Daniel
Kraft: ‘12 inovações que vão revolucionar o futuro da medicina’
Não
fosse por uma amiga em comum, Linda, eu jamais teria conhecido Harriet.
Sou médico e vivo no norte da Califórnia; Harriet trabalha como executiva na
cidade de Nova York. E Linda é uma das fundadoras de uma companhia que realiza
exames genômicos online para a qual Harriet e eu enviamos nossas informações
genéticas.
Linda
nos apresentou ao saber que Harriet e eu tínhamos algo em comum: um tipo raro
de DNA mitocondrial (mtDNA), um sinal de que éramos parentes distantes. E
compartilhamos essa característica com uma celebridade da pré-história: Ötzi,
cujo corpo congelado há 5.300 anos foi encontrado nos Alpes em 1991. Até mesmo
criei um grupo no Facebook para todos aqueles que têm a mesma variante de mtDNA
que une Ötzi, Harriet e eu.
Harriet
e eu nos conhecemos por causa de uma façanha da ciência biomédica – a análise
de dados genéticos a um custo acessível –, algo antes impensável e hoje
corriqueiro. A convergência de tecnologias digitais nos permite saber mais dos
nossos genótipos e compartilhar isso em mídias sociais.
Desde
então, testemunhamos uma explosão de conquistas e inovações tecnológicas que
têm o potencial de reconfigurar muitos aspectos dos cuidados com a saúde e dos
tratamentos médicos.
As
inovações aqui descritas são impressionantes em si mesmas. Mas também as
valorizo por facilitarem uma mudança crucial: a passagem da nossa medicina
convencional compartimentalizada para um modelo de “saúde conectada”. Agora
temos a possibilidade de interligar os pontos – de deixarmos para trás as
instituições que proporcionam tratamentos reativos e episódicos, sobretudo após
o desenvolvimento de uma moléstia, e inaugurarmos uma era de cuidados contínuos
e proativos com o objetivo de evitar as doenças. Um cuidado permanente,
individualizado e baseado no processamento de dados, visando preservar a nossa
saúde e bem-estar. Ou seja, não se trata mais de tratar as doenças, mas, cada
vez mais, de impedir que se manifestem.
No
modelo tradicional de medicina, todos os dados relativos ao estado de saúde do
paciente eram coletados apenas de forma intermitente, sobretudo por ocasião das
consultas médicas, e ficavam dispersos em arquivos analógicos ou em diferentes
bancos digitais de registros médicos. Hoje, porém, dispomos de uma opção bem
melhor: tecnologias pessoais capazes de monitorar continuamente os sinais
vitais e registrar de forma abrangente os dados coletados.
Os
aparelhos de monitoramento da saúde estão agora por todos os lados. A maioria é
usada para medir e registrar as atividades físicas. No futuro, essas
tecnologias de monitoração vão ser essenciais na prevenção, no diagnóstico e no
tratamento das doenças. Tatuagens medicinais eletrônicas e flexíveis, bem como
sensores aderentes à pele, são capazes de efetuar um eletrocardiograma,
avaliar a função respiratória, conferir o teor de açúcar no sangue e transmitir
facilmente os resultados por meio do Bluetooth. É um acompanhamento móvel dos
sinais vitais, mas num nível antes encontrado apenas em unidades de terapia
intensiva.
Aparelhos
auditivos ou fones com sensores não só vão ajudar na audição como também
monitorar o ritmo cardíaco. Tais aparelhos inteligentes também podem ser
acoplados, por exemplo, a um treinador digital que estimule um atleta ou então
a um guia virtual para pessoas portadoras de demência.
Futuras lentes de contato inteligentes vão incorporar milhares de biossensores, e serão
projetadas para captar os indicadores iniciais de câncer e outras enfermidades.
Outras poderão um dia medir os níveis de açúcar no sangue a partir do fluido
lacrimal, permitindo aos diabéticos um melhor controle da dieta.
Entre
os possíveis dispositivos implantáveis sob a pele está um sensor subcutâneo
capaz de monitorar a composição química do sangue. Depois de ingeridos em
cápsulas , outros dispositivos podem realizar tarefas no trato
gastrointestinal, como transportar medicamentos e isolar objetos estranhos.
Um
sensor aderente colocado na barriga de uma grávida consegue detectar movimentos
musculares no útero, facilitando acompanhar o trabalho de parto. Há até mesmo
cuidados de alta tecnologia para os bebês prematuros, como fones de ouvido que
transmitem música concebida de forma a tranquilizar ou estimular, ao mesmo
tempo em que são registradas as suas ondas cerebrais – para assegurar que estão
sendo produzidos os efeitos desejados.
E
dá para coletar dados quando a pessoa não está usando nenhum aparelho?
Engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) modificaram um
roteador sem fio de modo a capturar sinais vitais e padrões de sono de várias
pessoas na mesma casa.
Com
as novas tecnologias de monitoramento, elas vão proporcionar mais informação e
conhecimento de natureza biomédica – os quais podem ser comparados com o volume
crescente de dados genômicos. Essa combinação vai abrir novos caminhos para
reforçar a sensação de bem-estar, entender as enfermidades e escolher os
tratamentos preventivos e as intervenções mais adequados a cada paciente.
O
leque cada vez maior de ferramentas digitais, associadas a análises de
dados por sistemas de inteligência artificial (IA), quase certamente vai
melhorar muito a precisão e a rapidez dos diagnósticos.
Com
smartphones dotados de otoscópios, por exemplo, os pais poderão examinar o
ouvido dos filhos, e compartilhar com o pediatra. Aplicativos e sensores podem
verificar arritmias ou uma pneumonia. Para o tratamento da hipertensão, estão
sendo aperfeiçoados sensores que medem de forma ininterrupta a pressão
sanguínea (sem uso de braçadeira).
A
enorme expansão de pesquisas sobre o microbioma humano – os trilhões de
bactérias que vivem na pele e no interior do corpo – vem estimulando novas
formas de diagnóstico e ampliando a compreensão dos médicos. Exames genéticos
podem ajudar a solucionar muitos enigmas da microbiota intestinal, que se
acredita tenha um papel relevante no risco e no desenvolvimento da obesidade,
na doença inflamatória intestinal, nas enfermidades cardiovasculares e até em
afecções neurológicas.
Graças
à inteligência artificial, os instrumentos diagnósticos podem ser ensinados a
interpretar amostras de tecidos e imagens radiológicas. Pesquisadores da Google
submeteram mais de um quarto de milhão de imagens da retina de pacientes a
algoritmos – e o sistema “aprendeu” a reconhecer os padrões que indicam um
paciente com pressão alta ou com maior risco de sofrer infarto ou derrame. Em
algumas comparações, os instrumentos digitais produziram análises mais acuradas
que os patologistas, dermatologistas ou radiologistas humanos.
Logo
vai ficar no passado a prática de concentrar os cuidados médicos em
consultórios, clínicas e hospitais. Cada vez mais os tratamentos vão se adequar
a um modelo que mescla o mundo real e o virtual.
A
maioria das interações entre médico e paciente não requer o contato físico, ou
seja, um exame corporal. Consultas particulares, realizadas através de
programas similares ao Skype, vão ocorrer por intermédio de portais online. Os
dados vitais do paciente serão coletados e enviados ao médico por meio de
balanças, medidores de pressão arterial e dispositivos de monitoração ligados à
internet. Um dermatologista pode até usar a selfie que você lhe enviou para
fazer um exame prévio daquela mancha na pele de aparência suspeita – e assim
tranquilizá-lo ou solicitar que você agende uma consulta ao vivo.
O
relacionamento entre médico e paciente terá um aspecto de déjà-vu, com os
pacientes sendo de novo atendidos em suas próprias casas – só que através de
consultas online.
No
futuro, as receitas médicas talvez incluam também mais “fármacos digitais”. Por
enquanto, ainda de uso restrito, eles são concebidos para melhorar o bem-estar
ou para lidar com uma afecção, mas sem medicamentos e sem aconselhamento
presencial – apenas com o uso de um software recomendado ou por contatos online
com um médico que esclarece as dúvidas e proporciona encorajamento.
Embora
muitos desses programas estejam em fase de estudo, alguns fármacos digitais já
se mostraram eficazes. Exemplos: pelo menos duas empresas criaram aplicativos
para amenizar zumbidos incessantes no ouvido por meio de um treinamento mental
para reduzir o volume do tinido. Alguns pacientes que experimentaram o programa
afirmam que ele funciona mesmo. Para o tratamento de pacientes com
insuficiência cardíaca, a Clínica Mayo prescreveu o uso de um aplicativo que
monitora a pressão sanguínea, a atividade física e outros fatores. O resultado
é animador: houve uma redução de 40% em reinternações hospitalares por causa de
problemas cardíacos.
As
tradicionais receitas médicas provavelmente serão geradas por um robô, similar
a um caixa eletrônico, controlado a distância por um provedor ou por um
algoritmo de modo a assegurar que a pessoa receba as dosagens corretas. Ou,
então, o médico, com base em exames genéticos, vai prescrever os medicamentos
apropriados a cada perfil.
Meses
atrás, pesquisadores de Harvard e do MIT encontraram um jeito de prever, de
forma acurada, o risco de um indivíduo ser acometido por uma das cinco doenças
mais letais. Isso foi possível graças à identificação de alterações no DNA em
6,6 milhões de pontos distintos no genoma humano e ao processamento desses
dados por um sofisticado algoritmo. Mesmo os exames genéticos restritos a
determinadas partes do genoma proporcionam informações valiosas a respeito de
predisposições para doença de Parkinson, diabetes e outras moléstias. Mais uma
vez, os avanços na tecnologia talvez sejam benéficos para mim e para Harriet.
(Não para Ötzi, contudo.)
E,
quando uma pessoa não pode ir a uma consulta com o médico, será que um robô
poderá substituí-lo? Não vai demorar muito para que os robôs sejam encarregados
de dar informações e fazer a triagem dos pacientes. Um enfermeiro virtual
vai entender o que o incomoda, indagando os sintomas e acessando os dados
gravados em seus dispositivos vestíveis, bem como os registros médicos
disponibilizados na internet. No caso de uma queixa de caráter psicológico, um
terapeuta virtual irá conversar como se fosse um ser humano e também oferecer
orientações de autoajuda, além de ser um ouvinte compreensivo.
Os
robôs também podem participar de tratamentos nos quais o médico está presente.
É o caso de um robô capaz de confirmar por ultrassom a veia mais adequada para
dela extrair sangue ou colocar um acesso intravenoso. Nos países com escassez
de pessoal, robôs cuidadores podem ser usados para erguer e mover os pacientes
– até mesmo em interações sociais. E os robôs assistentes de fisioterapia
ajudam em programas de exercícios físicos.
São
grandes os benefícios de todos esses avanços tecnológicos, mas igualmente
importante é que sejam melhor difundidos. Em 2016, estima-se que cerca de 1,6
milhão de pessoas em países de renda média e baixa tenham morrido por falta de
acesso a serviços médicos. E um número ainda maior de habitantes desses países
– estimado em 5 milhões – perdeu a vida porque recebeu cuidados de baixa
qualidade. Essa situação pode mudar, pelo compartilhamento das novas
tecnologias médicas e de outros recursos para a preservação da saúde e do
bem-estar.
Fonte:
National Geographic Brasil
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