Cartéis,
imigração ilegal, feminicídio e violência: os desafios da nova presidente do
México
Claudia
Sheinbaum sucederá Andrés Manuel López Obrador como presidente do México, sendo
a primeira mulher a assumir o cargo no país.
Ex-prefeita
da Cidade do México, ela tem histórico no enfrentamento às mudanças climáticas
e continua o legado político contra políticas neoliberais iniciado pela
família. Além disso, Sheinbaum é a primeira pessoa de ascendência judaica no
cargo e teve a maior votação da história do país, com mais de 58%, superando o
recorde anterior, de AMLO, eleito em 2018 com 53,2%.
As
eleições foram marcadas por alta violência, com ao menos 37 candidatos a cargos
políticos assassinados desde o início do ano, conforme levantamento da
organização independente Laboratorio Electoral. O Instituto Nacional Eleitoral
(INE) também teve que remarcar o prazo para a contagem três vezes.
Em
entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka,
o pesquisador associado do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e especialista em defesa e
segurança pública Gilberto Vianna afirma que o tráfico de drogas se tornou
"um agente político primordial no México".
"Combater
os cartéis é algo extremamente complicado. […] o trânsito do tráfico de drogas
emprega milhares de pessoas e tem sido um fator importante na política
mexicana."
·
Eleições do México marcadas pela violência
Apenas
no segundo fim de semana de maio, 14 pessoas foram assassinadas, incluindo
cinco membros da equipe de campanha de Nicolás Noriega, que concorria à
prefeitura de Mapastepec e ficou ferido em um ataque a seu carro.
Vianna
espera que Sheinbaum melhore a política de combate à violência. "Espero
que Claudia tenha essa conscientização sobre a questão da morte de mulheres,
não só pelos cartéis, mas também em contextos domésticos," afirmou.
"Isso exige uma política social robusta, que Obrador começou a
implementar, apesar das dificuldades."
Apesar
da proposta de reforma constitucional defendida por Obrador, Vianna afirma que
o "Congresso mexicano é bem ativo e se opôs fortemente a essas
ideias".
"Mesmo
com apoio populista, uma reforma constitucional radical é improvável,
especialmente considerando a proximidade e a influência dos Estados
Unidos," disse. Ele acredita que Sheinbaum pode continuar com programas
sociais, mas a implementação de mudanças constitucionais profundas será um
desafio.
O
professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi João
Estevam também entende que a eleição representa uma continuidade das políticas
de López Obrador, com foco em um modelo neodesenvolvimentista, que busca
fortalecer a indústria nacional e promover parcerias público-privadas.
No
entanto, os desafios na segurança pública são latentes. Durante a administração
anterior, a violência no México aumentou, com promessas de desmilitarização da
segurança interna não sendo cumpridas.
Além
disso, a política externa será um campo de tensão e cooperação, especialmente
em relação aos EUA. O professor sugere que Sheinbaum deve continuar a
estratégia do antecessor de criticar a construção de muros na fronteira, ao
mesmo tempo que busca parcerias para lidar com a migração ilegal, problema
crítico nas fronteiras do México.
·
Qual é a situação atual do México?
A
próxima presidente enfrentará desafios econômicos e de segurança que o país
vive. A imigração será tema central na relação com Washington, com o México
registrando recorde de detenções de imigrantes.
"Pessoas
são exploradas por grupos de coiotes ligados ao narcotráfico. A extradição
agrada aos americanos, mas o México acaba pagando a conta."
Entre
os desafios da presidente também há a luta contra os cartéis de drogas, a
criminalidade e a militarização crescente da sociedade mexicana. "É muito
difícil que Claudia consiga vencer o tráfico de drogas", pondera Vianna.
"O México está se tornando uma sociedade extremamente militarizada."
A
vitória de Sheinbaum já recebeu reconhecimentos internacionais, inclusive de
líderes como o presidente russo, Vladimir Putin, e o brasileiro, Luiz Inácio
Lula da Silva.
Vianna
pondera que, embora Obrador não tenha investido em uma aproximação com o BRICS,
Sheinbaum pode adotar uma política pragmática, equilibrando as relações com os
americanos e o grupo, especialmente à luz das próximas eleições americanas.
"Putin
foi direto na aproximação com o México, e a China também se mostrou favorável.
No entanto, Obrador rejeitou a adesão ao BRICS, e se Sheinbaum seguir a mesma
linha, pode manter uma postura pragmática, equilibrando as relações com ambos
os blocos", afirma.
Para
Estevam, a natureza dessas relações dependerá fortemente do resultado do pleito
norte-americano de novembro. "Para um novo governo Biden, é bem provável
que haja mais pontos de acordo," comentou, enquanto uma presidência
republicana poderia trazer mais tensões, especialmente em relação à política
migratória.
Enfrentando
um déficit fiscal de 6%, o maior em 25 anos, o México de Sheinbaum tem
enfrentado limitações devido a políticas econômicas passadas e crises
recorrentes, segundo Estevam.
"Uma
delas é a própria estrutura produtiva do México, que cada vez mais a gente tem
visto um processo de desnacionalização das indústrias mexicanas."
·
Como está a violência no México?
"O
México tem, em média, dez mulheres sendo assassinadas por dia", afirma
Vianna. "A questão do feminicídio é uma realidade brutal que as duas
candidatas mencionaram em suas campanhas", completa.
O
pesquisador comenta o contexto machista da sociedade mexicana, "apesar de
ter figuras históricas femininas relevantes, como Frida Kahlo", e a
influência dos cartéis de drogas. "Os próprios cartéis reforçam essa
dinâmica de domínio masculino, uma imposição quase patriarcal."
Para
ele, a violência eleitoral no México é uma questão persistente, exacerbada pelo
controle territorial dos narcotraficantes. Ele destaca que a luta pelo controle
político é frequentemente financiada pelos cartéis, resultando em assassinatos
de candidatos e no enfraquecimento do sistema democrático.
"Os
cartéis dominam territórios e influenciam diretamente as eleições. Isso
enfraquece a democracia e é uma prática comum no México."
Vianna
traça paralelos entre a situação no México e no Rio de Janeiro, onde milícias e
grupos criminosos também exercem controle sobre áreas específicas e influenciam
as eleições.
"No
Rio de Janeiro temos currais eleitorais controlados por chefes de área,
quadrilhas, comandos ou milícias," comentou. "Essa situação é
semelhante ao México, embora em uma escala diferente."
Segundo
ele, o uso das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas está longe da
solução. "Quando se coloca o Exército para combater o tráfico, há risco de
corrupção dentro das Forças Armadas", afirma.
O
especialista explica que alguns militares acabam se corrompendo e se envolvendo
com o tráfico, como ocorreu com o cartel dos Los Zetas, formado por
ex-militares. "Colocar as Forças Armadas, que são para defesa, para
resolver questões internas como o tráfico, é muito complexo."
Para
o pesquisador, a eleição de Sheinbaum pode repercutir na América Latina e no
Brasil devido à dinâmica global entre esquerda e direita. A vitória de uma
líder de esquerda, diz, pode fortalecer movimentos similares em outros países,
incluindo o Brasil.
"Ela
pode ter uma aproximação maior com o governo de Lula, consolidando uma posição
mais estável e fortalecendo partidos de esquerda em futuras eleições",
sugere. "No entanto, o cenário global está muito dividido, e a política
populista de ambos os lados pode levar a resultados imprevisíveis."
·
Qual o partido de Claudia Sheinbaum?
A
recém eleita presidente do México, Claudia Sheinbaum, é filiada ao Movimento
Regeneração Nacional (MRN), conhecido também como Morena.
A
candidatura representa uma coalizão dos partidos MRN, Partido do Trabalho (PT)
e Partido Verde Ecologista do México (PVEM). A reeleição não é permitida no
México, o que obrigou a saída de AMLO do poder.
Sheinbaum
derrotou Xóchitl Gálvez, que representava uma coalizão de oposição formada por
Partido Revolucionário Institucional (PRI), Partido de Ação Nacional (PAN) e
Partido da Revolução Democrática (PRD). Em sua plataforma de "quarta
transformação", ela promete continuidade às políticas de Obrador.
Apesar
das relações econômicas estreitas com os EUA e alguns países da América Central
e do Caribe, o México mantém distância considerável dos países da América do
Sul, incluindo o Brasil. "A relação com os vizinhos da América do Sul, me
parece que não são tão estreitas, particularmente entre Brasil e México",
explica.
Ele
sugere que a continuidade da esquerda no poder poderia, potencialmente,
fortalecer essas relações, em especial em áreas de interesse comum, como a
pauta ambiental.
Estevam
também ressalta que a trajetória política da presidente não se apoia fortemente
na tradição judaica, da qual faz parte. "Ela ainda não teve uma posição
muito forte a respeito do conflito israelo-palestino", diz, sugerindo que
o foco de sua política externa deve permanecer moderado e em consonância com as
prioridades internas do México.
¨
Em telefonema, Lula
parabeniza a presidente eleita no México e anuncia desejo de visitar o país
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou na tarde desta segunda-feira (3)
para a presidente eleita pelo México, Claudia Sheinbaum, para felicitá-la pela
vitória nas eleições, de acordo com informações da Secretaria de Comunicação
Social (Secom) da Presidência da República.
Mais
cedo, Lula já tinha se manifestado nas redes sociais sobre a sucessora política
de Andrés Manuel López Obrador, também primeira mulher a presidir o país
norte-americano.
"Estou
muito feliz com a vitória dela, porque ela representa o meu grande companheiro
López Obrador, que fez um governo extraordinário, e, portanto, acho que o
México estará garantido democraticamente no mandato dela", disse o
presidente.
Sheinbaum
agradeceu pelo telefonema nas redes sociais:
"Agradeço
ao presidente Lula o seu apelo ao reconhecimento do triunfo do nosso movimento.
O México e o Brasil são grandes nações unidas por uma visão e valores comuns.
Reafirmamos nossa amizade e vontade de continuar construindo um futuro
compartilhado", declarou ela em uma postagem na sua conta da plataforma X
(antigo Twitter).
Candidata
da coalizão governista liderada pelo Movimento de Regeneração Nacional
(Morena), ela ganhou com 60,7% dos votos.
Em
encontro com o presidente da Croácia, Zoran Milanović, no Palácio do Planalto,
em Brasília, Lula anunciou que pretende visitar o México:
"Pretendo
fazer alguma visita de agradecimento ao López Obrador pelo carinho que ele teve
comigo quando eu não era presidente ainda, e também pela possibilidade que o
Brasil quer ter de aumentar muito o comércio com o México. Somos as duas
maiores economias do continente. Portanto, nós ainda temos pouco fluxo no
comércio. Poderíamos ter muito mais, […] mais empresários investindo no Brasil
e no México, e mais empresários brasileiros investindo no México para que as
suas economias cresçam", disse Lula.
Também
nesta segunda-feira, o Itamaraty informou que o governo mexicano concedeu
agrément ao embaixador Nedilson Ricardo Jorge para representar o Brasil no
México. Ele é o atual cônsul-geral do Brasil em Montreal, no Canadá.
Em
2 de junho foram realizadas eleições de presidente, vice-presidente, senadores,
deputados, nove governadores, a chefia do governo da capital e 80% das quase
2.500 prefeituras mexicanas para o período de 2024 a 2030.
Fonte:
Sputnik Brasil
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