sexta-feira, 14 de junho de 2024

Destaques do discurso de Lula em Genebra, na conferência anual da OIT

Em sua participação na conferência anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça, nesta quinta-feira (13/6) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma defesa ferrenha da distribuição de renda e afirmou que a "mão invisível do mercado" agrava a desigualdade.

O chefe de Estado brasileiro foi orador principal no fórum da Coalizão Global pela Justiça Social, uma iniciativa multilateral impulsionada pelo diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo.

Lula defendeu, como previsto, a proposta impulsionada pelo Brasil no G20 de taxação de super-ricos e pareceu fazer uma referência ao empresário Elon Musk, fundador da SpaceX e dono do X (antigo Twitter).

“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrar um planeta melhor do que a Terra para não ficar no meio dos trabalhadores, que são responsáveis pela riqueza deles”, disse.

Em declarações à imprensa, o presidente brasileiro comentou as crises que enfrenta no Brasil — com o indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e a pressão crescente sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O chefe de Estado brasileiro também sugeriu que a falta de diálogo entre as autoridades da Ucrânia e da Rússia sinaliza que eles "estão gostando da guerra".

"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontra uma solução pacífica", afirmou o presidente brasileiro, que recusou convite para participar de uma cúpula para discussão da paz ucraniana que será realizada na Suíça no final de semana.

O evento não contará com a presença da Rússia e foi visto pelo Brasil como unilateral. O país deve mandar apenas um embaixador para a reunião.

Lula foi a principal autoridade a marcar presença na cúpula em Genebra - além do brasileiro, o único outro chefe de Estado que discursou foi o presidente do Nepal, Ramchandra Paudel.

Sua presença na reunião deslocou um amplo aparato de segurança e foi motivo de atenção. No Palácio das Nações, a sede europeia das Nações Unidas, o presidente foi recebido por gritos de “Ole Ole Ola Lula, Lula”, repetidos também durante sua participação no fórum pela justiça social.

O presidente já deixou Genebra e segue para Apúlia, Itália, onde participará da cúpula do G7, grupo de sete dos países mais ricos do mundo, neste fim de semana.

Confira, a seguir, alguns dos destaques da participação do presidente no evento em Genebra.

•           Crises no Brasil

Lula foi questionado por jornalistas sobre assuntos domésticos, como o caso envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho.

Ele foi indiciado pela Polícia Federal (PF), suspeito de uso indevido de recursos públicos para a pavimentação de estradas que dão acesso a propriedades de sua família na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão.

Lula disse que ainda não tem uma decisão tomada sobre a permanência do ministro na pasta.

“O fato de o cara estar indiciado não significa que ele cometeu o erro, significa que alguém está acusando e a acusação foi aceita. Agora, é preciso que prove que é inocentes e ele tem esse direito", disse. “Eu não conversei com ele ainda, vou

Mais tarde, o presidente foi questionado sobre uma “pressão” sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad acerca de sua capacidade para concretizar a agenda econômica do governo.

Nesta semana, o Congresso Nacional devolver uma medida provisória que limitava créditos tributários para empresas, numa tentativa do Ministério da Fazenda de compensar perdas de receitas com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra e dos municípios.

A medida era considerada fundamental dentro do esforço para equilibrar as contas federais e sua devolução expôs a fragilidade do governo no Congresso.

Para Lula, Haddad tentou "ajudar os empresários" propondo a desoneração. "Nem deveria ter sido o Haddad para assumir essa responsabilidade, mas o Haddad assumiu, fez uma proposta. Os mesmos empresários não quiseram", disse o presidente.

"Todo ministro da Fazenda, desde que eu me conheço por gente, ele vira o centro dos debates, quando a coisa dá certo, quando a coisa não dá certo", declarou.

O líder brasileiro também foi questionado sobre a expectativa de votação na Câmara de uma proposta para equiparar a interrupção de gestação após 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em casos de aborto legal, como gravidez decorrente de estupro. Lula disse simplesmente que precisava voltar ao Brasil e “tomar pé da situação” antes de comentar o tema.

•           Bilionários no espaço e ‘mão invisível do mercado’

A maior parte do discurso de Lula na OIT foi dedicado à discussão da justiça social e da promoção do trabalho dignos, temas principais da conferência e do fórum da Coalizão Global pela Justiça Social.

“O bem-estar de cada um depende do bem-estar de todos. Como afirmou o papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza e nem justiça na desigualdade”, disse.

Ainda segundo Lula, a "mão invisível do mercado" agrava a desigualdade.

Na quarta-feira (12), Lula já tinha mencionado o mercado financeiro em outra declaração, no Rio de Janeiro, quando argumentou que o "mercado era uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade".

Em seu discurso em Genebra, o presidente também tratou da desigualdade de gênero e de como as mulheres são, em todo o mundo, “um dos elos mais vulneráveis” da cadeia de trabalho.

Ainda segundo Lula, as guerras em Gaza, na Ucrânia e outros conflitos “esquecidos” prejudicam ainda mais a busca pela justiça social e pelo trabalho digno.

O líder brasileiro também defendeu, como previsto, a proposta impulsionada pelo Brasil no G20 de taxação de super-ricos. “Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detém quase 15 trilhões de dólares. Isso representa a soma do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido”, disse.

Lula ainda fez comentários sobre bilionários que possuem seus próprios programas de exploração espacial, o que pareceu uma referência ao sul-africano Elon Musk, fundador da SpaceX.

Segundo a revista Forbes, Musk é a segunda pessoa mais rica do mundo, com US$ 201,4 bilhões.

“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrar um planeta melhor do que a Terra para não ficar no meio dos trabalhadores, que são responsáveis pela riqueza deles”, disse Lula.

“Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado.”

•           Inteligencia artificial

Lula aproveitou o momento para defender um projeto de inteligência artificial (AI) dos países em desenvolvimento.

Segundo o presidente, os países ricos tentam manipular o restante da humanidade com a tecnologia e reforçam “vieses e hierarquias geopolíticas, culturais, sociais e de gênero”.

“A OIT tem obrigação de trabalhar junto com a ONU e com os países para que a gente construa um projeto de inteligência artificial que seja do sul global, para que a gente possa competir com os países mais ricos, que ao criar a IA, tentam manipular o restante da humanidade”, disse no plenário da sede da ONU em Genebra.

“A IA nada mais é do que a esperteza de algumas empresas que acumulam dados de todos os seres humanos e, sem pagar um centavo de dólar paro o povo, conseguem fazer o que estão fazendo hoje. É uma tarefa revolucionária a gente tentar mudar esse quadro.”

•           Guerras na Ucrânia e em Gaza

A decisão de Lula de não participar da cúpula pela paz entre Rússia e Ucrânia, que será realizada entre os dias 15 e 16 de junho, na Suíça, foi destaque durante a primeira parte de sua passagem pela Europa.

O evento não conta com a presença da Rússia e, portanto, é visto pelo Brasil como unilateral. O país deve mandar apenas um embaixador para a reunião.

O tema foi abordado pela presidente da Confederação Suíça, Viola Amherd, durante uma reunião bilateral com o líder brasileiro no início da tarde desta quinta.

O governo suíço teria pressionado o Brasil pela presença de uma autoridade mais destacada na cúpula. Mas segundo o planalto, o presidente manteve a posição.

Em declaração à imprensa, Lula afirmou ainda que não faz “defesa do Putin”, em referência ao presidente russo. “O Brasil foi o primeiro país a criticar a Rússia pela invasão do país. O que eu não faço é ter lado. O meu lado é a paz", disse.

O presidente ainda sugeriu que, se os presidentes Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, e Vladimir Putin, da Rússia, não dialogam, é porque eles "estão gostando da guerra".

"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, e o Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Porque senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica", afirmou o presidente brasileiro.

O presidente também abordou brevemente o atual conflito na Faixa de Gaza. No final de seu discurso no plenário da ONU em Genebra, Lula pediu o “fim do massacre” no enclave palestino.

•           Direita radical e democracia

Logo em sua chegada a Genebra, o presidente ainda falou aos jornalistas sobre o avanço da direita radical nas eleições para o Parlamento Europeu realizadas no último fim de semana.

Segundo ele, a democracia como é conhecida atualmente está sob risco. “O negacionista nega as instituições, nega aquilo que é o Parlamento, aquilo que é a Suprema Corte, aquilo que é o Poder Judiciário, aquilo que é o próprio Congresso. Ou seja, são pessoas que vivem na base da construção de mentiras”, disse.

O tema também foi mencionado na ONU, onde Lula apontou para a ameaça representada por “aventureiros que espalham mentiras e ódios”.

“Não é mera coincidência que o meu país foi investigado por violar normas dessa organização durante o governo anterior”, disse. “A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema-direita.”

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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