terça-feira, 4 de junho de 2024

Como a eleição no México influencia a disputa entre Trump e Biden

Eleita a primeira presidente do México, Claudia Sheinbaum assumirá o cargo em 1º de outubro, um mês antes das eleições nos EUA, na qual ambos os candidatos — o atual presidente Joe Biden e seu antecessor, Donald Trump — dependem fortemente do país vizinho como aliado e primeiro parceiro comercial e disputam a narrativa de quem é mais competente para controlar o fluxo migratório na fronteira.

Há temas bastante espinhosos nesta relação. A imigração na fronteira partilhada de 3 mil quilômetros é o que grita mais alto, mexe com corações e mentes dos eleitores americanos, especialmente pela retórica estridente do candidato republicano, que associa o fluxo de pessoas que cruzam a fronteira sul com contrabandistas e terroristas.

Sob pressão, Biden, por sua vez, tende a endurecer o tom: o presidente estava à espera pela definição do pleito mexicano para anunciar, possivelmente já esta semana, uma ordem executiva com o objetivo de amenizar os ataques do campo opositor contra a sua reeleição.

A medida presidencial visaria, segundo antecipou a CNN, a limitar a capacidade dos migrantes de procurarem asilo na fronteira e tentar reprimir a entrada ilegal, mantendo o número de passagens o mais baixo possível nesta fase da campanha.

Funcionários do governo Biden não descartam o fechamento da fronteira, como medida emergencial antes das eleições de 5 de novembro. Sheinbaum já deixou claro que discorda desta solução.

Desde que o fluxo atingiu um novo recorde em dezembro de 2023, com aumento de 31% de chegadas nos EUA em relação ao mês anterior, os dois governos realizaram reuniões até obterem uma queda pela metade.

Independentemente da ação de Biden, há políticas controversas oriundas de governadores republicanos, como o do Texas, Greg Abbott, que ordenou a deportação de pessoas suspeitas que entram ilegalmente nos EUA.

A medida foi suspensa por um tribunal federal, mas a presidente eleita, Claudia Sheinbaum, declarou durante a campanha que não receberá deportados de estados americanos e discutirá o assunto apenas no nível federal.

Em seu discurso de posse, ela reforçou os termos desta relação com o país vizinho: “Com os Estados Unidos, haverá relação de amizade, respeito mútuo e igualdade, e sempre defenderemos os mexicanos que estão do outro lado da fronteira.”

•                                    Drogas

Outro tema crucial na relação entre dois países é o tráfico de drogas, como o fentanil, responsável por uma epidemia e 96% das mortes relacionadas a overdoses nos EUA.

No lado mexicano, representa a violência ligada aos cartéis, que transformaram o processo eleitoral encerrado no domingo num pesadelo, com 321 casos de ataques a candidatos e 94 assassinatos.

É preciso levar em conta que, nos casos da migração e do combate ao crime organizado, o pragmatismo na relação bilateral supera o tom incendiário adotado pelo ex-presidente Donald Trump em seus comícios, que funciona como mola propulsora para obter votos.

Em 2016, o republicano fez da construção de um muro na fronteira sul, que seria pago pelo México, a base de sua estratégia eleitoral para conquistar a Casa Branca.

Anunciou também a deportação em massa dos imigrantes sem documentos — estima-se que há 11 milhões espalhados pelo país. Não conseguiu em seu mandato cumprir nenhuma dessas promessas.

•                                    Claudia Sheinbaum se torna 1ª mulher a assumir presidência da México

A candidata do governo Claudia Sheinbaum venceu a eleição presidencial do México neste domingo (2). Apadrinhada pelo atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, Sheinbaum será a primeira mulher a assumir o cargo no país.

A vitória é indicada pela contagem preliminar dos votos do Instituto Nacional Eleitoral (INE), a principal autoridade eleitoral do país. Com 77% das urnas apuradas, Sheinbaum obteve entre 58,3% e 60,7% dos votos na contagem do INE. Na sequência, a opositora Xóchitl Gálvez conquistou entre 26,6% e 28,6%, ainda de acordo com a projeção.

O modelo de contagem adotado pelo INE estima o resultado da eleição com base em uma amostra representativa da votação em todo o país, a partir de dados de locais de votação de todo o país. A margem de erro é de 1,5% para baixo e 1,5% para cima, segundo o próprio instituto.

No entanto, Gálvez já reconheceu a derrota em discurso para sua base e disse ter ligado para Sheinbaum, para dar os cumprimentos para a governista.

Em discurso após a votação, Claudia Sheinbaum afirmou ter se tornado "a primeira mulher presidente do México em 200 anos de república".

"Não chego aqui sozinha. Chegamos todas. Com nossas heroínas que nos deram a pátria, nossas ancestrais, nossas filhas e nossas netas. (...)Conseguimos mostrar que México pode realizar eleições pacíficas", disse.

Também no discurso, ela prometeu um governo com "austeridade republicana e disciplina financeira fiscal. Garantiu, no entanto, que "não haverá aumento reais a combustíveis e eletricidade".

"Nosso governo será honesto, sem corrupção e sem impunidade. Respeitaremos a liberdade empresarial e facilitaremos o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo, sempre, o respeito ao meio ambiente".

A posse de Sheinbaum ocorrerá apenas em 1º de outubro. Até lá, López Obrador segue presidindo o país.

•                                    Quem é Claudia Sheinbaum

Claudia Sheinbaum, 61, nasceu na cidade do México, em 24 de junho de 1962, em uma família judia. Ela tem dois filhos do primeiro casamento, com Carlos Ímaz, que conheceu em um protesto na faculdade, em 1986, e com o qual se casou no ano seguinte.

Mariana, a mais nova, é sua filha biológica. O mais velho, Rodrigo Ímaz, é fruto do primeiro casamento de Carlos, mas foi criado por Claudia desde a união do casal. Ele é pai de Pablo, único neto da presidente eleita.

Sheinbaum construiu uma carreira acadêmica antes de entrar na política. A presidente é formada em física pela Unam (uma das universidades mais prestigiadas do México), e fez pós-graduação em engenharia ambiental. Também fez pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Berkley, nos Estados Unidos e participou do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) que ganhou um Prêmio Nobel da Paz em 2007.

Em novembro de 2023, ela anunciou seu novo casamento com Jesús Tarriba, seu namorado de faculdade, com quem se reencontrou pelo Facebook, em 2016.

Durante seus anos como estudante, Sheinbaum foi politicamente ativa e até organizou uma greve contra o aumento de mensalidades, em 1987. Para ela, essa é uma tradição familiar: os pais eram esquerdistas e estiveram envolvidos nas manifestações de 1968 no México (os protestos estudantis na Cidade do México naquele ano tomaram uma grande proporção, até que policiais mataram cerca de 300 pessoas em uma praça, poucas semanas antes de começarem os Jogos Olímpicos que aconteceram lá).

•                                    Vida política

Na política, Sheinbaum começou como secretária de Meio-Ambiente da Cidade do México. Na época, o prefeito era Andrés Manuel López Obrador, que viria a se tornar presidente com o partido que ele mesmo fundou, o Morena.

Sheinbaum acompanhou López Obrador no Morena e, depois de comandar um distrito da Cidade do México, se tornou prefeita.

Quando ainda estava no comando do distrito, em 2017, teve que gerenciar as consequências de um desmoronamento de um colégio durante o terremoto que matou 26 pessoas, incluindo 19 crianças.

Ela disse na ocasião que as irregularidades encontradas na construção não eram culpa da prefeitura.

Durante sua gestão como prefeita da capital, entre 2018 e 2023, aconteceram a pandemia de Covid-19 e a queda de uma linha do metrô. Ao lidar com o acidente, ela fez um acordo com a empresa construtora, que pertence ao magnata Carlos Slim: as vítimas receberam indenização e o caso não foi levado à Justiça.

•                                    Apoio de López Obrador

A candidata é a favorita por causa do apoio de López Obrador, afirma Jimena Ortiz, da consultoria Inteligencia Más. “Essa grande intenção de votos é uma consequência do endosso do presidente a ela. Essas eleições são uma espécie de referendo a López Obrador, porque as pessoas que gostam do governo vão votar em Sheinbaum”, diz ela.

O problema, segundo Ortiz, é que até mesmo as propostas que a candidata defende são, essencialmente, desejos do atual presidente.

Um desses projetos é uma mudança de todo o sistema judiciário: o partido Morena quer que ministros da Suprema Corte, juízes, desembargadores e os ministros da Justiça Eleitoral sejam escolhidos por voto direto. Por esse projeto, todas as pessoas que estão atualmente no cargo serão obrigadas a renunciar.

Para que essa proposta seja aprovada, o Morena e os partidos aliados precisarão ter dois terços da Câmara dos Deputados e dois terços do Senado.

•                                    'Dama de gelo'

Quando a disputa ficou entre Sheinbaum e Xóchitl Gálvez, a líder das pesquisas nunca olhou ou chamou sua principal oponente pelo nome durante três debates que tiveram.

"Você ainda é fria, sem coração, eu a chamaria de dama de gelo", disse Gálvez a ela durante o primeiro confronto, acusando-a de não ter o "carisma" de López Obrador.

 

•                                    Nova presidente do México defende voto direto para eleger ministros do Supremo e para juízes; entenda

A presidente recém-eleita do México, Claudia Sheinbaum, defende uma proposta controversa: alterar a Constituição para que ministros da Suprema Corte, ministros do tribunal eleitoral, desembargadores e juízes de primeira instância passem a ser eleitos por voto direto da população.

Além disso, todas as pessoas que atualmente ocupam esses cargos terão que renunciar.

A mudança é um desejo do atual presidente atual, Andrés Manuel López Obrador, principal apoiador de Sheinbaum. Ela já deu declarações favoráveis ao projeto de reforma judicial. Em uma entrevista ao “Financial Times”, ao ser perguntada sobre a proposta, respondeu: “O que queremos é mais democracia para o país, e os investimentos serão garantidos”.

Ela fez uma referência a investidores porque o México, por ser próximo dos Estados Unidos, recebe muitas empresas estrangeiras, e no país há uma discussão sobre uma possível insegurança jurídica caso os juízes passem a ser eleitos por voto direto da população.

López Obrador não conseguiu aprovar a reforma judicial pois são precisos dois terços dos votos no Legislativo, e os partidos governistas não têm essa quantidade de deputados e senadores.

Os eleitores do México foram às urnas no dia 2 de junho para eleger presidente, 128 senadores e 500 deputados e, se as previsões das pesquisas de intenção de voto se confirmarem, o partido Morena, que está no poder, poderá aumentar sua bancada no Legislativo.

A proposta já foi enviada à Câmara dos Deputados e está na mesa diretora, o que possibilita que ela seja retomada a qualquer momento, segundo a analista política mexicana Jimena Ortiz Díaz, da consultoria Inteligencia Más.

O plano dos governistas é que a primeira eleição para escolher os membros do judiciário aconteça em junho de 2025.

<><> Como é hoje?

Os juízes são escolhidos por um Conselho da Magistratura. Já para ministros do Supremo há um processo que envolve o Executivo e o Legislativo. O presidente indica uma lista tríplice. Se nenhum dos nomes for aprovado pelo Senado, o presidente envia uma segunda lista tríplice. Se novamente ninguém for aprovado, o presidente pode nomear livremente.

<><> O que a proposta diz?

Para os juízes, a proposta é de eleição direta entre as pessoas que se candidatarem.

Já para os cargos de ministros do Supremo e do Tribunal Eleitoral, a candidatura vai ser diferente: cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e o próprio Supremo) vai apresentar uma lista com seus candidatos. Haverá uma campanha nacional e uma votação em lista. Os vencedores serão os nomeados.

<><> As críticas ao projeto

De acordo com o jornal "Financial Times", apenas um país, a Bolívia, elege os juízes da Suprema Corte por voto direto dos eleitores.

Rubens Glezer, professor da FGV e membro do grupo Supremo em Pauta, afirma que a forma mais comum é a indicação de nome pelo Executivo e aprovação pelo Legislativo.

Uma das ideias por trás dessa forma de indicação, segundo ele, é "blindar" os juízes de pressões políticas das maiorias. “Se houver votação para juiz da Suprema Corte, a tendência é que os eleitos sejam de regiões mais populosas, mas, nesse caso, como ficariam os direitos das pessoas de regiões menos populosas?”, afirma ele.

Uma Suprema Corte deve funcionar como uma espécie de freio “aos excessos emocionais de conjuntura, que historicamente tendem a ser danosos a direitos de grupos vulneráveis, no curto prazo, e para a comunidade como um todo, no médio e longo prazo”, diz o professor.

A lógica do modelo mais comum, pelo qual os ministros são indicados pelo poder Executivo e referendados pelo Legislativo, é que existe um crivo político para que o candidato seja escolhido, mas ele terá autonomia para exercer o cargo, segundo Glezer.

A analista política mexicana Jimena Díaz aponta uma possível consequência problemática com a eleição de juízes de primeira instância: grupos organizados podem financiar uma eleição para juiz.

"No México, por exemplo, tem crime organizado. Esse é o exemplo mais nocivo, mas pode ser também financiamento do setor empresarial –as petroleiras, as farmacêuticas podem ter seu juiz, seu magistrado, seu ministro do Supremo", ela afirma.

<><> O plano de López Obrador

A analista política Jimena Díaz diz que o grande arquiteto dessa reforma é o atual presidente López Obrador, que tem três propósitos políticos:

1.                                   Influenciar a pauta da campanha eleitoral —a reforma judicial não foi a única que ele enviou para o Congresso para ficar “engatilhada”; o presidente também encaminhou um mecanismo de paridade do salário mínimo com a inflação e mudanças na forma como funciona o setor elétrico; ambos foram tópicos das campanhas.

2.                                   Determinar qual vai ser a agenda da aliada dele, Claudia Sheinbaun. “A força de Sheinbaun é totalmente derivada do endosso que ela recebeu do presidente. As eleições, na prática, foram um referendo sobre López Obrador: as pessoas que gostam dele votar em Claudia. Ela foi defensora das propostas, mas não sabemos o que vai fazer quando se sentar na cadeira. Ela sabe que não vai poder se desvincular politicamente do presidente —se ela fizer isso, não vai conseguir governar”.

3.                                   Manter-se vivo politicamente. Pelas regras eleitorais do México, López Obrador não pode voltar à presidência. No entanto, diz Jimena, “ninguém pensa que ele vai para o rancho dele; a grande maioria dos deputados é fiel a ele, não a Cláudia. Ele quer se manter vivo e manter viva sua agenda”, afirma ela.

 

Fonte: g1

 

Nenhum comentário: