terça-feira, 4 de junho de 2024

Patricia Lizarraga: Cinismo como política de Estado na Argentina

Na manhã de 20 de dezembro de 2023 – dia da primeira marcha contra o governo de Javier Milei convocada pelos movimentos sociais argentinos –, os alto-falantes dos trens que ligam a região metropolitana à cidade de Buenos Aires ameaçavam em alto e bom som: “el que corta, no cobra”, quem protestar, não recebe. A voz indicava um número de telefone para denunciar os líderes e participantes da manifestação. Horas antes, Milei havia anunciado seu Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), e a primeira medida do Ministério da Segurança, liderado pela ministra Patricia Bullrich, foi seu “plano antipiquete”.

O DNU não apenas previa um plano econômico de empobrecimento, rendição e espoliação dos recursos naturais, como também deixava clara sua intenção de reprimir fortemente os movimentos populares. Se aquela realidade parecia um cenário distópico, a realidade dos meses seguintes superou qualquer ideia de como seria o governo de Javier Milei.

·        A guerra contra os pobres

Passados pouco mais de cinco meses de seu mandato, o novo presidente tem se consolidado como a principal referência da extrema direita na América Latina e, apesar dos solavancos, segue reafirmando um projeto de refundação da sociedade argentina com base em um libertarianismo conservador, concentrador de renda e repleto de ódio. Apresenta a si próprio como Messias e, invocando as forças divinas, caracteriza sua política macroeconômica como uma tarefa messiânica de purificação.

Na prática, Milei se propôs a entregar – com uma enorme vocação colonial – a soberania e os recursos do país ao capital privado e a revogar toda lei ou política pública que dê alguma dignidade e direitos aos setores populares e às classes médias. Desde que assumiu o cargo, nos últimos dias de 2023, a pobreza aumentou de 12% para 51%, com uma desvalorização de 118% do peso argentino. A inflação chegou a 68% em apenas três meses.

O cinismo da administração não está apenas nos números que mostram a precariedade da vida, mas também no fato de que o novo governo ataca principalmente as populações mais vulneráveis, indo direto ao que sustenta a vida: alimentação e saúde. Logo que assumiu, Milei interrompeu programas públicos de entrega de alimentos para e suspendeu entrega de medicamentos para pacientes com câncer que não podem pagar por eles.

Para impor esse projeto de destruição, o governo precisa desarticular as capacidades de resistência da sociedade e, por essa razão, procura criminalizar e enfraquecer os movimentos populares. Com a longa história de organização popular da Argentina, o inimigo público deste governo são as organizações que criaram cooperativas para gerar trabalho, que apoiaram mais de 40 mil refeitórios em todo o país, que construíram melhorias nos bairros, que organizaram espaços para cuidar da vida. E o governo está agindo intensamente para desarmá-las.

Como parte do mesmo processo, o Ministério do Capital Humano, dirigido por Sandra Pettovello, substituiu o Potenciar Trabajo (Capacitação para o Trabalho) por programas de tipo assistencialista – as empresas produtivas que as organizações vinham desenvolvendo correm o risco de desaparecer – e desfinanciou o programa de urbanização de bairros populares que gerava trabalho nas favelas. Essas mudanças foram acompanhadas de uma ofensiva discursiva, que busca instalar a ideia de que os movimentos são máfias, administradas por líderes que “ganham dinheiro com os pobres”.

Mas, para destruir os movimentos sociais, é preciso eliminar todas as políticas públicas populares. Essa estratégia às vezes inclui mecanismos de guerra judicial: argumentos mentirosos na mídia, acusações falsas, mas nenhuma investigação. Uma vez que essa ideia é veiculada na mídia, eles fecham ou retiram o financiamento de uma política pública, com a justificativa de que ela precisa ser “auditada”. 

Esse modus operandi chegou ao seu extremo com a instalação da ideia de que “as cozinhas comunitárias não existem”. Um pretexto para deliberadamente matar o povo de fome, implementando um ajuste que só levará a mais pobreza, e que só será possível sustentar destruindo as redes comunitárias e as organizações sociais que durante décadas sustentaram processos territoriais de organização popular.

“As cozinhas populares não existem”, repetem, enquanto imagens dos depósitos do governo com cinco toneladas de alimentos se tornam virais de forma obscena. Esse cinismo chega ao limite de deixar cinco toneladas de alimentos – compradas pela administração anterior – apodrecerem antes de entregá-las aos que estão morrendo de fome.

E não é preciso ir muito longe para ver a fome.  Basta andar pelo sul de Buenos Aires, bem perto da Casa do Governo, para ver as cozinhas improvisadas nas calçadas, como no bairro de Constitución, a iniciativa da União dos Trabalhadores e das Trabalhadoras da Economia Popular (UTEP) que serve comida para 3.500 pessoas. E esse é apenas um dos milhares que ainda podem ser mantidos.

Durante todo esse tempo, os movimentos sociais resistiram, denunciaram, realizaram campanhas de solidariedade, receberam auditorias e pediram sistematicamente para serem atendidos pelas autoridades. Apresentaram formalmente uma queixa criminal contra a ministra Sandra Petovello por abandono de pessoa. Desde fevereiro, têm se mobilizado semanalmente, organizando jornadas para dar visibilidade ao problema.

Se antes estavam organizando cooperativas de trabalho, construindo bairros, sindicalizando trabalhadores da economia popular, agora precisam lutar sobretudo pelo pão de cada dia. Há alguns dias, um juiz ordenou que o governo apresentasse um plano para distribuir os alimentos, o que ainda não ocorreu.

·        Cinismo sem limites

Se pensávamos que não poderíamos esperar mais nada, depois de seu show musical no Luna Park, na véspera do Dia da Pátria, em 25 de maio, Milei declarou: “Se as pessoas não tivessem dinheiro para pagar as contas, estariam morrendo na rua”. O jornalista que lhe entrevistava argumentou: “Mas eu não tenho dinheiro para pagar as contas”. A resposta do presidente foi curta: “Então você deveria estar morto, e não está”.

Talvez o governo não veja que a demanda por alimentos nas cozinhas populares está nos mesmos níveis da pandemia, ou que está começando a haver violência nas filas das cozinhas populares porque a comida não é suficiente. E, sim, talvez ele não esteja vendo isso. Milei nunca pôs os pés em um bairro de classe trabalhadora e saiu de Buenos Aires para visitar outra província do país por mais de duas horas. E, sim, talvez seja realmente um governo que faça do cinismo e da farsa uma política de Estado como nunca se viu antes.

O sentimento diário na Argentina hoje é que esse experimento está chegando com a força destrutiva do irreversível. Somente a unidade popular e a força da organização comunitária, que sem dúvida está no DNA da memória histórica do povo argentino, poderão lutar contra esse experimento: a revolta na província de Misiones, que já dura mais de três semanas, ou as milhares de panelas que, com autogestão e solidariedade, continuam a alimentar as pessoas que o governo está matando de fome, estão provando isso.

¨      Milei enfrenta onda de renúncias de funcionários do governo

O governo do presidente da Argentina, Javier Milei, já perdeu dezenas funcionários do alto escalão desde a inauguração, em dezembro de 2023. Em um período de 169 dias, até a última 3ª feira (28.mai.2024), 32 funcionários deixaram seus postos, estabelecendo uma média de saída a cada 5,28 dias.

Uma pesquisa divulgada pelo jornal argentino La Nación, na 3ª feira (28.mai), mostra que esse padrão não somente sublinha a instabilidade interna, mas também coloca dúvidas sobre a habilidade de Milei em manter uma equipe eficiente....

Conforme o levantamento feito pelo cientista político Pablo Javier Salinas, a saída mais problemática foi a de Nicolás Posse, na 3ª feira (28.mai). O ex-chefe da Casa Civil teve o período mais curto à frente do cargo desde a Reforma da Constituição de 1994. 

Na imprensa argentina especula-se que desavenças de Posse com o presidente argentino e com Karina Milei, sua irmã e secretária-geral da Presidência, culminaram na renúncia. No comunicado oficial da Presidência não constaram referências ao trabalho de Posse nos meses em que esteve no cargo, nem mensagem de agradecimento, como é habitual ne...

A renúncia de Posse, juntamente com as de outros 31 funcionários, reflete as dificuldades do governo Milei em reter seus membros e os desafios em ocupar posições-chave dentro do gabinete nacional e da administração pública. Até o início de maio, 16% dos cargos no gabinete nacional estavam sem designação e 63% dos cargos na administração pública nacional permaneciam vagos, totalizando 1.258 posições.

Eduardo Roust, da Secretaria de Comunicação, foi o 1º a deixar o governo, 6 dias depois da sua nomeação, em 16 de dezembro de 2023. Sua sucessora, Belén Stettler, também teve uma passagem breve.

A Secretaria do Trabalho testemunhou duas renúncias em 2 meses, com Horacio Pitrau saindo em janeiro e Omar Yasín em março, este último demitido depois de um escândalo relacionado ao aumento de salários de funcionários do Executivo.

O Ministério de Capital Humano, sob comando de Sandra Pettovello, registrou o maior número de baixas, com 10 renúncias, incluindo Mariana Hortal Sueldo e Liliana Acosta de Archimbal, que deixaram seus cargos em abril e maio, respectivamente.

Ainda em maio, renunciaram também os principais assessores do Ministério da Defesa e Justiça, Carlos Becker Fioretti e Diego Guerendianian. A última baixa foi do controlador da Agência Federal de inteligência, Silvestre Sívori, que renunciou junto a Nicolás Posse, são 7 no mês de maio, número se igual as 7 baixas do mês de abril.

¨      Argentina não planeja produzir armas conjuntamente com a Ucrânia, afirma gabinete de Milei

A Argentina não tem planos de trabalhar junto com a Ucrânia para produzir armas, pois atualmente não possui capacidade para isso, disse o porta-voz presidencial argentino Manuel Adorni nesta sexta-feira (31).

Ontem (30), o jornal argentino Perfil relatou, citando o presidente ucraniano Vladimir Zelensky, que a Argentina poderia se tornar um parceiro importante para a Ucrânia na produção de armas e drones. Zelensky teria feito essa observação durante uma coletiva de imprensa com jornalistas latino-americanos em Kiev.

"Isto não vai acontecer. Não temos a capacidade de [produzir conjuntamente] [armas] no momento. Nenhum trabalho conjunto desse tipo está planejado", disse Adorni em coletiva de imprensa na tarde de hoje.

No início desta semana, o presidente argentino Javier Milei teria confirmado que participaria da conferência sobre a Ucrânia, organizada na Suíça, em junho. A conferência está marcada para acontecer nos dias 15 e 16 de junho na Suíça, perto de Lucerna.

A Rússia não foi convidada para o evento. Representantes de cerca de 160 países foram convidados para a reunião.

Maria Zakharova, representante oficial do Ministério das Relações Exteriores, já havia declarado que Moscou não participaria e não pretendia participar de "outra reunião de acordo com a fórmula de Vladimir Zelensky".

Sergei Garmonin, embaixador em Berna, explicou que a Rússia não participaria do evento, porque o objetivo da conferência era apresentar um ultimato a Moscou.

Moscou tem repetidamente indicado que está pronta para negociações, mas Kiev introduziu uma proibição legislativa sobre elas.

 

Fonte: Brasil de Fato/Poder 360/Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: