quinta-feira, 20 de junho de 2024

Os fatores que levaram os EUA ao topo do ranking de melhores países para o turismo

Os últimos quatro anos foram turbulentos para a indústria do turismo. Felizmente, em 2024, a movimentação de turistas internacionais deve finalmente retornar aos níveis pré-pandemia.

Mas o setor permanece em uma posição delicada. Afinal, a inflação que disparou mundo afora, as mudanças climáticas e as tensões geopolíticas ameaçam a continuidade do crescimento do turismo global.

Alguns países e governos vêm trabalhando melhor do que outros para minimizar os riscos e aproveitar seu potencial de viagens e turismo, segundo o Índice do Desenvolvimento de Viagens e Turismo 2024, publicado em maio pelo Fórum Econômico Mundial.

O índice avalia os países de todo o mundo com base em fatores como segurança, priorização do turismo, infraestrutura de viagens aéreas e terrestres, sustentabilidade e recursos naturais e culturais.

O ranking deste ano tem o Japão (vencedor do ano passado), Espanha, França e Austrália entre os cinco primeiros colocados. O Brasil ocupa a 26ª posição, à frente dos nossos vizinhos sul-americanos.

Mas a lista tem um novo país em primeiro lugar. Os Estados Unidos superaram seus concorrentes globais, com avaliações positivas do seu ambiente comercial, infraestrutura de transporte aéreo e recursos naturais.

As altas avaliações são um reflexo da forte infraestrutura do país, facilidade de transporte entre as cidades, diversidade dos seus destinos naturais e culturais e dos recursos de apoio ao turista, como guias nas cidades, parques e outras atrações.

"Embora existam motivos óbvios para este reconhecimento, como a diversidade dos seus cenários, sua beleza natural e a riqueza cultural, os Estados Unidos também ostentam uma estrutura bem desenvolvida de apoio ao setor de viagens e turismo", afirma a instrutora adjunta Anna Abelson, do Centro de Hotelaria SPS Tisch, da Universidade de Nova York.

Esta infraestrutura atrai um enorme poder de compra. A previsão bianual de viagens nos Estados Unidos, da Associação Americana de Viagens (USTA, na sigla inglês), indica que, antes da pandemia, os visitantes internacionais gastaram US$ 180 bilhões (cerca de R$ 974 bilhões) nos Estados Unidos em 2019, gerando uma receita de cerca de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10,8 trilhões).

Em termos de comparação, o país mais visitado do mundo — a França — recebeu 90 milhões de visitantes em 2019, mais do que os 79,4 milhões que viajaram para os Estados Unidos. E, naquele ano, a receita dos franceses com o turismo internacional atingiu cerca de US$ 61 bilhões (cerca de R$ 330 bilhões).

É claro que a receita do turismo nos Estados Unidos despencou durante a pandemia, mas a USTA afirma que o número de visitantes deve se recuperar até 2025.

Em comparação com outros países, o governo federal americano fornece amplo apoio para o setor de viagens e turismo, especialmente mantendo e regulamentando a forte infraestrutura de aeroportos e companhias aéreas.

Mas os especialistas defendem que grande parte do sucesso do país no setor turístico pode ser justificado pela diversidade das suas cidades, pequenas e grandes, e pelo tempo e investimento financeiro dedicado para elaborar planos de turismo sustentáveis e de longo prazo.

·        Ampla oferta

Com maior orçamento e quadro de funcionários, as maiores cidades dos Estados Unidos vêm concentrando seus esforços para permanecer na lembrança dos turistas internacionais. E suas enormes apostas estão atingindo seus objetivos.

"Por décadas, as principais cidades dos Estados Unidos, como Las Vegas e Nova York, assumiram uma posição proativa e agressiva na promoção dos seus destinos, com forte promoção de suas marcas, para que os consumidores se identifiquem com elas de forma duradoura", afirma a fundadora da TK Public Relations, Taryn Scher.

Os megaeventos globais dos Estados Unidos — como o festival Coachella, o Super Bowl e o Mardi Gras — também atraem visitantes de todo o mundo, segundo Scher.

E não podemos esquecer o imenso sistema de parques nacionais dos Estados Unidos, com seus 63 parques e cerca de 22 milhões de hectares (quase o tamanho de todo o Reino Unido), que atrai visitantes de todo o mundo.

"Os Estados Unidos são privilegiados pela sua maior variedade de cenários e por terem mais cidades interessantes do que qualquer país do planeta, como montanhas, desertos, trópicos e pântanos", afirma Tim Leffel, autor do livro e portal The World's Cheapest Destinations. "Nova Orleans, Nova York, Santa Fé, Alasca e Flórida são mais diferentes do que a maioria dos países."

·        Pensar globalmente, agir localmente

"Um dos principais fatores para o sucesso da indústria do turismo nos Estados Unidos são os esforços de colaboração entre as organizações turísticas locais, regionais e estaduais", afirma a presidente e CEO (diretora-executiva) da organização Visit Conejo Valley, Danielle Borja.

Borja destaca, por exemplo, que a organização Visit California lançou recentemente a campanha "O Playground Definitivo", para divulgar as atividades ao ar livre, culturais e de bem-estar espalhadas pelo Estado.

Mas a organização também ofereceu a oportunidade para que parceiros do setor, como a Visit Conejo Valley, destacassem atividades divertidas. Um exemplo é uma nova exposição sobre Star Wars, no Museu e Biblioteca Presidencial Ronald Reagan.

As entidades de promoção do turismo também se associam frequentemente a empresas privadas, como restaurantes e atrações turísticas particulares. Este é outro aspecto positivo da indústria norte-americana do turismo.

O Conselho Mundial de Viagens e Turismo indica que conflitos entre o papel "executor" do governo e empresas privadas podem prejudicar a colaboração e desalinhar as prioridades, mas este problema é menos pronunciado nos Estados Unidos.

Scher também destaca como a expansão das cidades americanas que, tradicionalmente, recebem menos turistas internacionais fez crescer o número de visitantes.

"Mais recentemente, lugares como Tampa [Flórida], Savannah [Geórgia], Cincinnati [Ohio], Indianápolis [Indiana] e Louisville [Kentucky] encontraram uma forma de levar sua mensagem para criar consciência de marca e fazem isso de forma agressiva, mas estratégica", afirma ela.

Veterana no setor, onde atua há 20 anos, Scher acredita que os Estados Unidos vêm conseguindo manter o forte crescimento do seu turismo porque os escritórios de cada Estado e de cada cidade priorizam o trabalho de marketing.

"Observamos um enorme aumento do interesse por esses destinos menores e menos conhecidos", ela conta. "Eles ficaram populares durante a pandemia, quando as pessoas procuravam lugares com menos pessoas para visitar. E, agora, os destinos inteligentes que viram esse aumento percebem que realmente existe dinheiro no turismo."

Os investimentos nem sempre acontecem da noite para o dia, mas lugares como Charleston (Carolina do Sul) e o vale do Napa (Califórnia) se beneficiaram de uma estratégia de longo prazo e testemunharam como ela pode beneficiar toda a economia de uma cidade.

"Mais visitantes significam mais dinheiro nos restaurantes locais, lojas e hotéis", destaca Scher. "Cada dólar gasto localmente pelos visitantes se multiplica e permanece na comunidade, o que gera enorme impacto econômico direto. Os booms do turismo geram mais empregos e oportunidades nas comunidades."

·        Dados orientadores

Leffel afirma que parte do sucesso do setor de turismo nos Estados Unidos decorre simplesmente da boa e antiga ética profissional, eficiência organizacional e confiabilidade das comunicações.

"Os órgãos de turismo dos Estados Unidos respondem aos jornalistas, acompanham campanhas de marketing, participam de conferências para melhorar seu trabalho e encontram pessoas para colaborar", explica ele.

"Eles observam o retorno do investimento e o que está funcionando, para poderem melhorar suas campanhas no ano seguinte. Eles comparam e observam o que os outros estão fazendo com sucesso. Eles analisam regularmente além das suas fronteiras e não se satisfazem com o marketing destinado a uma base de turistas domésticos cativos."

Leffel indica o crescimento da conferência anual IPW, uma das maiores feiras comerciais de viagens. Ela é responsável por bilhões de dólares futuros na venda de produtos turísticos norte-americanos, como acomodações, destinos e atrações, para compradores como as operadoras de turismo internacionais.

Segundo Abelson, os escritórios de turismo dos Estados Unidos e as organizações de gestão dos destinos também costumam ter centros de informação confiáveis, apoiados por forte presença digital.

"O treinamento e a formação para os profissionais do turismo vêm evoluindo em resposta às necessidades e tendências do setor", afirma ela.

A pandemia acelerou tendências como a adoção da tecnologia de viagens (como robôs para fazer o serviço de quarto). Além disso, as novas tecnologias, como a inteligência artificial, devem mudar a forma como os turistas pesquisam e reservam suas viagens.

Os Estados Unidos costumam ter a vantagem de assumir riscos e adotar rapidamente a tecnologia em comparação com outros países.

O apoio ao setor turístico também impulsionou o treinamento, realizado especialmente por organizações como a Brand USA e a Associação Norte-Americana de Viagens (USTA, na sigla em inglês). Elas trabalham para promover os Estados Unidos como importante destino de viagem e divulgar as políticas de vistos e entrada no país.

Os Estados Unidos nunca foram conhecidos pela sua sutileza, nem por ações em pequena escala. E, quando o assunto são suas atrações turísticas, esta fórmula é sua força.

"Quando os Estados Unidos adotam uma tendência, o país não para até que ela esteja saturada", destaca Leffel. "Veja o vinho, a cerveja artesanal e o café, ou os museus, concertos e atividades para as crianças nas cidades."

"Nós só paramos quando ultrapassamos a todos em qualidade ou variedade."

<><> Os 10 principais países para o turismo mundial

1. Estados Unidos

2. Espanha

3. Japão

4. França

5. Austrália

6. Alemanha

7. Reino Unido

8. China

9. Itália

10. Suíça

O Brasil ocupa o 26º lugar.

 

¨      4 fatores que impedem que Brasil vire potência no turismo apesar do potencial

Alguns dos elementos mais associados ao Brasil — belezas naturais, grande diversidade cultural, calendário rico em festas nacionais e regionais — valem ouro em qualquer roteiro de viagem. Mas o grande potencial do país não se traduz em números de destaque no mercado mundial de turismo. Um estudo analisou fatores que emperram o desenvolvimento nacional da área.

Veja abaixo alguns fatores que prejudicam que o turismo brasileiro decole:

1) Imagem ruim no exterior

Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino, afirma Panosso Netto.

Seu estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric Fergusson que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. O Brasil é listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.

A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação sexual para alguns turistas estrangeiros.

O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional vê o destino Brasil. Se é um destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino inseguro".

Ele diz que países com problemas relacionados à corrupção como México e Turquia, mas com grande número de visitantes, conseguem contornar a questão pela proximidade a grandes mercados consumidores internacionais e a criação de ilhas de excelência turística.

2) Falta de continuidade em políticas e planejamento

"Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um processo de planejamento contínuo", diz o estudo.

Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um planejamento de longo prazo.

Panosso Netto cita Bonito, em Mato Grosso do Sul, como um exemplo de um destino que vivenciou processo de melhora e desenvolvimento através dos anos.

"Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores do Brasil. Bonito, em Mato Grosso do Sul, com sua diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo disso. Mas essa qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de trabalho."

Mas problemas com a conservação ambiental derivados do desmatamento vem impactando o ecoturismo da região. A abertura de áreas para agricultura impacta na cor das suas águas, um dos grandes trunfos de Bonito. Cerca de 70% da população local depende do turismo.

Políticas de turismo também incluem a identificação de oportunidades em diferentes mercados, como o latino-americano.

"É preciso se preparar para receber o turista argentino, uruguaio, chileno, peruano, boliviano, paraguaio etc. Não podemos estar dar as costas à América Latina."

3) Qualidade dos serviços varia muito

A falta de maior profissionalização na parte de serviços é algo constantemente apontado como problemático. "Esse é um dos itens mais criticados pelos profissionais do setor", afirma Panosso Netto.

O pesquisador acha que seria também uma forma de desenvolver a própria área de empreendedorismo no país.

"O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de primeira viagem. Temos que transformar isso em um ponto positivo a nosso favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de Políticas Públicas do Turismo Nacional."

Educação sobre como funcionam o mercado e o atendimento a turistas domésticos e internacionais, além do aprendizado efetivo de idiomas, seriam formas de capacitação.

Mas há um outro problema estrutural, segundo o professor da USP: "A dificuldade em acessar o crédito para o investimento em empreendimentos turísticos pequenos também é imensa".

4) Transporte aéreo e deslocamento

Segundo a pesquisa, embora o ambiente entre 2000 e 2019 no mercado aéreo "tenha melhorado a oferta e a competição nas rotas principais, especialmente aquelas conectando as capitais dos Estados e grandes centros urbanos, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos, insatisfatório".

Para Panosso Netto, "o transporte aéreo está deveras caro pelo preço do querosene e a política de impostos dos combustíveis e taxas aeroportuárias. Além disso, as viagens rodoviárias são prejudicadas pelas condições das rodovias; e se as rodovias são boas, os pedágios são caros".

O tamanho continental do Brasil, que de uma forma pode ser uma vantagem pela variedade de ofertas, acaba gerando um problema pelo deslocamento.

"Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros regionais com produtos e serviços de alta qualidade", diz o professor da USP.

O estudo defende "alinhar o ambiente regulatório, jurídico e tributário que rege a aviação brasileira, ao ambiente internacional. A evolução que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos consumidores, e o que se pode ofertar no exterior".

 

Fonte: Índice do Desenvolvimento de Viagens e Turismo 2024, do Fórum Econômico Mundial/BBC News Brasil

 

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