Parceria
entre MAB e Fiocruz vai estruturar coletivos de saúde em todo o país
Após
a realização conjunta de um amplo levantamento das condições de saúde das
populações atingidas por barragens no Brasil, em 2024, Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB) e Fiocruz celebram uma nova parceria com o intuito de
estruturar nacionalmente coletivos de saúde em oito estados impactados por
barragens e mudanças climáticas.
Uma
das cientistas à frente do projeto que une as organizações é a pesquisadora da
Fiocruz Mariana Olívia, que também é professora visitante da UFRN. Segundo ela,
as construções de barragens no Brasil já atingiram mais de 1,5 milhões de
pessoas e seguem causando perdas e danos em vários grupos sociais,
especialmente quando acontecem os casos de rompimento, mas não só nessas
situações. “A partir das barragens, há uma modificação violenta das dinâmicas
estruturantes dos territórios que se soma ao acirramento das desigualdades
sociais preexistentes, assim, resultam em uma gama diversa de problemáticas à
saúde”, declara.
Por
isso, o projeto atual tem o objetivo de viabilizar a formação dos coletivos
para promover o diálogo entre saberes populares e científicos em territórios
atingidos e formar lideranças sociais que possam atuar localmente para coibir
violações do direito à saúde. Esses coletivos também vão criar uma articulação
com o Estado para o desenvolvimento de novas políticas de saúde específicas
para a realidade de suas comunidades, tanto no caso de territórios que já
sofrem com as consequências de desastres e mudanças na paisagem, como de
populações que são ameaçadas por novos empreendimentos.
Quase
cinco anos depois do rompimento de barragem de Brumadinho (MG) e oito anos
depois do rompimento da barragem de Mariana (MG), por exemplo, os atingidos
permanecem sofrendo com os impactos na saúde, física e mental, provocados pelos
resíduos de minério e pela impunidade. Os efeitos vão de dermatites, diabetes e
diarreias à hipertensão, ansiedade e depressão. Os danos causados por esses
empreendimentos na saúde da população, porém, são históricos e envolvem outras
situações além dos rompimentos.
Por
isso, o primeiro projeto realizado através da parceria entre MAB e Fiocruz
focou na sistematização de dados sobre os diferentes e complexos aspectos
relacionados ao processo de anúncio, instalação, operação e/ou desastre com
barragens. A ideia era suprir a falta de dados oficiais sobre os efeitos, na
saúde humana, da contaminação de água, solo, ar e alimento por rejeitos de
minério ou pela operação de empresas com barragens de forma geral. A pesquisa
se baseou em um levantamento de estudos e documentos publicados entre 1940 e
2022, além de oficinas de discussão e entrevistas com atingidos de diferentes
regiões do país.
·
O direito à saúde na
PNAB
Moisés
Borges, integrante da coordenação o MAB, explica que o foco agora é concluir
uma análise sobre as políticas de saúde atuais e sua interface com os
atingidos/as, para sugerir possíveis melhorias nos programas existentes ou até
mesmo a criação de novos protocolos. Além disso, as organizações estão
preparando um ciclo de encontros com oficinas estaduais para a formação e
capacitação de um total de 400 atingidos nos estados da Bahia, Espírito Santo,
Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo”.
“O
foco é a ampliar a atuação dos coletivos de saúde do Movimento e impulsionar a
criação de um protocolo (ou linha de cuidado) de registro e atendimento de
saúde pública para as populações atingidas no Brasil, levando em consideração
as especificidades dos impactos das barragens”, complementa Mariana.
De
forma geral, o Coletivo de Saúde do MAB – que será expandido para os estados –
tem três grandes objetivos: autocuidado dos integrantes do Movimento, luta e
articulação política para garantia do direito dos atingidos à saúde plena e,
por fim, a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) nacionalmente.
De
acordo com Moisés, a parceria com a Fiocruz nessa para o fortalecimento desse
coletivo representa um importante avanço também na implementação da Política
Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – PNAB, que foi
sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2023.
O
art 2º da PNAB, por exemplo, trata do acesso das populações atingidas à água
potável e das mudanças de hábitos e alterações psicológicas negativas causadas
pelas barragens. No art 5º, a lei estabelece a necessidade de criação de
programas específicos para amenizar “os impactos na área de saúde, saneamento
ambiental, habitação e educação dos municípios que receberão os trabalhadores
da obra ou os afetados por eventual vazamento ou rompimento da barragem”, diz o
texto.
O
Coletivo vai permitir ao MAB promover debates e ações importantes para tirar a
lei do papel. “Queremos capacitar as lideranças atingidas a partir do conceito
da ‘Determinação Social da Saúde’ e atuar para a implementação da Vigilância
Popular em Saúde. Acreditamos que os atingidos precisam ser protagonistas na
luta pela defesa da vida”, destaca Moisés.
Neste
sentido, Mariana defende que, a partir da lei, o Estado precisa retomar o
controle da atuação de empreendimentos que têm violado sistematicamente o
direito das comunidades onde atuam. “Na região norte do país, ao longo do
tempo, tem sido comum o enfraquecimento progressivo de políticas e equipamentos
públicos nos locais onde existe a iminência da instalação de barragem. A
proteção social é ínfima e tem exposto diferentes grupos sociais, especialmente
as mulheres e as pessoas idosas. E o pior: a reparação dos danos têm se
restringido às compensações financeiras, ainda que as perdas sejam
incalculáveis”.
Para
que as populações tenham seu direito preservado e conquistem reparações justas,
em primeiro lugar, o Estado precisa tomar para si a responsabilidade de
reconhecer quem são todos os atingidos por empresas detentoras de barragens. “O
reconhecimento das pessoas atingidas tornou-se um campo político de disputa,
tendo em vista que as empresas limitam-se ao reconhecimento de proprietários de
terras nas áreas de interesse das obras, invisibilizando comunidades inteiras”,
explica Mariana. Nesse contexto, a PNAB traz um importante avanço, ao listar as
mais diversas formas de impacto causadas pelas barragens que vai além da perda
de terras produtivas ou de moradia.
·
O diagnóstico sobre os
impactos das barragens à saúde humana
O
estudo realizado através da primeira parceria técnica entre MAB e Fiocruz
resultou em uma publicação que consolida informações relevantes sobre o tema, o
resumo executivo “A luta dos atingidos por barragens e a saúde em movimento”.
Segundo
Mariana, de forma geral, as principais conclusões da pesquisa
mostram que as formas de viver em uma comunidade, suas
especificidades sociais, ambientais e políticas, assim como a organização
social construída em um período histórico, influenciam nos modos de adoecer da
coletividade. “Os processos de vulnerabilização se iniciam no
anúncio da construção, mas seguem presentes em diferentes fases do
empreendimento: construção, funcionamento, desativação e possível rompimento.
As comunidades têm sido atingidas por desterritorialização, doenças físicas e
de ordem mental e têm seu direito à informação e comunicação violados. Há
também a interrupção dos meios de subsistência, modos de vida e laços
comunitários”, explica.
A
semelhança entre as barragens no Brasil, além da produção de danos, tem sido o
favorecimento de empresas, bancos nacionais e internacionais, fundos de pensão,
entre outros, proprietários das barragens, que têm acessado as estruturas do
Estado para a garantia de seus interesses financeiros. Além disso, a política
de preços desta matriz energética acompanha parâmetros internacionais. “Ainda
que seja de tecnologia renovável e represente a produção mais barata, paga-se
uma das tarifas mais caras do mundo para garantir os lucros para essas
empresas”, reforça a pesquisadora da Fiocruz.
No
que se refere à saúde das mulheres, o estudo destaca que as elas foram alvo de
várias pesquisas e consideradas as principais vítimas das construções de
barragens. “Nos territórios atingidos por barragens é significativo o aumento
nos casos de assédio sexual e violência de gênero, doenças sexualmente
transmissíveis, casos de prostituição infantil e gravidez na adolescência”,
afirma um trecho do estudo.
Além
disso, o início das obras, com a chegada de trabalhadores, demarcam um inchaço
da população, sobrecarga dos serviços públicos, aumento da violência, infecções
sexualmente transmissíveis e prostituição.
“A
política energética do Brasil inicia um processo saúde-doença que suscita
atenção aos contextos histórico-sociais vivenciados de maneira coletiva,
considerando as condições socioambientais, de trabalho e reprodução da vida. É
indispensável compreender como as políticas neoliberais, incentivadoras do
neoextrativismo, operam sobre a apropriação da natureza (recursos hídricos),
bem como sobre o tecido social dos territórios, para o alcance de uma reparação
justa e integral”, conclui Mariana.
Fonte:
MAB
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