MSF:
resolução da ONU falha em cessar conflitos em El Fasher, no Sudão, e civis
seguem encurralados
Mais
de 10 dias desde que o Conselho de Segurança da ONU pediu o fim dos confrontos
em El Fasher, Médicos Sem Fronteiras (MSF) – uma das poucas organizações
humanitárias internacionais ainda presentes na cidade – alerta que os hospitais
continuam sendo atacados e que nenhuma ajuda humanitária externa pode chegar à
região devido à intensidade da violência.
Na
noite de sexta-feira, 21 de junho, um bombardeio das Forças de Apoio Rápido
atingiu a farmácia do Hospital Saudita, apoiado por MSF, em El Fasher. Uma
farmacêutica foi morta enquanto estava em seu turno de trabalho. Embora o
hospital permaneça aberto e ainda esteja tratando pacientes, a instalação foi
danificada e está funcionando apenas parcialmente.
Estamos
vendo um ciclo de ofensivas e contra-ataques em que os hospitais não estão
sendo poupados e as partes em conflito estão falhando em suas responsabilidades
de proteger os civis”, afirma Michel-Olivier Lacharité, coordenador de
emergência de MSF.
Mais
suprimentos são urgentemente necessários para continuar o tratamento de pessoas
feridas. Há temores de um novo ataque, por conta dos contínuos confrontos nas
proximidades. Na sexta-feira, 21 de junho, uma pessoa foi morta a apenas 200
metros do hospital, outra pessoa foi morta perto da acomodação onde fica a
equipe de MSF. O número total de feridos na sexta-feira não é conhecido.
“Em
El Fasher, estamos vendo um ciclo de ofensivas e contra-ataques em que os
hospitais não estão sendo poupados e as partes em conflito estão falhando em
suas responsabilidades de proteger os civis”, diz o coordenador de emergência
de MSF. “Desde o início dos confrontos, há seis semanas, mais de 260 pessoas
foram mortas e mais de 1.630 ficaram feridas – incluindo mulheres e crianças.”
“Não
sabemos se os hospitais estão sendo deliberadamente visados, mas sua proteção é
um imperativo que deve ser respeitado. Os civis estão encurralados e não podem
sair. Suas vidas precisam ser protegidas, e as pessoas devem poder receber
tratamento”, defende Lacharité. Instamos as partes em conflito a permitir o
acesso seguro para que possamos continuar a fornecer assistência vital às
pessoas em El Fasher e no acampamento de Zamzam, onde ainda há uma crise
catastrófica de desnutrição”, completa.
Esta
é a segunda vez que o Hospital Saudita é impactado desde o início dos conflitos
e a oitava vez que um hospital é atingido na cidade nas últimas seis semanas.
Há duas semanas, o Ministério da Saúde foi forçado a fechar o Hospital do Sul
após a instalação ter sido atacada pela quinta vez. Antes disso, o hospital
pediátrico foi forçado a fechar devido a danos causados por um ataque aéreo das
Forças Armadas Sudanesas.
Como
resultado desses incidentes, o Hospital Saudita – que antes era uma maternidade
especializada – tornou-se o único centro de saúde da cidade com capacidade
cirúrgica e para tratar pessoas feridas. Agora, a viabilidade de manter o
hospital de portas abertas também está em risco.
“Precisamos
urgentemente levar mais suprimentos e profissionais para poder responder a esta
crise, mas os confrontos estão nos impedindo de entrar na região”, alerta
Lacharité. “Além de proteger civis e hospitais, instamos as partes em conflito
a permitir o acesso seguro para que possamos continuar a fornecer assistência
vital às pessoas em El Fasher e no acampamento de Zamzam, onde ainda há uma
crise catastrófica de desnutrição e para onde um número desconhecido de pessoas
fugiu desde o início dos conflitos.”
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No Sudão, os “civis
estão na linha de fogo. Nenhum lugar é seguro para eles”
Combates
que se dividem em linhas étnicas na área sudanesa de El Fasher e arredores
levantam “profunda preocupação” das Nações Unidas. O potencial é que esta
realidade possa causar mais sofrimento aos civis.
Nesta
terça-feira, o Conselho de Segurança discutiu a situação do país africano que
registrou 18 milhões de desalojados pelo conflito iniciado em 15 de abril de
2023.
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Risco de perder a vida devido à fome
Uma
avaliação realizada em território sudanês identificou mais de 18 milhões de
vítimas de desnutrição aguda. Destas, cerca de 5 milhões de pessoas estão em
risco de perder a vida devido à fome.
A
capital de El Fasher, Darfur, registra bombardeios aéreos e lançamentos em
áreas densamente povoadas. Uma contagem feita em dois meses até meados de junho
revelou que pelo menos 192 civis perdem a vida nesses atos.
Estima-se
que várias dezenas de civis, incluindo mulheres e crianças, foram mortos nos
últimos dias. A secretária-geral assistente para a África, Martha Pobee disse
que os “civis estão na linha de fogo. Nenhum lugar é seguro para eles.”
A
representante afirmou que ocorrem graves violações do direito internacional
humanitário e dos direitos humanos. Os atos incluem execuções sumárias de
civis, a prisão e detenção incomunicável de centenas de indivíduos em condições
precárias, bem como a violência sexual generalizada relacionada ao conflito.
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Forças de Apoio Rápido
De
acordo com as Nações Unidas, grande parte dos crimes é cometida por Forças de
Apoio Rápido, RSF, que confrontam o Exército desde o ano passado.
Para
ela, a comunidade internacional carece urgentemente de ações significativas
para garantir a responsabilização por essas violações e as “vítimas merecem
justiça”.
Mais
de 1,8 milhões de sudaneses fugiram para países vizinhos
Ela
lamentou que os esforços da mediação ainda não garantam um cessar-fogo nem um
diálogo direto sustentado entre as partes às quais pediu mais diálogo e que
deixem “jogos destrutivos de culpa e busquem todas as oportunidades pela paz.”
Com
1,5 milhão de habitantes, Darfur abriga aproximadamente 800 mil deslocados
internos. Combates pesados na cidade levam a “baixas civis significativas,
danificaram casas e causaram deslocamento em massa.”
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Operações de prevenção à fome
Os
mais de 1,8 milhões fugindo para países vizinhos destacam “a longa e perigosa
jornada de Cartum até o Egito, Quênia ou Uganda”. Muitas vezes, eles atravessam
vários países tentando escapar do conflito.
A
maioria dos desalojados saiu sem nada e viajou por várias semanas em busca de
segurança, revelou a representante. O plano humanitário de US$ 2,2 bilhões
somente obteve 17% dos fundos para este ano.
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Por que o mundo ignora
a guerra civil no Sudão? Por Cathrin Schaer
A
lista de atrocidades ocorridas na guerra civil do Sudão é extensa e aumenta cada vez mais.
Uma
maternidade bombardeada cujo teto desabou sobre bebês que lá estavam. Ataques a
campos de refugiados, execuções em massa, ruas cheias de cadáveres, bloqueios à
ajuda humanitária, abusos sexuais sistemáticos e outros crimes de guerra. Desde
o início da nova guerra civil no país no nordeste africano, há cerca de um ano,
estima-se que 16.000 pessoas tenham morrido.
A
guerra no Sudão gerou uma das crises de deslocamento
de pessoas mais graves em todo o mundo,
com pouco menos de 10 milhões sendo forçadas a deixarem seus locais de moradia
em busca de segurança.
Na
semana passada, a Organização Internacional para a Migração das Nações Unidas
(OIM) relatou que, entre os milhões de sudaneses que tiveram de se deslocar,
70% tentam sobreviver em lugares onde há risco de fome.
Apesar
dos apelos recentes do Conselho de Segurança da ONU por um cessar-fogo
temporário, todas a entidades de ajuda que acompanham a crise no país dizem que
a situação não apresenta sinais de melhora.
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Como a guerra começou
Desde
de abril de 2023, dois grupos militares travam uma disputa pelo poder no
Sudão: as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e as Forças de Apoio Rápido (FAR). O
conflito teve início após uma série de desavenças entre os dois grupos sobre o
compartilhamento do poder, que se seguiram ao golpe militar do final de 2021.
As
FAS, lideradas pelo general Abdel Fattah Burhanl operam como um Exército
regular e possuem em torno de 200.000 soldados. As FAR, que possuem entre
70.000 e 100.000 membros sob a liderança do general Mohammed Hamdan Dagalo,
conhecido como Hemedti, atua de maneira semelhante a uma guerrilha.
Recentemente,
as FAR conquistaram alguns territórios na região de Darfur, no oeste do país.
Em abril, o grupo tomou o controle da cidade de Mellit, considerada como de
importância estratégica, e impôs um cerco à metrópole de El Fasher, para onde
estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas tenham fugido em busca de abrigo.
"Eles
[os combatentes] não são patriotas", disse na semana passada Adam Rojal,
porta-voz dos refugiados e desabrigados em Darfur, à emissora Voz da América.
"Eles lutam somente em seus interesses próprios. O único derrotado é a
sociedade sudanesa. As pessoas perderam tudo", afirmou. "Palavras não
são capazes de descrever o quão séria é essa crise."
·
"Silêncio imperdoável"
Apesar
da intensificação do nível de violência e das privações, muitas organizações de
ajuda e de direitos humanos acusam o resto do mundo de ignorar o conflito.
Em
abril, quando completou-se um ano no início do conflito, uma conferência
internacional de doadores arrecadou 2,1 bilhões de dólares (R$ 12 bilhões) em
ajuda humanitária para o Sudão.
Contudo,
no final de maio, a ONU relatou ter recebido apenas 16% dos 2,7 bilhões de
dólares necessários.
"Não
se pode evitar, ao vermos o nível de atenção a crises como Gaza e Ucrânia,
imaginar o que apenas 5% dessa energia poderia atingir em um contexto como o do
Sudão, e quantos milhares, dezenas de milhares de vidas poderiam ter sido
salvas", afirmou Allan Boswell, especialista da International Crisis Group
à revista Foreign Policy no final de maio.
Em
março, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, fez o
mesmo questionamento em um artigo publicado no The New York Times intitulado
"O silêncio imperdoável sobre o Sudão".
A
guerra civil, segundo afirmou, "transformou o Sudão num inferno
vivo". "Mas, mesmo após os grupos de ajuda qualificarem a crise
humanitária com estando entre as mais graves do mundo, pouca atenção ou ajuda
foi enviada ao povo sudanês."
·
Motivos da falta de atenção ao Sudão
Em
meados de abril, a subsecretária-geral para comunicações globais da ONU,
Melissa Fleming, explorou essa questão em um artigo de sua autoria.
Para
ela, é possível que um motivo dessa falta de atenção para com o Sudão seja o
chamado "amortecimento psíquico". "O termo se refere ao triste
fato de que as pessoas se sentem mais apáticas em relação à tragédia, enquanto
aumenta o número de vítimas", explicou.
As
outras crises que ocorrem simultaneamente também podem causar um efeito
amortecedor, diz Fleming, o que vale para desde as mudanças climáticas até os
conflitos na Faixa de Gaza e na Ucrânia.
Isso
também pode estar relacionado com a natureza do conflito no Sudão. Estudos
demonstram que as guerras civis anteriores – especialmente aquelas vistas como
questões internas em países distantes – recebem menos atenção do que as crises
onde uma nação ataca a outra.
"Eu
basicamente venho me confrontando com essa questão desde que comecei a
trabalhar com os temas sudaneses, em 1997", afirmou à DW Roman Deckert, um
especialista independente em Sudão, sobre a falta de atenção ao país.
"Assim como para tantas outras coisas na vida, a resposta é uma combinação
de fatores", observou.
Ele
disse que um desses fatores é a complexidade da situação, na qual nenhum dos
lados é obviamente bom ou mau. Outro fator pode ser potencialmente, ou até
subconscientemente, o racismo ou eurocentrismo profundamente enraizado, onde
pessoas de fora podem compreender de maneira incorreta o conflito como algo
"não civilizado" ou "típico".
Deckert,
que trabalha para uma organização voltada para o desenvolvimento de mídia em
Berlim, lembra que quando ele começou a estudar o Sudão, a guerra que ocorria
nos países da antiga Iugoslávia recebia atenção maior do que a crise gerada
pela fome em Darfur.
"Uma
jornalista [alemã] que falava a respeito disso em uma conferência disse que as
paisagens [na Iugoslávia] eram parecidas com as da Europa Central. As pessoas
se parecem com nós; as casas se parecem com as nossas. Assim, no sentimos mais
próximos e as pessoas podem se identificar com mais facilidade", observou.
"Talvez, hoje em dia, isso se compare à Ucrânia."
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Mais atenção pode ajudar
Outro
fator que torna mais difícil a situação no Sudão é o envolvimento de atores
internacionais, alguns dos quais, os países ocidentais consideram como aliados
e parceiros comerciais importantes, explicou Deckert.
A
Arábia Saudita e o Egito são conhecidos apoiadores das FAS, enquanto os
Emirados Árabes Unidos apoiam as FAR. "Esta é uma verdade inconveniente
[para os aliados ocidentais]", analisou.
Mas,
é também por isso que a dedicação de mais atenção ao Sudão pode ajudar, sugeriu
o especialista. Governos sensíveis à opinião pública deveriam ser pressionados
para utilizar sua força diplomática sobre os atores externos que mantém a
guerra em andamento a guerra no Sudão.
O
maior foco no Sudão também pode ajudar as entidades humanitárias que enfrentam
dificuldades para trabalhar no país.
Em
um estudo de 2021, uma equipe de jornalistas investigativos entrevistou
autoridades de alto escalão nos maiores países doadores. Ao mesmo tempo em que
as decisões anuais sobre o financiamento da ajuda que foram feitas antes não
tenham necessariamente sido afetadas, "a maioria dos burocratas acredita
que as coberturas jornalísticas nacionais imediatas podem contribuir para
aumentar o nível de ajuda humanitária de emergência direcionadas a uma
crise", disseram os pesquisadores.
Fonte:
MSF Imprensa/ONU News/Deutsche Welle
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