segunda-feira, 24 de junho de 2024

Por que China é o verdadeiro poder por trás da aliança entre Rússia e Coreia do Norte

O abraço de boas-vindas na pista do aeroporto às três horas da manhã, a guarda de honra de soldados montados e os enormes retratos dos líderes da Coreia do NorteKim Jong Un, e da RússiaVladimir Putin, lado a lado no centro da capital norte-coreana, Pyongyang – tudo foi idealizado para deixar o Ocidente preocupado.

A primeira visita de Putin a Pyongyang desde o ano 2000 foi uma chance para que a Rússia e a Coreia do Norte ostentassem sua amizade. E assim eles fizeram. Kim chegou a declarar seu "total apoio" à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Governos na Coreia do Sul, no Japão, nos EUA e na União Europeia terão observado grandes riscos nessas palavras e no encontro encenado em Pyongyang.

Mas o fato é que os dois líderes percebem que precisam um do outro. A Rússia precisa de muita munição para manter a guerra em andamento, enquanto a Coreia do Norte precisa de dinheiro.

Mas o poder real na região não estava em Pyongyang – e nem a Coreia do Norte queria isso.

Putin e Kim se confraternizaram às portas da China. Por isso, eles teriam sido cautelosos para não provocar Pequim, que é uma fonte fundamental de comércio e influência para os dois regimes sob sanções.

E, mesmo com Putin exaltando sua "forte amizade" com Kim Jong Un, ele deve saber que existe um limite. E este limite é o presidente chinês, Xi Jinping.

·        A cautela chinesa

Existem alguns sinais de que Xi Jinping reprova a florescente cooperação entre seus dois aliados.

Relatos indicam que Pequim advertiu Putin para que não visitasse Pyongyang logo após sua reunião com o presidente Xi, em maio. Aparentemente, as autoridades chinesas não gostaram da ideia de inclusão da Coreia do Norte naquela viagem.

Xi já sofre pressões significativas dos Estados Unidos e da Europa para suspender seu apoio a Moscou e deixar de vender para a Rússia os componentes que estão alimentando a guerra na Ucrânia. E ele não pode ignorar esses alertas.

Da mesma forma que o mundo precisa do mercado chinês, Pequim também necessita de turistas e investimentos estrangeiros para alavancar seu lento crescimento e manter sua posição como segunda maior economia do mundo.

A China agora libera de visto os visitantes de algumas partes da Europa, além da Tailândia e da Austrália. E seus pandas voltaram a ser despachados para zoológicos estrangeiros.

Estas percepções são importantes para o ambicioso líder chinês. Ele quer aumentar o seu papel global e desafiar os Estados Unidos. Certamente, ele não quer se tornar um pária, nem enfrentar novas pressões do Ocidente.

E, paralelamente, ele ainda administra suas relações com Moscou.

Xi não condenou a invasão da Ucrânia. Mas, até agora, também não forneceu assistência militar significativa para a Rússia.

E, durante sua reunião com Putin em maio, sua retórica cautelosa contrastava com os floreados cumprimentos do presidente russo.

Até agora, a China forneceu cobertura política aos esforços norte-coreanos para aumentar seu arsenal nuclear, bloqueando repetidamente os pedidos de sanções apresentados pelos EUA nas Nações Unidas. Mas Xi não admira o entusiasmado Kim Jong Un.

Os testes de armas de Pyongyang levaram o Japão e a Coreia do Sul a colocar de lado sua amarga história para firmar um acordo de defesa com os Estados Unidos. E, quando as tensões aumentam, mais navios de guerra americanos surgem nas águas do Oceano Pacífico, despertando os temores de Xi sobre a criação de uma "Otan do leste asiático".

A desaprovação de Pequim pode forçar a Rússia a reconsiderar a venda de mais tecnologia para os norte-coreanos. A possibilidade de que isso aconteça também é uma das maiores preocupações dos Estados Unidos.

Andrei Lankov, diretor do portal jornalístico NK News, especializado na Coreia do Norte, demonstra seu ceticismo.

"Não espero que a Rússia forneça à Coreia do Norte grandes tecnologias militares." Ele acredita que, se o fizesse, a Rússia "não estaria ganhando muito e, provavelmente, estaria criando possíveis problemas para o futuro".

A artilharia norte-coreana seria uma injeção de ânimo para os esforços de guerra de Putin, mas fornecer em troca a tecnologia de mísseis russos não seria exatamente um grande negócio. E Putin poderá perceber que não vale a pena desagradar a China, que compra petróleo e gás da Rússia e se mantém como seu aliado fundamental em um mundo que o isolou.

Já Pyongyang precisa ainda mais da China. É o único outro país estrangeiro visitado por Kim Jong Un.

Cerca de um quarto à metade do petróleo consumido pela Coreia do Norte vem da Rússia, mas a China concentra pelo menos 80% do seu comércio. Um analista descreveu que as relações entre a China e a Coreia do Norte são como uma lamparina a óleo que queima sem parar.

Em resumo, por mais que Vladimir Putin e Kim Jong Un tentem parecer aliados, o relacionamento de ambos com a China é muito mais importante do que eles demonstram.

·        É importante não perder a China

Apesar da luta declarada dos dois países contra o "imperialismo ocidental", esta é uma parceria de tempos de guerra. Ela pode se desenvolver no futuro, mas, por enquanto, parece mais uma transação comercial, mesmo com seus líderes elevando a parceria para o nível de "aliança".

A Parceria Estratégica Abrangente, anunciada durante a reunião entre Putin e Kim, parece ter um nome imponente. Mas ela não garante que Pyongyang possa continuar fornecendo munição.

Kim Jong Un precisa de suprimentos para si mesmo, já que ele tem seu próprio front para manter – a Zona Desmilitarizada que marca a fronteira com a Coreia do Sul.

Analistas também acreditam que a Rússia e a Coreia do Norte empreguem sistemas operacionais diferentes – e que o sistema norte-coreano seja antigo e de baixa qualidade.

O mais importante é que os dois países não priorizavam suas relações há décadas. Quando Putin era amigo do Ocidente, ele impôs sanções a Pyongyang por duas vezes e chegou até a unir-se aos Estados Unidos, China, Japão e Coreia do Sul para covencer o Norte a desistir do seu programa nuclear.

E, quando Kim Jong Un se aventurou em uma rodada de cúpulas diplomáticas em 2018, ele encontrou Vladimir Putin duas vezes. Na época, os largos sorrisos, abraços e apertos de mão do líder norte-coreano foram para o então presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. Os dois se encontraram em três oportunidades.

Kim trocou "cartas de amor" com o então presidente norte-americano Donald Trump, antes de seus três encontros. Um homem que, certa vez, ele chamou de "caduco" passou, do dia para a noite, a ser alguém "especial".

Kim também teve três encontros de cúpula com Xi Jinping, que foi o primeiro líder internacional com quem se reuniu.

Com tudo isso, Putin acaba de chegar ao baile. E ele ainda não lançou seu charme, enquanto Kim cobriu as ruas de Pyongyang com rosas e tapetes vermelhos.

Um artigo do líder russo no jornal estatal norte-coreano destacou os interesses comuns entre os dois países em se "opor resolutamente" às ambições ocidentais de "impedir o estabelecimento de uma ordem mundial multipolarizada, baseada no respeito mútuo à justiça".

Mas não havia ali as mesmas lisonjas que ele dedicou a Xi Jinping. Putin declarou que o líder chinês era tão próximo quanto um "irmão" e elogiou a lenta economia chinesa por "se desenvolver a largas passadas". Ele chegou a dizer que sua família estava aprendendo mandarim.

Certamente, Putin não ousaria chegar de madrugada e deixar o presidente Xi esperando por horas, como fez em Pyongyang. Putin e Kim também não parecem ter definido quem é o parceiro mais importante, a julgar pelo estranho momento em que eles debatiam sobre quem deveria entrar no carro primeiro.

Com a China, ambos são suplicantes. E, sem a China, eles e seus regimes enfrentarão dificuldades.

 

¨      A impressionante muralha que Coreia do Norte está construindo na fronteira com Coreia do Sul

Coreia do Norte está construindo trechos do que parece ser uma muro em vários locais perto da sua fronteira com a Coreia do Sul, revelam novas imagens de satélite.

Imagens analisadas pela equipe da BBC Verify também mostram que foram abertas áreas dentro do terreno da chamada Zona Desmilitarizada (DMZ, na sigla em inglês), o que os especialistas dizem que pode ser uma violação da trégua de longa data com a Coreia do Sul.

A DMZ é uma zona tampão de quatro quilômetros de largura entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul — ainda tecnicamente em guerra, uma vez que nunca assinaram um tratado de paz. A DMZ é dividida em duas, sendo cada lado controlado pelas respectivas nações.

Esta atividade recente é "incomum", segundo os especialistas, e acontece em um momento de tensão crescente entre os dois países.

"Neste momento, só podemos especular que a Coreia do Norte está tentando reforçar sua presença militar e fortificações ao longo da fronteira", diz Shreyas Reddy, correspondente do site especializado NK News, baseado em Seul.

A BBC Verify encomendou imagens de satélite de alta resolução de um trecho de sete quilômetros da fronteira como parte de um projeto para analisar as mudanças que a Coreia do Norte estava fazendo na área.

Estas imagens parecem mostrar pelo menos três trechos em que barreiras foram erguidas perto da DMZ, cobrindo um total de aproximadamente 1 km perto do extremo leste da fronteira.

É possível que tenha havido mais construção de barreiras ao longo de outros trechos da fronteira.

A data exata do início da construção não é clara devido à falta de imagens prévias da área em alta resolução. No entanto, estas estruturas não eram visíveis em uma imagem captada em novembro de 2023.

"Minha avaliação pessoal é que esta é a primeira vez que eles constroem uma barreira no sentido de separar os espaço um do outro", disse à BBC Uk Yang, especialista em questões militares e de defesa do Instituto Asan de Estudos Políticos de Seul, na Coreia do Sul.

"Na década de 1990, a Coreia do Norte tinha construído muros antitanque para impedir o avanço dos tanques no caso de estourar uma guerra. Mas nos incidentes recentes, a Coreia do Norte está construindo muros de 2 a 3 metros de altura, e não se parecem com os muros antitanque", observa Yang.

"A forma das paredes sugere que não são apenas obstáculos [para tanques], mas que se destinam a dividir uma área", acrescenta o especialista, que analisou as imagens de satélite.

Há também evidências de que áreas foram abertas no terreno do lado norte-coreano da DMZ.

As imagens de satélite mais recentes da extremidade leste da fronteira mostram o que parece ser uma estrada de acesso recém-criada.

Ao traçar o limite preciso da DMZ ao norte no mapa acima, adotamos a pesquisa feita pela BBC sobre mapeamento de fronteiras.

Fizemos isso porque existem pequenas variações nos mapas disponíveis da fronteira. No entanto, todas as versões que encontramos mostram a liberação de terreno ocorrendo dentro da DMZ.

Uma autoridade do Estado-Maior Conjunto (JCS, na sigla em inglês) da Coreia do Sul disse em uma entrevista recente que os militares haviam identificado atividades em curso relacionadas com o "reforço de estradas táticas, a instalação de minas e a limpeza de terrenos abandonados".

"A abertura de espaços no terreno poderia ser destinada tanto a aspectos militares como não militares", avalia Kil Joo Ban, professor de segurança internacional na Universidade da Coreia.

"Isso permite que postos de observação sejam facilmente estabelecidos, para que a Coreia do Norte monitore as atividades militares na Coreia do Sul", diz ele, e detecte "desertores que tentam cruzar a fronteira para a Coreia do Sul".

"É incomum construir estruturas na DMZ e pode ser uma violação do armistício sem consulta prévia", observa Victor Cha, vice-presidente para Ásia e Coreia, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

Guerra da Coreia terminou em 1953 com um armistício, no qual ambos os lados se comprometeram a não "executar qualquer ato hostil dentro, a partir, ou contra a zona desmilitarizada". Mas não houve um acordo de paz final.

Embora a reunificação tenha parecido improvável ao longo dos anos, este sempre foi o objetivo declarado dos líderes norte-coreanos até o início de 2024, quando Kim Jong Un descartou publicamente a histórica ambição.

Alguns especialistas consideraram a declaração "sem precedentes" e observaram uma mudança de política significativa quando Kim rotulou a Coreia do Sul como "principal inimigo" no início deste ano.

Desde então, o Norte também começou a remover símbolos que representam a unidade dos dois países — demolindo monumentos e apagando referências à reunificação em sites do governo.

"A Coreia do Norte não precisa realmente de mais barreiras para evitar um ataque do Sul, mas ao erguer estas barreiras na fronteira, o Norte está sinalizando que não busca a reunificação", afirma Ramon Pacheco Pardo, chefe do departamento de Estudos Europeus e Internacionais da Universidade Kings College London, no Reino Unido.

Alguns especialistas também dizem que isso está alinhado com as ações mais amplas de Kim.

"A Coreia do Norte nem sequer finge querer negociar com os Estados Unidos ou a Coreia do Sul, e rejeitou as recentes tentativas do Japão de iniciar negociações", aponta Edward Howell, pesquisador especializado em Península Coreana na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

"Com as relações amistosas da Coreia do Norte com a Rússia, não devemos ficar surpresos se as provocações entre as Coreias aumentarem neste ano."

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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