sexta-feira, 14 de junho de 2024

Hamas e Israel são acusados pela ONU por crimes de guerra em Gaza

Em relatório ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), um painel de especialistas acusa tanto o Hamas quanto Israel de cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade desde 7 de outubro, data do ataque terrorista que marcou o início da atual guerra na Faixa de Gaza.

As conclusões estão em dois documentos paralelos preparados por uma comissão de inquérito criada em 2021 que investigou violações de direitos humanos em Israel e nos Territórios Palestinos.

O primeiro relatório foca nos crimes cometidos por grupos armados palestinos durante o ataque de 7 de outubro a Israel. Já o segundo relatório investigou a responsabilidade israelense nas mortes de civis ocorridas durante a ofensiva de Tel Aviv contra o Hamas em Gaza.

A comissão de inquérito, que não tem poderes sancionatórios, foi presidida por Navi Pillay, ex-chefe de Direitos Humanos na ONU e especialista em África do Sul. Ela é malvista por Israel por ter, no passado, acusado o país de violar direitos humanos. Por esse motivo, Tel Aviv se recusou a colaborar com os especialistas que elaboraram os relatórios.

A missão diplomática israelense em Genebra reagiu ao relatório afirmando que ele faz uma "falsa equivalência entre soldados das FDI [Forças de Defesa de Israel] e terroristas do Hamas" e acusando os especialistas de viés anti-Israel. "A comissão de inquérito provou mais uma vez que suas ações estão todas a serviço de uma agenda política estreitamente dirigida contra Israel", afirmou.

Na terça, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) disse que Israel e grupos armados palestinos podem ter cometido crimes da guerra em uma ação recente que resultou no resgate de quatro reféns israelenses e, segundo o Hamas, deixou centenas de mortos em Gaza.

·        De quais crimes o Hamas é acusado

A comissão acusa o braço militar do Hamas e outros seis grupos armados palestinos de homicídio, tortura, violência sexual e sequestro sistemático de pessoas – crimes, segundo o relatório, cometidos com a ajuda de palestinos em trajes civis. Também afirma ter identificado um padrão de violência sexual no Hamas, e que esses não foram eventos isolados.

"Muitos sequestros foram realizados com violência física, mental e sexual significante, além de tratamento humilhante e degradante, o que em alguns casos incluiu a exposição pública dos sequestrados", consta do documento. "Mulheres, e corpos de mulheres, foram usados como troféus de vitória pelos agressores."

O texto também cita a vilipendiação de cadáveres, inclusive de forma sexualizada, bem como decapitações e desfiguração por uso de fogo.

·        De quais crimes Israel é acusado

Ao analisar a conduta israelense, a comissão concluiu que as Forças Armadas do país usaram uma força desproporcional que culminou no ataque direto a civis, levando a uma taxa de mortes "sem precedentes em conflitos nas últimas décadas".

"O imenso número de baixas civis em Gaza e a ampla destruição de objetos e infraestrutura civil foram o resultado inevitável de uma estratégia adotada para causar o máximo de dano, desconsiderando os princípios da distinção, proporcionalidade e precauções adequadas", afirma a comissão em um comunicado.

Autoridades israelenses foram acusadas de usar a fome como método de guerra, bem como de assassinato ou homicídio intencional e de atacar civis e objetos civis deliberadamente, forçando-os a se deslocarem. Outros crimes de guerra incluem "tortura, violência sexual, tratamento desumano ou cruel, detenção arbitrária e ultrajes à dignidade pessoal".

No caso da violência sexual, a acusação diz respeito aos homens e meninos que foram obrigados por soldados a se despirem, para depois serem fotografados e terem os registros divulgados pelas tropas – algo, segundo o relatório, que visava "humilhá-los".

No caso da fome, o relatório diz que Israel não só deixou de fornecer bens essenciais como comida, água, abrigo e medicamentos aos palestinos como também impediu "o atendimento dessas necessidades por qualquer outra pessoa".

·        À espera de um cessar-fogo

O relatório que acusa o Hamas e Israel foi publicado enquanto as duas partes do conflito se acusam mutuamente de sabotar um cessar-fogo.

Uma proposta anunciada pelo presidente americano Joe Biden foi aprovada nesta segunda-feira no Conselho de Segurança da ONU, mas ainda não saiu do papel.

Segundo o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, o Hamas teria feito diversas exigências que não poderiam ser atendidas. Já o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou no passado que descartaria qualquer proposta de cessar-fogo antes que o Hamas tenha sido neutralizado.

Netanyahu está sob pressão de seus parceiros de coalizão – ultradireitistas que já disseram que abandonariam seu governo se ele aceitar a proposta americana. Sem esse apoio, o premiê provavelmente cairia.

A proposta de Biden propõe a libertação, ao longo de seis semanas de pausa no conflito, de reféns idosos, doentes e mulheres. Em troca, palestinos presos em Israel seriam soltos. Em um segundo momento, haveria um cessar-fogo permanente, com a soltura de todos os reféns. Num terceiro estágio da proposta, Gaza seria reconstruída com ajuda internacional.

 

¨      Israel realizou outro massacre de civis em Gaza. Por Seraj Assi

No sábado, as forças israelenses mataram pelo menos 275 palestinos no campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza, a maioria deles crianças e mulheres, e feriram mais de setecentas pessoas. Imagens compartilhadas por jornalistas palestinos em Gaza mostram centenas de corpos mortos e feridos espalhados pelas ruas, muitos ainda sob os escombros ou espalhados pelos becos de mercados bombardeados. “Eu recolhi meu filho em pedaços”, disse uma mãe em luto.

Trabalhando sob bombardeios incessantes, os socorristas lutaram para resgatar os mortos e feridos em segurança. “Cães estavam comendo os restos das pessoas”, relatou uma testemunha. “Retiramos seis mártires, todos crianças e mulheres despedaçadas, arriscamos nossas vidas para levá-los ao hospital.” O Médicos Sem Fronteiras descreve a cena do hospital sobrecarregado como um “pesadelo” e “caos”. Josep Borrell, representante de alto escalão da União Europeia para negócios estrangeiros e política de segurança, chamou o ataque a Nuseirat de “massacre horrível de civis” e afirmou que “o banho de sangue deve acabar imediatamente”.

Foi o maior massacre em Gaza desde outubro passado. “Palestinos foram massacrados como animais”, disse o jornalista palestino Hossam Shabat. Famílias inteiras foram massacradas; os restos de dez crianças, todas em pedaços, foram descobertos dentro de um único quarto na casa de Abo Karem Bhour, na parte ocidental de Nuseirat. Muitos foram executados enquanto tentavam fugir em segurança.

Em um testemunho arrepiante, Rasha Matar conta como unidades especiais israelenses mataram seu filho de doze anos, Yamen, bem na sua frente: “Não fizemos nada de errado; eles executaram meu filho diante dos meus olhos.” Seu filho sobrevivente, Ahmad, afirmou que seu irmão foi morto por soldados americanos: “O exército de Biden matou meu irmão. Estes eram forças especiais americanas.”

Outras crianças também foram executadas, incluindo três irmãs pequenas: Rital, Mayar e Mariam Abu Yousef. Hanan Aqel, uma menina de dez anos, teve o rosto apagado por uma bomba. Um vídeo comovente mostra uma criança protegendo seu irmãozinho morto do sol com as próprias mãos momentos antes dele ser enterrado.

O próprio campo encontra-se em ruínas após o bombardeios intensos das forças israelenses. O campo de Nuseirat, que se acreditava ser uma “zona segura” para os palestinos deslocados em Gaza, tem agora sofrido ataques aéreos incessantes, bombardeamentos terrestres e ataques navais.

·        Alegações de envolvimento dos EUA

Segundo relatos israelenses, o massacre do campo de Nuseirat foi realizado junto com uma operação israelense que resgatou quatro reféns israelenses. Alguns relatos indicam que forças dos EUA também podem ter estado envolvidas. A rede de notícias Quds News Network afirmou que soldados dos EUA participaram do ataque israelense, compartilhando imagens que supostamente mostram que forças americanas usaram o cais humanitário construído pelos EUA em Gaza para infiltrar soldados americanos no campo. Uma fonte israelense afirmou que soldados dos EUA ficaram feridos no ataque.

Segundo relatos da mídia, as forças israelenses usaram dois carros de civis que transportavam ajuda humanitária. Sobreviventes relataram que forças especiais atacaram civis disfarçados de trabalhadores de ajuda humanitária e pessoas deslocadas. “Eles estavam em um caminhão carregando roupas e panelas de cozinha”, descreveu um testemunha ferida sobre as forças israelenses. “Os Estados Unidos coordenaram ativamente, planejaram e apoiaram Israel na enganação dos palestinos famintos e na realização do massacre de centenas”, escreveu um jornalista palestino. 

Após o ataque a Nuseirat, o Programa Mundial de Alimentos da ONU interrompeu suas operações de ajuda em Gaza através do cais construído pelos EUA, dizendo que dois de seus armazéns foram bombardeados durante o ataque. Vídeos de um helicóptero deixando o cais construído pelos EUA no sábado também levantaram questões sobre o envolvimento militar direto dos EUA em Gaza sob o pretexto de ajuda humanitária.

O massacre sugere que o “cais de ajuda” do governo Biden pode ser algo bastante diferente. O cais de $320 milhões, chamado pelos palestinos de “porto de ocupação”, pode ter se transformado silenciosamente em uma base militar, como mostraram imagens de maio que exibiram o sistema C-RAM do exército dos EUA em ação perto do cais flutuante.

Craig Mokhiber, ex-diretor do Escritório de Nova York do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que renunciou por causa do genocídio em Gaza, perguntou no Twitter/X se o cais “humanitário” foi usado como ponto de partida para o massacre em Nuseirat, que não poderia ter ocorrido sem a colaboração dos EUA. Ele prosseguiu dizendo: “Israel, com apoio dos EUA, usou uma armadilha para entrar em um campo de refugiados e realizar um grande e sangrento massacre de civis, recuperando 4 prisioneiros no processo. Se você está celebrando esta atrocidade, você é parte do problema.” Autoridades dos EUA negaram que o cais tenha sido usado no ataque.

Em uma declaração divulgada no sábado pelo Conselho de Relações Americano-Islâmicas condenou o “horrível massacre no campo de refugiados de Nuseirat” e exigiu respostas sobre “o envolvimento dos EUA neste massacre e se algum americano estava nas unidades que o realizaram”. A declaração afirmou: “A administração [Biden] também deve parar de financiar esses incidentes diários de massacre em massa e, em vez disso, usar a influência americana para interromper o genocídio, libertar todos os reféns e prisioneiros políticos, e acabar com a ocupação ilegal da Palestina que está na raiz da violência.

O apagamento da vida palestiniana

Enquanto os principais meios de comunicação dos EUA comemoram o retorno dos reféns israelenses, eles em grande parte ignoram o massacre. Uma manchete do Washington Post descreve o evento como “um raro dia de alegria em meio ao derramamento de sangue”. Enquanto fotos sorridentes dos reféns retornando e manchetes de celebração dominam as notícias, as vítimas palestinas continuam sendo meros números sem rosto e sem nome. Enquanto isso, alguns israelenses têm usado o Telegram para zombar dos corpos queimados de palestinos.

O exército israelense saudou o ataque a Nuseirat como sua maior vitória na guerra, mesmo com relatos de que Israel matou três reféns na operação. Enquanto autoridades israelenses e americanas celebravam o ataque a Nuseirat, manifestações eclodiram em todo o mundo no sábado, incluindo nos Estados Unidos, onde milhares de manifestantes marcharam até a Casa Branca para exigir um cessar-fogo imediato e permanente.

Os oficiais dos EUA estão celebrando o massacre em Nuseirat como uma vitória. O presidente Joe Biden saudou o retorno dos reféns israelenses, prometendo continuar trabalhando até que todos os reféns voltem para casa. “Nós elogiamos o trabalho dos serviços de segurança de Israel que estão conduzindo esta operação audaciosa”, disse a Casa Branca em um comunicado. O Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, parabenizou as forças de segurança de Israel pela operação “bem-sucedida” e mencionou o apoio dos EUA aos esforços para libertar reféns através de “negociações em curso ou outros meios” (ênfase adicionada).

Por outro lado, a equipe de Biden não teve nada a dizer sobre as centenas de palestinos que foram mortos no ataque, com o envolvimento admitido dos EUA sob a forma de assistência de inteligência. Em vez disso, a mensagem de celebração de Biden dá carta branca aos líderes israelenses para realizar massacres civis em nome do resgate de reféns.

“Israel tem utilizado reféns para legitimar o assassinato, ferimento, mutilação, fome e traumatização de palestinos em Gaza”, disse o relator especial da ONU sobre a Palestina. Enquanto isso, Israel continua mantendo mais de dez mil palestinos em cativeiro, incluindo mais de nove mil detidos desde outubro passado, que estão definhando em câmaras de tortura e campos de detenção israelenses, com dezenas tendo morrido sob custódia em prisões onde o abuso foi relatado. Os capturados incluem até mesmo crianças que foram sequestradas de suas casas em Gaza, conforme um relatório recente do Zeteo.

No entanto, a fixação da administração Biden nos reféns israelenses transmite a mensagem de que as vidas palestinas pouco importam. Como outro oficial da ONU colocou: “Países que celebram a libertação de quatro reféns israelenses sem dizer uma palavra sobre os centenas de palestinos mortos e milhares detidos de forma arbitrária por Israel, perderam credibilidade moral por gerações e não merecem estar em nenhum órgão de direitos humanos da ONU”.

O massacre no campo de refugiados de Nuseirat ocorre um dia após as Nações Unidas adicionarem Israel à sua lista negra de países que prejudicam crianças em zonas de conflito, e menos de uma semana após o terrível ataque de Israel a uma escola da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) no campo de refugiados de Nuseirat, que matou dezenas de palestinos, a maioria crianças.

Israel continua bombardeando Nuseirat e outros campos em Gaza e Rafah; as forças israelenses realizaram oito massacres no total durante o fim de semana, incluindo em Deir al-Balah e al-Bureij. No domingo, as forças israelenses teriam matado seis parentes do falecido escritor palestino Refaat Alareer, assassinado por Israel em dezembro passado, incluindo uma mãe grávida de oito meses e duas crianças. Na segunda-feira, Israel realizou uma série de novos ataques por toda Gaza, matando pelo menos quarenta palestinos.

Os massacres são apenas os lembretes mais recentes de que os líderes ocidentais, liderados pela administração Biden, continuam vendo os palestinos como menos que humanos. Para citar o falecido Anthony Bourdain, que completou seis anos de morte na semana passada: “O mundo fez muitas coisas terríveis aos palestinos, nenhuma mais vergonhosa do que roubar-lhes sua humanidade básica.”

 

Fonte: Deutsche Welle/Jacobin Brasil

 

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