socialmente vulneráveis estão em maior risco
O relatório do NIH incluiu dados sobre dois milhões
de internações hospitalares em todo os Estados Unidos, dados coletados de
empresas de seguro e sistemas médicos. Os pesquisadores também
procuraram identificar os grupos mais vulneráveis a
essas infecções.
Eles descobriram que pessoas com doenças crônicas ou
doenças mais agudas tinham maior probabilidade de adquirir uma
infecção resistente.
Além disso, hispânicos e pessoas com renda e níveis educacionais
mais baixos também apresentaram taxas mais altas. "O que se destacou nos
dados foi que as pessoas socialmente mais vulneráveis corriam mais
riscos", afirma Yek.
Da mesma forma, um resumo separado apresentado pela Duke
University e outros pesquisadores no mesmo encontro
internacional constatou que as mulheres negras nos Estados Unidos
que desenvolveram a bactéria Enterobacterales resistentes a carbapenem têm
uma taxa de mortalidade mais alta do que as mulheres ou homens
brancos com a mesma condição. Essas mulheres tinham maior probabilidade de
apresentar doença vascular ou renal antes de serem hospitalizadas.
Os germes resistentes adquiridos em qualquer lugar são
uma preocupação, mas os adquiridos em um hospital são particularmente
preocupantes. Por um lado, esses germes são geralmente mais
virulentos e podem ser mais resistentes a um número maior de
antibióticos, razão pela qual estão associados a altos níveis de incapacidade e
morte.
Além disso, "a implicação é que fizemos isso com as
pessoas", diz Yek. Os germes podem entrar no corpo de um paciente por
meio de intervenções hospitalares, incluindo cateteres, linhas
intravenosas e/ou aberturas cirúrgicas.
Outros fatores de risco para a resistência são
o maior tempo de permanência de um paciente na unidade de saúde e
o uso de antibióticos nos três meses anteriores, de acordo com
um artigo de revisão publicado na revista científica Cureus.
·
Antibióticos são usados em excesso na
medicina e na agricultura
Os cientistas sabem há anos que a resistência das bactérias se
espalha por meio da distribuição indiscriminada e excessiva de
antibióticos, mas isso não alterou suficientemente a situação. Além do uso
excessivo na área da saúde, os antibióticos são usados também com
frequência nos setores veterinário e agrícola.
"Os antibióticos podem ser usados como promotores
de crescimento em galinhas e vacas, e eles também
pulverizam antibióticos em plantações de pereiras e macieiras",
comenta Martinello.
Quando expostos a antibióticos, muitas bactérias e fungos do corpo são mortos, mas aqueles
com resistência inata não só sobrevivem e se multiplicam, como também passam a
característica para outros organismos. Com o tempo, alguns germes
acumulam genes de resistência não apenas a um antibiótico, mas a
vários. Esses micróbios resistentes a múltiplos medicamentos são
especialmente difíceis de tratar.
Nessas situações, "os pacientes recebem vários
antibióticos na esperança de que haja sinergia... Mas, no geral, esses
pacientes não se curam de suas infecções e muitos deles provavelmente
morrem em decorrência delas", explica Yak, cuja especialidade é doenças
infecciosas.
A combinação de medicamentos de fato ajuda
alguns pacientes. Acrescentar o antibiótico avibactam ao tratamento com
ceftazidima, por exemplo, aumenta sua eficácia contra a P. aeruginosa de
65% para 94%, informou a revisão do Cureus.
·
Minimizar seu próprio uso de antibióticos
desnecessários
Os cientistas continuam buscando novos
medicamentos que possam ser eficazes. Pesquisadores do Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, descobriram
recentemente uma nova maneira de interferir em uma
determinada enzima bacteriana que pode levar a uma nova classe
de antibióticos. Outros estão recorrendo à inteligência artificial para
identificar possíveis terapias.
Nesse meio tempo, muitos hospitais instituíram
protocolos para minimizar as infecções resistentes. Isso inclui
estratégias de prevenção de infecções, como higiene das mãos, regimes
de desinfecção de dispositivos e melhoria da limpeza hospitalar.
E isso inclui a redução da duração da prescrição de
antibióticos durante as hospitalizações, conforme apropriado. A redução do
uso de antibióticos pode encurtar a permanência no hospital sem
aumentar a mortalidade.
Os médicos que atendem pacientes em consultórios
comunitários também devem resistir à prescrição desnecessária, que às
vezes é feita para acalmar os pacientes, afirma Yek.
"Os antibióticos nem sempre são a solução certa", diz
ela. Por exemplo, uma doença nasal chamada sinusite pode ser causada
por alergias; a gripe é causada por um vírus. Por conta
disso, nenhuma delas melhora com o uso de antibióticos. Se você tiver uma
infecção bacteriana e seu médico prescrever um antibiótico de amplo espectro
contra várias cepas de micróbios, pergunte se um medicamento mais
específico pode ser eficaz, explica Yek.
Martinello defende a compra de alimentos orgânicos, que
têm menos probabilidade de conter antibióticos, e pressiona as empresas
alimentícias a reduzir seu uso em animais e na agricultura.
"Precisamos ter muito respeito por esses
medicamentos", diz Martinello, "e entender que seus benefícios
podem se perder com o tempo, principalmente quando são mal utilizados".
Fonte: National Geographic Brasil
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