Graça Druck e Luiz Filgueiras: ‘Lula e os
reitores - a reunião que não houve’
A reunião dos
dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com o presidente
Lula, anunciada desde a semana passada e com conteúdo antecipado pelos
ministros da Educação e da Gestão e Inovação (MGI), foi realizada nessa segunda
(10/6). Nessa antecipação já se explicitava o seu objetivo, qual seja: o
governo Lula anunciar ações e recursos destinados às IFES.
A rigor, como ficou
evidente depois, não se tratou de fato de uma reunião tal como em geral é
concebida: uma troca de informações, argumentos e opiniões (convergentes ou
contrárias) entre os seus participantes. Ou seja, um momento dialógico, no qual
se explicitasse as visões alternativas sobre o atual momento crítico por que
passa as IFES e a greve de seus trabalhadores.
Não houve qualquer
discussão ou diálogo: inicialmente dois ministros, da Educação e da Ciência e
Tecnologia, falaram longamente, apresentando inúmeros dados sobre recursos e
ações efetivadas pelo governo desde seu início, em 2023. Em particular o
ministro da Educação ocupou quase todo o seu tempo listando as metas e os
valores do futuro Novo PAC.
A seguir falaram os
presidentes da Andifes e do CONIF (o conselho das escolas técnicas).
Reconheceram ambos as iniciativas que já foram tomadas pelo governo, mas
ressaltaram a situação difícil das instituições que representam, em especial no
que se refere a absoluta insuficiência de seus orçamentos para 2024. Além
disso, destacaram a legitimidade da greve e importância de o governo continuar
negociando com os sindicatos para solucionar o atual impasse.
Por fim Lula falou,
autoelogiando seu governo e, de forma constrangedora, a si próprio. Após essa
longa autopromoção, quase que decretou o fim da greve, ao intimar os dirigentes
sindicais a fazerem isso, acenando com uma clara ameaça de desmoralização dos
sindicatos, em razão de um eventual fim melancólico do movimento. Ou seja, um
recado tácito de que dificilmente haverá avanço no que já foi proposto pelo
governo até aqui, em particular no que se refere aos salários.
Segundo Lula, “uma
greve tem o momento de começar e o momento de terminar”, o que é uma afirmação
acaciana; não há discordância quanto a isso. O problema real é, de um lado,
definir concretamente quando esses momentos ocorrerão e, de outro, a quem cabe
essa decisão. Adicionalmente, afirmar que “a proposta do governo é irrecusável
e que não se pode ficar de greve a vida toda por 3%ou 4%” é uma retórica
autoritária que não ajuda em nada e deslustra a biografia do presidente, além
de poder ser invertida: por que o governo se mostra tão intransigente, não
aceitando conceder reajustes nesses percentuais tão pequenos, apesar de ter
concedido reajustes muito maiores para outras categorias (Polícia Federal e
Polícia Rodoviária Federal)?
O único momento de
“interação” entre governo e representantes das IFES foi quando o ministro da
Educação, antes da fala de Lula, retomou a palavra para rebater, sem mencionar,
os representantes das universidades, tentando deslegitimar a greve e criticando
os sindicatos.
Em suma, a “reunião”
foi uma peça clássica de marketing político: do governo e de Lula, com o
objetivo de demonstrar formalmente o seu compromisso com as IFES. Quase tudo
apresentado pelo governo foi sobre o PAC (suas metas e números), que não é
objeto da pauta de reivindicações da atual greve e que, na verdade, diz
respeito a ações de longo prazo (infraestrutura, retomada de obras paralisadas,
criação de novas Instituições e ampliação das já existentes).
No final da
apresentação do ministro da Educação, foi anunciada a “recomposição
orçamentária” para as IFES em 2024, num montante total de 400 milhões de reais
(apenas 16% dos 2,5 bilhões solicitados pela ANDIFES em caráter urgentíssimo);
totalizando um montante absolutamente insuficiente por qualquer referência (ano
e valor) que se queira tomar como comparação. E, para piorar, nenhuma
sinalização para se avançar na questão salarial; muito pelo contrário, tanto o
ministro como Lula deixaram claro que nessa questão o governo não tem muita
disposição de continuar negociando.
O que mais impressiona
de tudo isso é o contexto. Um governo que vem sendo tutelado e constrangido
pela direita neoliberal e a extrema direita – as quais estão impedindo a
execução do programa eleito em 2022 –, mas tem amplo apoio nas IFES e entre
cientistas e intelectuais em geral, utiliza-se de uma suposta reunião para
tentar deslegitimar o movimento grevista e os sindicatos. Tudo isso, num
momento em que estas instituições atravessam uma conjuntura grave, o que ocorre
também com o país – e em que há clara ameaça à democracia.
É uma escolha política
equivocada e que trará, no curto prazo, sérias dificuldades para o governo
Lula. Tentar derrotar um dos segmentos que mais confrontou o golpe de 2016,
denunciou o caráter político da Lava-Jato e da prisão de Lula, desafiou o
fascismo e defendeu a democracia é um “tiro no próprio pé”. O governo, seus
apoiadores acríticos e Lula parecem que viver em uma realidade paralela.
Com negociações
estritamente no plano parlamentar e desmobilizando a sua base social, Lula e o
PT conseguirão, no máximo, “garantir” as conhecidas “migalhas” para o andar de
baixo e reforçar a dependência da trajetória (neoliberal). Ou, na pior
hipótese, abrirão as portas para o retorno do fascismo na eleição de 2026. Sem
apostar na mobilização política efetiva de suas bases sociais, no sentido de
promover ações para além do Parlamento e de contestar a atual correlação de
forças, pressionando-a para modificá-la, não há a menor possibilidade de
conciliar “austeridade fiscal” com distribuição de renda e redução das
desigualdades sociais.
A greve dos servidores
(técnico-administrativos e professores) das IFES, além da defesa das
universidades e institutos e da remuneração de seus trabalhadores (a defesa do
trabalho decente), vai na contramão da passividade. Aponta a importância da
organização e mobilização das forças antifascistas e antineoliberais, e
denuncia as forças políticas que impedem o governo eleito em 2022 de
implementar o seu programa econômicosocial.
Reiterando o que já
escrevemos em outros textos: só se muda uma correlação de forças desfavorável
se houver ações nesse sentido. O momento positivo de aprovação da PEC da
Transição apoiou-se ainda na mobilização derivada do processo eleitoral, mas
que aos poucos foi-se dissipando. É preciso retomá-la, exigindo uma nova
postura tanto do governo Lula como de todas as correntes políticas de esquerda
e democráticas. Só assim a correlação de forças poderá se alterar para uma
situação mais favorável.
• Uma lógica míope. Por Luís Felipe Miguel
Lula recebeu reitores,
ao lado do ministro Camilo Santana. Não era um diálogo (quase nunca é); os
reitores eram plateia para anúncios do governo. Ainda assim, havia esperança de
que sinalizasse alguma solução para a greve de professores e de servidores técnico-administrativos
das universidades e institutos federais, que já se arrasta há meses.
Em vez disso, o
presidente preferiu atacar os grevistas. “Não é por 3%, 2%, 4% que a gente fica
a vida inteira de greve”, disse Lula.
O dinheiro do governo
corre solto para os parlamentares picaretas do Centrão, para os bancos, para as
igrejas. Mas os profissionais da educação devem pensar que “quem está perdendo
é o Brasil e os estudantes brasileiros” e voltar ao trabalho com seus 22% de
perdas salariais acumuladas.
Hoje, convém,
assinalar, nossa reivindicação é apenas um reajuste em 2024 que cubra a perda
salarial com a inflação do próprio ano de 2024. Mas, para o governo, reajuste é
para as categorias profissionais que tentaram dar um golpe e melar as eleições
de 2022.
Na reunião com os
reitores, Lula anunciou também o PAC da Educação, com números altissonantes:
são R$ 5,5 bilhões previstos. Uma parte é para recompor o orçamento das IFES,
que está estrangulado há muitos anos. Caso o governo realmente libere o que
prometeu, o orçamento de 2024 alcançará o nível de 2017 – ou seja, continuamos
longe do necessário.
Outra parte é para
“expansão”. Além dos míticos 100 novos institutos federais, já anunciados
antes, entraram 10 novos campi universitários.
A pergunta é: para
quê?
Houve algum estudo que
explique por que Sertânia, em Pernambuco, ou São José do Rio Preto, em São
Paulo, precisam de um campus de Universidade federal? Há um levantamento de
quais cursos seriam necessários? Com matrículas em queda nas universidades de
todo o Brasil, a prioridade é mesmo “expansão”?
Devemos mesmo anunciar
a criação de novos institutos e universidades sem antes garantir as condições
adequadas de funcionamento para aqueles que já existem? Vamos contratar pessoas
para esses locais e depois negar a elas boas condições de trabalho e os salários
merecidos?
É uma lógica míope, de
curto prazo – prédios para inaugurar, obras para licitar, chefes políticos
locais para agradar.
Não é só a educação
superior. O governo foi incapaz de abrir uma negociação franca com estudantes,
professores e administradores escolares no caso do malfadado “novo ensino
médio”, preferindo se aliar aos interesses empresariais. Nas muitas unidades da
federação que controla, a extrema-direita promove aceleradamente a destruição
da escola pública – precarização, militarização, privatização – sem que o
governo federal esboce reação.
Pelo contrário, se
afasta dos profissionais da área, incapaz de um gesto que marque a disposição
de valorizá-los.
Fernando Haddad,
curvado à lógica da “austeridade”, não esconde sua simpatia por teses como a
abolição do piso constitucional de gastos para a educação e a saúde. A fórmula
do governo parece ser: remuneração do capital especulativo como prioridade
perene do Estado, políticas compensatórias aos mais pobres como “diferencial da
esquerda” – e estamos conversados.
É um governo
acovardado, que cede à lógica dos dominantes em tudo, que não compra um único
enfrentamento – a não ser, é claro, contra sua própria base social, que, em vez
de fortalecer, ele busca derrotar e jogar no desânimo e na apatia.
A conjuntura é
desafiadora, mas o governo Lula contribui de forma decisiva para seu próprio
insucesso. Não faltam pessoas que pensam a educação, a sério, que estão prontas
a colaborar com o governo. O que falta é vontade política para transformar em
prioridade, de verdade, aquilo que o discurso sempre diz que é prioridade.
PS. Não sei se temos
condições de continuar a greve, diante da intransigência do governo. Talvez
tenhamos que encerrá-la, reivindicando a recomposição orçamentária (necessária,
ainda que insuficiente) como uma vitória do movimento.
Mas não nos enganemos:
fomos derrotados. Todos nós. Professores, servidores. A esquerda. O governo.
A “vitória” de Lula,
dobrando um setor que sempre esteve engajado na defesa da democracia, deixa
cicatrizes. Já vimos esse filme antes, no primeiro mandato, quando Lula ferrou
o funcionalismo público em geral. Mas ali o cenário era outro e ele tinha gordura
para queimar.
Hoje, não. E aqueles
que ele corteja, como militares ou policiais rodoviários, não se movem um
milímetro para longe do bolsonarismo que continuam a apoiar.
Fonte: Outras Palavras
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