Energia
nuclear não é alternativa para o aquecimento global
O
poderoso lobby da energia nuclear sempre inventa discursos, narrativas,
simplificações argumentativas, maneiras criativas, em sua maioria recheadas de
mentiras em defesa de seus interesses ideológicos e econômicos. E assim,
enganam e tentam soerguer uma indústria que nunca conseguiu entregar à
sociedade as promessas de oferecer uma fonte de energia barata, segura e
sustentável. A aceitação de usinas atômicas pelos alemães, por exemplo – que
tinham pavor à tecnologia nuclear após as hecatombes de Hiroshima e Nagasaki –
foi embalada pela promessa de que seria distribuída gratuitamente.
Só
para citar uma das maiores mentiras, propagandeadas a quatro ventos, foi a
introdução da denominação “energia limpa” na marca da Eletronuclear, empresa
cujo objetivo é instalar e operar usinas termonucleares no país. Talvez com
mais esta mentira, alguns acreditem que a tecnologia atômica será mais
facilmente aceita, digerida, absorvida pela sociedade brasileira.
Até
o reino mineral sabe que não existe fonte de energia que não cause problemas
sociais e impactos ao meio ambiente, com emissões de gases, produção de
resíduos (lixo) e contaminações. Assim não podem ser chamadas de ”limpas”.
Afinal, para a Ciência não existem atividades produtivas sem impactar a
natureza, inclusive a produção de energia. A legislação brasileira considera
“energia limpa” uma fonte de baixo impacto – majoritariamente não é verdade! –
o que acaba acarretando facilidades no licenciamento, financiamento favorável e
tentativa de convencer a sociedade para a necessidade dessas usinas.
Os
lobistas nucleares têm penetrado em espaços do poder executivo, legislativo,
judiciário e na mídia corporativa, abastecidos pelos interesses ideológicos e
econômicos, contrários à sustentabilidade energética e ambiental. Apoio
incondicional já têm nas forças armadas, berço do desenvolvimento desta
tecnologia. Manipulam dados não comprováveis, promovem deliberações não
sustentáveis. Agem coordenadamente, sistemática e repetitivamente, respaldados
por alguns pesquisadores, acadêmicos, não raros apenas de aluguel, sem nenhum
pudor de expor a população a riscos cada vez maiores, se a nuclearização do
país se ampliar.
Aproveitando
da emergência climática, novos e distorcidos argumentos vêm sendo divulgados a
favor da expansão de usinas pelas próximas décadas. Um deles é que são uma das
soluções para a descarbonização e a insegurança energética. Para justificar a
necessidade de novas usinas apelam para a desinformação, a negação da ciência e
a falta de transparência na divulgação de informações importantes para a
opinião pública.
Não
falam mais das vantagens econômicas desta tecnologia, pois ela não existe.
Nunca existiu! Quando comparada com outras fontes renováveis, o Tribunal de
Contas da União, no âmbito do Projeto Angra 3, apontou um custo médio excedente
para os consumidores da ordem de R$ 43 bilhões, quando confrontadas com outras
alternativas de geração. O preço da energia gerada nas nucleoelétricas chega a
ser 3 a 5 vezes mais caro que a energia solar, eólica, hidrelétricas,
termoelétricas à biomassa. Chegam mesmo a esconder, pois ainda não foram
divulgados, os estudos comparativos entre alternativas de geração, finalizados
pela Empresa de Pesquisa Energética, desde o final de 2022.
Agora
“surfam” na onda, da emergência climática e apontam a “energia nuclear limpa”
como solução para a descarbonização do planeta. Tal adjetivação não tem nenhuma
salvaguarda na Ciência. Pelo contrário! A Ciência afirma que para se obter o
combustível empregado na usina, há várias etapas e processos a cumprir, desde a
mineração do urânio, seu beneficiamento, o enriquecimento (etapa que realiza o
aumento da concentração do Uranio 235, encontrado na natureza com uma
concentração inferior a 1%), até a fabricação do combustível usado no reator.
Todas estas indústrias/processos envolvidos, mais transportes variados
(terrestres, marítimos) fazem parte do ciclo do combustível nuclear. Ainda a
considerar a construção de locais para o armazenamento do lixo atômico e o
descomissionamento/desmantelamento da usina, ao final de sua vida útil.
No conjunto, todas essas indústrias são emissoras de CO2.
Sabe-se
que no Brasil, as maiores emissões de gases de efeito estufa (GEE’s), o
CO2 e o metano, são provocadas pela agropecuária, maior vetor da perda de
vegetação nativa, dos desmatamentos e incêndios. Segundo o Relatório Anual do
Desmatamento no Brasil do MapBiomas, divulgado em maio último, o país perdeu
8,5 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos 5 anos, o equivalente a
duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. A agropecuária foi quem contribuiu com
97% desta expansão no período.
Portanto,
reduzir as emissões significa enfrentar o desmatamento, grande vilão das nossas
emissões de GEE’s, que ocorrem em larga escala em todos os biomas e contribuem
para o aquecimento global. No Brasil, o agronegócio predatório é responsável
por 75% das emissões. A maior parte vem da mudança no uso da terra, com a
destruição de biomas para dar lugar a pastos e plantações. Como as árvores
capturam GEE’s, o desmatamento libera estes gases para a atmosfera,
contribuindo para o aquecimento global.
Os
25% restante das emissões são produzidos pelo uso dos combustíveis fósseis.
Logo, a matriz elétrica brasileira, com mais de 90% de fontes renováveis (água,
sol, vento e biomassa) emite muito pouco gases responsáveis pelo aquecimento.
Para a descarbonização acontecer é necessário enfrentar o desmatamento e a
agropecuária extensiva. Além do transporte, maior consumidor de derivados de
petróleo. E obviamente não instalar usinas nucleares no território nacional.
Outro
equívoco é falar em insegurança energética, caso não tenhamos usina nuclear. Os
vários problemas ocorridos nos últimos 30 anos no setor elétrico, na matriz
elétrica e energética brasileira, são decorrentes das decisões incorretas, com
a implementação de políticas energéticas que provocaram, por exemplo, o
estratosférico preço da conta do consumidor, uma das 5 mais caras do planeta.
Mas isto é para outro debate.
Novas
usinas nucleares são necessárias para dar segurança energética ao Sistema
Interligado Nacional? Veja bem, o Brasil real dispõe em sua matriz elétrica de
duas usinas, Angra 1 e Angra 2, ambas com uma potência instalada inferior a 1%,
da potência total do parque elétrico nacional, gerando quiçá 1,5% da energia
elétrica total consumida. Mesmo com os 10.000 MW de novas usinas, como propõe o
Plano Nacional de Energia 2050, a contribuição do nuclear instalado até 2050,
caso ocorra, será muito pequena. Apenas cerca de 3% do total instalado até esta
data. Valores insignificantes para afirmar que tal fonte garantirá a segurança
elétrica do país.
O
Brasil é privilegiado com o potencial de fontes renováveis, disponíveis em seu
território. Há abundância de energia solar, de ventos de qualidade (sem grandes
turbulências), da biomassa energética, das bacias hidrográficas cortando os
quatro cantos do país, diversidade não vista em nenhum do planeta. Então, por
que propor uma fonte polêmica – rechaçada pela maioria da população, pelo alto
risco de acidentes trágicos para a Vida – com suas desvantagens econômica,
ambiental, social, se comparada com as renováveis?
Os
lobistas nucleares são negacionistas da própria crise energética, pois além de
defender a nuclearização com a instalação de novas usinas, defendem os
combustíveis fósseis. Afirmam que todas as fontes – renováveis e não renováveis
– devem ter espaço na matriz elétrica e energética.
Não
há nada mais escatologicamente contrário à sustentabilidade energética, do que
expandir usinas nucleares. Tais discursos são como se vivêssemos em outro
planeta. Ignoram que vivemos uma emergência climática e que a Vida, como a
conhecemos, está ameaçada!
¨
Crise climática é
consequência da ação destrutiva do capitalismo. Por Luis Ventura Fernández, no
Congresso em Foco
O
Brasil acompanha estremecido a tragédia de milhares de pessoas que perderam
tudo no Rio Grande do Sul por causa de enchentes nunca vistas que levaram, com
a força incontida da Natureza agredida, sonhos, casas, escolas e até bairros e
cidades inteiras. Até a última sexta-feira (17), já haviam perdido a vida 169
pessoas e continuavam as buscas por mais outras 44. Sem aparente trégua, o céu
parece cair, como diz Davi Kopenawa, e a violência da água desbocada convive ao
mesmo tempo com a falta de água para beber e para viver.
As
mudanças no clima, apresentadas como inevitáveis e inalcançáveis e diante das
quais caberia a nós apenas aguentar suas investidas e adaptar nossos sonhos de
vida a um mundo menos habitável, têm causas concretas e responsabilidades que
precisam ser identificadas. O que está em crise, estrutural e permanente, não é
só o clima, mas o próprio modelo de produção capitalista, que todos os dias
agride e violenta as fontes da vida: a terra, a água, a floresta, o ar. E o
clima.
O
agronegócio, a mineração e o desmatamento são apenas os novos-velhos rostos do
mesmo processo colonial de exploração de corpos, saberes, sabores e
territórios. O capitalismo é um modelo de acumulação por despejo: só consegue
acumular na medida em que esbulha, desapropria e expulsa. E para poder avançar
precisa de um Estado omisso e conivente, que libere o capital de qualquer
responsabilidade ou limitação ambiental, para que possa correr solto,
devastando, exatamente da mesma forma que as águas que hoje correm
violentamente no Rio Grande do Sul.
O
estado gaúcho viveu durante os últimos anos um desmonte sistemático das
políticas de proteção ambiental para favorecer, dessa forma, um modelo de
exploração do território que agora mostra suas consequências. O agronegócio
passou a ocupar a metade da geografia do estado, avançando sobre campos
naturais, e a soja quintuplicou sua produção, adentrando na Mata Atlântica.
Trata-se do modelo econômico da concentração da propriedade e do envenenamento
da terra que colonizou o imaginário de boa parte da sociedade no Brasil sob o
discurso vazio de um progresso econômico que nunca contribuiu para diminuir as
desigualdades sociais, a fome, os conflitos e a falta de acesso a terra.
Dizem
os responsáveis que não é momento de apontar aos responsáveis; mas é isso
justamente o que precisamos fazer. Neste exato momento, enquanto seguimos
estremecidos com as imagens no Rio Grande do Sul, circulam no Congresso
Nacional mais de 25 iniciativas de lei que pretendem flexibilizar a proteção
ambiental, reduzir a área de reserva ambiental na Amazônia, tirar a proteção
dos campos nativos, favorecer a grilagem de terras ou inviabilizar a demarcação
de territórios indígenas. Não importa o que esteja acontecendo no Rio Grande do
Sul; os parlamentares autores dessas iniciativas de lei e seus pares comparsas,
alguns deles gaúchos, permanecem na arrogância e insistem na aprovação do
desastre e da destruição. É a continuidade do projeto imoral de “passar a
boiada” sobre a vida de cada uma e cada um de nós, sobre nossas casas e
territórios e sobre nosso direito a sonhar o amanhã com esperança.
O
colapso ambiental e climático, causado pela lógica do capital, não poderá nunca
ser superado com soluções nascidas do próprio mercado. A mercantilização da
natureza, os créditos de carbono ou os projetos REDD são propostas revestidas
de verde, mas pensadas para a continuidade do mesmo modelo, e não para a
superação deste.
Os
povos indígenas, que vêm alertando há muito tempo para os sinais e as
evidências das mudanças no comportamento do clima, são, muitas das vezes, os
principais atingidos por elas. Os povos se configuram hoje como um dos
principais agentes de enfrentamento a esse colapso ambiental e de denúncia de
suas causas. Por incrível que pareça, é por isso que enfrentam hoje a maior
ofensiva desde 1988 contra seus direitos territoriais, com a promulgação pelo
Congresso Nacional da Lei 14.701/2023, que instalou, de forma autoritária e
imoral, o marco temporal como parâmetro para a demarcação das terras indígenas.
É
fundamental que os poderes do Estado recuperem a missão institucional para a
qual foram constituídos: que o Supremo Tribunal Federal declare a
inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 e coloque freio à devassa legislativa
contra as fontes da vida; que o Poder Executivo cumpra suas obrigações e deixe
de negociar direitos fundamentais com o poder econômico e de apostar em
soluções de mercado para resolver problemas que o mercado criou; e que o
Congresso Nacional abandone sua ofensiva imoral contra a vida dos povos e
comunidades tradicionais, contra o meio ambiente.
Urge
no país a retomada de uma perspectiva ética e de diálogo social que nos permita
reconstruir o encanto pela política do bem comum e da participação social. Urge
unir esforços, todos, organizações sociais, movimentos populares,
universidades, entidades científicas, Igrejas, o mundo da cultura e da arte, da
saúde e da educação, para dizer basta a um projeto de morte, a um modelo
predatório que nem é pop nem é tech, e para tecer novas possibilidades que
passem pelo respeito à diversidade cultural e à diversidade da vida em nosso
país, pela possibilidade de cidades sustentáveis, da reforma agrária e da
garantia da demarcação dos territórios indígenas.
Urge
reconhecer que a crise não é só do clima, mas sim desse modelo capitalista que
pede que não se busquem responsáveis enquanto continua aprovando a destruição.
Urge, enfim, tomar a sério que este Lugar que habitamos, de formas tão
diversas, é um Lugar vivo e para a vida que está gritando com dores de parto.
Fonte:
Por Heitor Scalambrini Costa e Zoraide Vilasboas, e, Combate Racismo Ambiental
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