terça-feira, 4 de junho de 2024

Luiz Nassif: Para entender a financeirização da economia

Para quem quiser entender os malefícios da financeirização, recomendo o livro “Financeirização, crise, estagnação e desigualdade”” especialmente o artigo de abertura de Leda Paulani, que explica, pela teoria econômica, o que denunciamos pela observação empírica.

O jogo é terrível:

1.       A financeirização transforma o dinheiro em produto. O dinheiro deixa de ser meio de troca para se transformar em produto.

2.       Como produto, tudo passa a girar em torno do seu preço: os juros, ou dividendo recebidos.

3.       Há um divórcio total entre o dono do capital e o destino da empresa. Aliás, muitas vezes escrevi sobre a mudança dos capitalismo de família para a era dos CEOs genéricos.

A única medida passa a ser a rentabilidade, o retorno do capital calculado em termos de taxa mensal. A taxa mensal permite comparar investimentos de renda fixa com investimentos em empresas, trazer a valor presente fluxos de caixa etc.

É por isso que o mercadismo atuou fortemente sobre duas taxas referenciais: a taxa Selic, que serve de piso para a renda fixa; e a taxa básica do BNDES, que serve de piso para a renda variável.

Veja dois exemplos:  uma empresa com fluxo de resultados de 100 unidades por mês em 84 meses.

1.       Com uma taxa de 13,75% ao ano, em 84 meses, esse fluxo equivalerá a um valor presente de 5.504,71 unidades.

2.       Se a taxa fosse de 8%, o valor presente saltaria para 6.473,54 unidades.

Portanto, bastou subir a taxa piso para, imediatamente derrubar o valor da empresa em 15%, mesmo que o fluxo de resultados permaneça inalterado.

É por aí que se entende as jogadas do mercado para manter a Selic em níveis elevados. Ela serve de parâmetro não apenas para as aplicações de renda fixa, mas para definir o valor presente de qualquer negócio da economia real.

O mesmo ocorreu com o BNDES.

Uma empresa solicita um financiamento. Volte ao exemplo anterior. Suponha um financiamento de R$ 10 milhões, por um prazo de 84 meses. A uma taxa de 13,75% ao ano, a prestação seria de R$ 178.562,39; a 8% ao ano cairia para R$ 153.847,41, uma queda de 14%.

Como tudo é reduzido a uma taxa de retorno, há a financeirização de todos os produtos da economia, aluguéis, recebíveis e a própria rentabilidade das empresas.

Vem daí essa loucura do imediatismo dos CEOs, de cortar custos loucamente, sem pensar na perpetuidade da empresa, porque o que interessa é o resultado do próximo balanço.

Mais que isso. Esse modelo é mantido pelas chamadas políticas de austeridade – de tratar todos os problemas com arrocho fiscal e juros elevados. Essa política mata completamente a possibilidade de crescimento da economia, isto é, do setor privado. Os investimentos se limitam a adquirir empresas em dificuldades, capitalizá-las e vendê-las mais caras.

Mas, em uma economia estagnada, também essa possibilidade é restrita. Esse modelo corta as possibilidades de aposta no setor privado.

A alternativa única passa a ser buscar essa rentabilidade diretamente na dívida pública, apostando nos títulos do Tesouro. Vem daí esse terrorismo fiscal, que assume diversas formas.

Quando, por exemplo, o editorial diz que “gastança de Lula dá mais ganhos a rentistas”, ele não está preocupado com o “mais ganhos para rentista”, mas em justificar o arrocho fiscal. Tem-se um país com orçamentos defasados em universidades, muitas áreas críticas com desfalque de pessoal, sem concurso há mais de uma década. E onde está o sinal de gastança? Segundo o editorial, na escalada da dívida pública, que é função direta da alta taxa Selic.

Essa forma imediatista de pensar espraiou-se por todos os poros, transformando o Brasil em uma nação de terraplanistas-financistas. É só conferir a comemoração da imprensa com o fim das saídas de presos, as críticas ao papel do Supremo Tribunal Federal, a transformação de Tarcísio de Freitas em governante eficiente, apenas porque anunciou privatizações e cortes de despesas – sem sequer a mídia analisar que despesas seriam cortadas.

Por que a festa com a queda do veto presidencial na questão das saídas de presos? Os estudiosos da questão atestam que as saídas – devidamente regulamentadas, de presos sem periculosidade e com bom comportamento, a maioria dos quais já cumpre pena no semi-aberto – é boa para a ressociabilização dos presos e para reduzir as tensões nos presídios. Os terraplanistas dizem que bandido bom é bandido morto. E a mídia? Sua única métrica é Lula. Se a decisão do Congresso significa derrota de Lula, viva o terraplanismo penal. Porque um Lula enfraquecido é mais vulnetável às pressões do mercado.

É por aí que se entende saudar o desmonte da máquina pública, a desvinculação das receitas de educação e saúde, o pouco caso com a situação das universidades e institutos de pesquisa. Tudo porque a extraordinária influência mercado-mídia condicionou o país inteiro, uma matilha de ratos de Pavlov devorando a própria perna.

Amanhã tentarei explorar a maneira de começar a romper com essa loucura dos planos de austeridade, que estão condenando o mundo à estagnação.

•        Prossegue a marcha inexorável rumo a uma economia commoditizada

 

São tantos passos dados para trás que, ainda acho que haverá uma Proclamação da Monarquia, para marcar a Nova Velha República herdada do período de redemocratização.

Hoje em dia, a indústria brasileira resiste apenas nas confecções, em setores de menos intensidade de capital e de tecnologia. Segundo a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) são 24.600 empresas têxteis formais e 18 milhões de empregos.

A decisão da Câmara, de taxar em apenas 20% produtos importados de até 50 dólares é a pá de cal em qualquer veleidade de industrialização. Segundo cálculo do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, o tíquete médio de produtos vendidos no comércio nacional é inferior aos R$ 258 reais que serão taxados em 20%.

Somando aos 17% de ICMS pagos pelos sites estrangeiros, chega-se a uma tributação total de 44,58% para o produto importado, contra um pacote de impostos que pode chegar a 90% para as empresas brasileiras.

Além dessa falta de isonomia, o texto aprovado reduziu as alíquotas das plataformas para compras acima de US$ 50,00. Segundo os cálculos da CIESP, para compras de US$ 100,00, ou R$ 517,00, a taxação total (incluindo o ICMS) cai dos atuais 92,77% para 68,68%.

Em agosto de 2023, segundo o CIESP, houve o primeiro ataque ao comércio e indústria varejista, com a Portaria 612 do Ministério da Fazenda, com o benefício concedido às plataformas que aderissem ao programa Remessa Conforme da Receita Federal, que visava combater o contrabando.

Ao contrário do produto nacional, os importados não precisam passar pela análise e aprovação do Inmetro, Anvisa e Ministério da Agricultura e Pecuária.

O Programa Remessa Conforme, bolado pela Receita Federal em conjunto com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), foi lançado em 1º de agosto de 2023.

Permite isenção de imposto de importação para compras até US$ 50,00, incluindo o valor do frete. Além disso, recebem tratamento aduaneiro diferenciado. Em suma, já conferia uma vantagem ampla às plataformas sobre o comércio e a indústria tradicionais.

Há uma falta total de visão sistêmica sobre a economia.

Existe um problema: o quase contrabando das plataformas para produtos de baixo valor e a dificuldade de fiscalização.

Encontra-se a solução acima e libera-se o pagamento de impostos. Pronto! Se não há impostos a cobrar, não se pensa em sonegação mais. E não há ninguém para pensar nos impactos sobre a indústria e o comércio nacionais.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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