quinta-feira, 13 de junho de 2024

Brasil não vai ficar sem gasolina se não explorar petróleo na foz do Amazonas, diz Rodrigo Agostinho

“A discussão política pode existir, é natural. Mas a obrigatoriedade do licenciamento não é um mero capricho, é uma previsão legal. O IBAMA é responsável pelo licenciamento de petróleo, e o licenciamento é obrigatório. Nenhuma empresa vai fazer um projeto sem licenciamento, não é um cabo de força. Em um mundo republicano é assim, e a Petrobras sabe disso. Em um mundo republicano as pessoas respeitam as regras e as instituições.”

A fala de Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, n’O Globo é pedagógica. E frisa o que tanto ele como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, exaustivamente repetem desde maio do ano passado, quando o órgão ambiental negou licença para a Petrobras perfurar um poço no bloco FZA-M-59, na bacia da foz do Amazonas, no litoral do Amapá. Em meio a decisões eminentemente técnicas e legais, ambos vêm sendo pressionados tanto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como pela petroleira, para permitir a perfuração. Pressão que aumentou com a chegada de Magda Chambriard ao comando da estatal.

Nos últimos meses, MME, Petrobras e outros defensores da exploração de petróleo no Brasil “até a última gota” bradam que o país vai voltar a importar o combustível fóssil a partir de 2030 se não buscar esse recurso na foz, região de altíssima sensibilidade ambiental. Agostinho, porém, derruba esse argumento por terra. Além de destacar que a Petrobras é “cliente número 1” do órgão, que libera dezenas de licenças para a empresa todos os anos, ressalta que o pré-sal, onde há milhares de pedidos de licença para perfuração feitos pela petroleira sob análise do IBAMA, ainda tem alta capacidade de produção.

“A foz do Amazonas está como prioridade, mas não é a única, temos listas enormes. O que não acontece no IBAMA é conceder uma licença sem critério técnico. A opinião pública não sabe que existe um mundo além da foz do Amazonas, tenho uma lista de coisas que são tão relevantes para a produção de petróleo quanto essa. O brasileiro não vai ficar sem gasolina por causa disso.”

O presidente do IBAMA explicou que poços próximos a cidades maiores têm uma logística para combater vazamentos. Na foz, a base para a equipe de apoio a um acidente está a 800 km de distância, em Belém. “O IBAMA faz análise técnica, o IBAMA não discute quando o Brasil vai parar de explorar petróleo. [A foz] É uma região com pouca infraestrutura, cidades pequenas, tem um problema de falta de estudos na região. É diferente explorar o pré-sal que está de frente a cidade do Rio de Janeiro ou a cidade de Santos”, detalhou Agostinho.

A possibilidade de explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas é um exemplo de que o Brasil não está cuidando dos oceanos. Essa é a avaliação de Leandra Gonçalves, professora no Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Brasil de Fato.

“Lá tem áreas de algas calcárias, áreas recifais muito importantes para o equilíbrio do planeta. São áreas únicas de espécies não catalogadas. Mesmo que não tenha um derramamento de petróleo, seria um desastre catastrófico. Toda vez que a gente faz uma exploração petroleira tem toda uma indústria que vem junto. Acelera a poluição e a perda de biodiversidade”, explicou.

Para a ambientalista Ângela Mendes, filha de Chico Mendes, ícone da preservação da Amazônia, a exploração na foz do Amazonas pode ser pior do que Belo Monte, hidrelétrica que foi construída no rio Xingu, no Pará, e deixou um legado de destruição ambiental e social. Por isso, ela destaca no Brasil de Fato sua preocupação com a insistência do governo Lula no projeto.

“Os dois [foz e Belo Monte] têm em comum o impacto para a população que vive na região, e isso é o mais grave, as pessoas que são retiradas dali, do seu lugar, do seu território, onde existe uma relação que não é uma relação tão simples, é uma relação ancestral, cultural, espiritual, com esse lugar que é sagrado”, ressaltou.

 

¨      Bancos financiam projetos de combustíveis fósseis que impactam a Amazônia

“Faça o que digo, não o que faço”. O dito popular resume a postura de grandes bancos que financiaram bilhões de dólares para empresas de petróleo e gás fóssil envolvidas em projetos que impactam diretamente a Amazônia, desestabilizando o clima ou prejudicando as terras e os meios de subsistência dos Povos Indígenas, enquanto vendem uma imagem de respeito ao clima e ao meio ambiente.

É o que mostra o relatório “Greenwashing na Amazônia”, elaborado pela Stand.earth e a Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). O documento ressalta o abismo entre as políticas ambientais e sociais reivindicadas pelos cinco principais financiadores – Citibank, JPMorgan Chase, Itaú Unibanco, Santander e Bank of America – e a destruição que eles financiam dentro da própria mata, no momento em que a Amazônia se aproxima de um ponto de não retorno. É justamente a queima de combustíveis fósseis que essas instituições insistem em financiar dentro da própria Amazônia que está levando a floresta ao seu limite, ameaçando primeiramente Povos Indígenas, comunidades locais e a biodiversidade, mas, essencialmente, toda a humanidade.

“A maioria desses bancos afirma defender os Direitos Humanos e a proteção ambiental, mas, com exceção do HSBC, eles continuam a financiar as operações de empresas estatais e privadas de petróleo e gás no Brasil, Peru, Colômbia e Equador”, afirma o relatório, em trecho destacado pela Bloomberg e reproduzido por Valor e Folha.

O estudo descobriu que, em média, 71% da Amazônia não é efetivamente protegida pelas políticas de gestão de risco desses bancos para mudanças climáticas, biodiversidade, cobertura florestal e direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. Eles afirmam seguir políticas éticas, mas a investigação afirma ter encontrado limitações geográficas e técnicas em sua capacidade de monitorar e alcançar esses objetivos declarados, ressalta o Guardian.

As lacunas variam significativamente de banco para banco. Em um extremo está o JPMorgan Chase, cujas proteções de biodiversidade se aplicam apenas a sítios do patrimônio mundial da UNESCO, que cobrem apenas 2% da Amazônia e são improváveis de serem considerados para exploração de petróleo e gás.

Por outro lado, o estudo elogiou o HSBC, que antes era um grande financiador de projetos destrutivos na região, mas que não forneceu nenhum recurso desde que adotou uma política de exclusão 100% Amazônia em dezembro de 2022. “Até agora, o HSBC tem cumprido sua palavra,” disse Angeline Robertson, a principal autora do relatório. “Isso mostra que é possível e já foi feito, mesmo por uma empresa que costumava ter um grande envolvimento.”

Já o brasileiro Itaú Unibanco é o 3º maior financiador de projetos de petróleo e gás fóssil na Amazônia. Segundo o relatório, o banco não possui nenhuma exclusão ou filtro que se aplique a essas operações na região. O banco de dados mostra que o Itaú financiou projetos de Eneva, Frontera, Geopark, Petrobras, Petroquímica Comodoro Rivadavia e Transportadora de Gas del Perú.

Em julho do ano passado, um outro estudo da Stand.earth e COICA já havia apontado o Itaú como um dos principais financiadores de projetos de combustíveis fósseis na região amazônica. Ainda integravam a lista o também brasileiro Bradesco e o Santander, que, embora espanhol, tem forte atuação no Brasil e está no novo relatório.

 

¨      Contratos de concessão de energia elétrica e as novas regras. Por Heitor Scalambrini Costa

A partir de 2025, começa a findar a vigência, estipulada em 30 anos, dos contratos de concessão dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica, também conhecidos como “contratos de privatização”. Entre 2025 e 2031, 20 contratos de distintas concessionárias chegam ao fim. E é prerrogativa do poder concedente, o Ministério de Minas e Energia (MME), decidir se prorroga ou não essas concessões.

Na última semana de maio, o MME encaminhou à presidência da República o esboço do decreto presidencial, sobre as concessões no setor elétrico de distribuição. Segundo a imprensa, a proposta traz a prorrogação das concessões por mais 30 anos, com modificações pontuais nos novos contratos. O ministro de Minas e Energia alega que as modificações são necessárias pois “os contratos de distribuição são frouxos e dão poucos mecanismos à agência reguladora e ao poder concedente de cobrar da distribuidora melhor qualidade do serviço”. “Queremos endurecer o processo, os índices e os mecanismos de fiscalização e de cobrança da qualidade”. Foram necessários praticamente 30 anos para se chegar a estas conclusões!!!

Segundo o Ministério, foram propostas 20 novas regras, para cobrar, de forma mais rígida, as distribuidoras, quanto à qualidade dos serviços prestados. E caso não cumpram as regras, estarão sujeitas a penalidades mais severas. Lembrando que as concessões são federais e devem ser fiscalizadas pelo MME e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Os impactos econômicos, traduzidos nos aumentos abusivos das tarifas elétricas, resultam diretamente do processo de privatização do setor elétrico brasileiro, ocorrido a partir da década de 1990, que atingiu fortemente a população brasileira. Recente estudo do Instituto Pólis e do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica aponta que a conta de luz é o item de maior impacto no orçamento de quase metade (49%) das famílias brasileiras, ao lado da alimentação.

Outra consequência da privatização foi a degradação e precarização das condições de trabalho dos eletricitários, resultando no péssimo atendimento e na baixa qualidade dos serviços. Com a privatização, houve demissões de pessoal nas empresas, desmantelando a capacidade operativa de manutenção e atendimento das demandas dos usuários.

Os contratos de privatização permitiram que se instalasse o capitalismo sem risco no Brasil. Empresas do setor obtiveram exorbitantes lucros (dentro da realidade econômica brasileira) apresentados nos Relatórios Anuais Contábeis. Para os consumidores, os contratos significaram, além dos apagões, a baixa qualidade nos serviços e aumentos extorsivos nas tarifas, bem acima da inflação.

Na lógica dos privatistas, para atrair o capital nacional e internacional a participarem dos leilões de privatização, cláusulas draconianas foram introduzidas nos contratos, para favorecer as empresas, contrariando os interesses dos consumidores, do povo brasileiro. De fato, as tarifas pós-privatização contribuíram para uma extorsiva transferência de renda dos consumidores para as distribuidoras e seus donos estrangeiros.

Com tarifas altas e péssima prestação de serviços, as distribuidoras estaduais foram alvo de inúmeras reclamações, manifestações, denúncias e processos jurídicos. Os índices de qualidade (DEC e FEC)** a que estavam submetidos, foram sistematicamente desrespeitados. Mesmo assim, aceitos pela ANEEL/MME, com algumas multas aplicadas, mas dificilmente pagas.

Prefeituras, câmaras de vereadores, governos estaduais, parlamentares federais se manifestaram, reclamaram, divulgaram cartas de repúdio exigindo melhorias na prestação dos serviços, com mais qualidade, à população atendida. Uma das manifestações de maior repercussão foi a decisão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, que exigiu o rompimento do contrato com a concessionária, que atende à capital paulista.

Diante de tantas evidências, e fatos concretos, nada mudou. Ao contrário, nos últimos anos pioraram. A blindagem destas empresas, além de serem os próprios contratos, conhecidos como “juridicamente perfeitos”, contaram com a leniência, omissão, e mesmo, em certos casos, prevaricação de agentes públicos.

Diante da expectativa da edição do decreto com novas diretrizes para a renovação das concessões, o lobby das distribuidoras, representado pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica tem atuado em duas frentes. A primeira, junto ao MME e o Congresso Nacional para evitar mudanças substanciais nos contratos, que diminuiriam seus lucros. A segunda, para deslocar críticas da sociedade, e, assim, mudar a imagem do setor, as concessionárias se alvoroçaram em anunciar investimentos bilionários, mudança na gestão das empresas (no caso da ENEL Brasil com a troca do presidente), e aumento substancial da propaganda institucional na mídia nacional.

As corporações que estão por trás das distribuidoras estaduais não querem, e não desejam sair deste negócio tão lucrativo, verdadeiro “negócio da China”. Seus dirigentes declaram confiar que não haverá mudanças importantes na renovação dos contratos, que possam afetar seus lucros e a consequente distribuição de generosos dividendos para alguns.

É reconhecido que as concessionárias Brasil afora, de modo geral, não têm cumprido regramentos, requisitos e indicadores que atestam a qualidade dos serviços, com a esperada continuidade no fornecimento de energia. Nem a revisão das tarifas tem contribuído em benefício da tão esperada modicidade tarifária, configurando “quebra de contrato”. Será que a prorrogação dos contratos das concessões por mais 30 anos, continuará favorecendo as empresas e penalizando o povo brasileiro?

Alguma dessas mudanças contratuais, caso sejam implementadas na renovação dos contratos, até poderão atender parte das demandas da sociedade, mas dificilmente melhorarão a qualidade dos serviços e nem atenderão o anseio da redução das tarifas, sem a mudança substantiva na relação do poder concedente com as concessionárias. Abaixo, algumas das propostas e comentários:

1)     Mudança no índice de remuneração das distribuidoras do IGP-M para o IPCA. Medida mais do que justa e necessária (se ocorrer), pois é nos contratos que a fórmula de cálculo dos índices de reajuste aparece. Nos atuais contratos as tarifas estão indexadas ao Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que tem forte influência do dólar, cujos valores são superiores aos índices de inflação. Com o índice atual, pode-se afirmar que as tarifas têm subido de elevador, enquanto os salários pela escada.

2)     Possível limitação na distribuição de dividendos ao mínimo legal (25% do lucro líquido) se os índices de qualidade não forem cumpridos. Como pagar dividendos em casos de serviços de má qualidade? Seria uma punição aos maus operadores, o que aparentemente pode ser até um fator de proteção para os investidores. Todavia, caso se mantenha a mesma fiscalização (?) inexistente, nada acontecerá. Lembrando que esta fiscalização cabe ao MME, através da Aneel. Relações promíscuas contribuem para a ineficiência da fiscalização.

3)     Comprovação anual da saúde financeira das concessionárias. Esta comprovação, segundo declarações, terá base na relação entre lucro e dívida (ou seja, indicadores de alavancagem) e na manutenção da qualidade do serviço em todos os bairros e áreas de concessão, indiscriminadamente. Ainda neste caso é fundamental o papel da fiscalização.

4)     Sobre a qualidade dos serviços prestados, as empresas precisarão, entre outros compromissos, diminuir seus índices de frequência média de interrupções (FEC) e de duração média de interrupções (DEC). Segundo a proposta, caso a concessionária não cumpra a meta de continuidade por três anos consecutivos, ou os critérios de eficiência na gestão econômico-financeira por dois anos consecutivos, a renovação dos seus contratos estará em risco. Neste caso duas ações poderão ocorrer: (1) a alienação do controle de concessão ou, (2) aumento de capital (dentro de 90 dias) para manter a sustentabilidade da operação da concessionária. Esta questão é essencial para o consumidor que sofre com a demora na religação quando há interrupções no fornecimento elétrico. Atualmente este ponto é descumprido sistematicamente pelas concessionárias, mesmo diante do que já é exigido.

Um ponto reivindicado, mas que lamentavelmente foi ignorado pelo MME, foi propor estímulo à adoção da fiação elétrica subterrânea. Nenhum recurso está previsto para esta atividade. A discussão sobre o enterramento da fiação além dos aspectos econômicos deveria englobar a questão urbanística e paisagística. Outro assunto que o MME diz estar avaliando para os novos contratos é a inclusão de mecanismos que permitam discutir a caducidade da concessão, caso o serviço e os índices operacionais estejam abaixo do estabelecido.

Uma boa notícia foram as declarações do presidente do Tribunal de Contas da União. Este órgão terá participação na análise individualizada dos novos contratos, pois na função de controle externo, deverá verificar se as modelagens jurídica e econômica se encontram conforme a Constituição Federal, as leis do país e as práticas nacionais e internacionais recomendadas.

O que é notório, sem dúvida no setor energético/elétrico brasileiro, é a falta de transparência e de participação social, democratização em todo este processo decisório. O Conselho Nacional de Política Energética, que assessora a presidência da República, carrega em sua essência e composição um grande déficit de democracia, que não condiz com os tempos atuais em que a participação da sociedade é exigida.

 

Fonte: ClimaInfo/Combate Racismo Ambiental

 

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