quinta-feira, 2 de maio de 2024

Promoção da equidade de gênero no trabalho avança, mas tropeça nas pequenas empresas

“Infelizmente, o número de mulheres em cargos inferiores é maior hoje em dia; em cargos de gestão é menor, e os salários são menores. É uma questão cultural que ainda precisa ser muito debatida e tem muito o que se caminhar para poder evoluir”. Assim a advogada trabalhista Karollen Gualda descreve o mercado de trabalho atual no país, neste mês de maio, em que refletimos sobre a história de luta dos trabalhadores em todo o mundo.

Como forma de combater essa realidade rumo à equidade no mercado de trabalho no Brasil, algumas medidas têm sido desenvolvidas a nível federal nos últimos anos. Em entrevista ao GGN, Karollen Gualda nos menciona algumas como o Relatório de Transparência Salarial, o Emprega + Mulheres e o CIPA + A.

Após a lei 14611/2022 ser sancionada, as empresas com 100 ou mais empregados precisam divulgar o Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios. A iniciativa conjunta do Ministério do Trabalho e do Ministério das Mulheres pretende colher informações sobre o critério de proatividade para compreender as políticas de contratação de mulheres de cada empresa.

Como parte do projeto, tais empresas precisam adotar medidas que garantam a igualdade de gênero, incluindo transparência salarial, fiscalização contra a discriminação, canais de denúncia, programas de diversidade e inclusão, além de apoio à capacitação de mulheres.

Apesar de que medidas como essa facilitam a superação do abismo entre homens e mulheres no mercado de trabalho, ainda estamos falando de um setor específico. “A realidade é que as grandes iniciativas, as grandes oportunidades de crescimento de carreira e de igualdade salarial, se vê nas empresas maiores”, afirma Karollen, mencionando empresas cuja cultura já estão alinhadas a esse pensamento ou as multinacionais.

Portanto, empresas de pequeno e médio porte, onde mulheres em situação mais precária são empregadas, não são abarcadas pelo projeto, embora “elas também são obrigadas a respeitar a igualdade salarial e podem ser fiscalizadas da mesma forma”, como reforça a advogada.

Para Karollen, faltam incentivos e oportunidades para que pequenas e médias empresas possam estar engajadas em oferecer um ambiente de trabalho mais fértil para as mulheres. Nesse sentido, acordos coletivos com sindicatos para reivindicar medidas como o auxílio-creche poderiam ser uma alternativa. Porém, o encarecimento da contratação de mulheres pode afetar sua empregabilidade.

“A preocupação é: se isso encarece para a pequena empresa, até que ponto a empresa vai querer contratar uma mulher em idade fértil, que vai ser mãe e que ela sabe que, quando essa mulher voltar da licença-maternidade, ela vai ter um custo maior”, detalha a advogada.

Esse é justamente o cenário em que estão mulheres mais pobres e racializadas. São elas que enfrentam maiores dificuldades para serem alçadas a cargos de chefia e sofrem mais assédio moral e sexual. “A quantidade de denúncias de assédio moral e sexual com relação a mulheres negras também é muito grande, chegam a ser maior que das mulheres brancas”, afirma Gualda.

O próprio desconhecimento do que é o assédio e a capacidade de diferenciá-lo entre outros comportamentos faz parte do problema. Por isso, existe a necessidade de ensinar aos empregados o que é o assédio através da CIPA, criando canais de recebimento de denúncias sigilosas.

Em decorrência da lei 14.457/2022, houve uma alteração no caráter da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), pois, a partir de março de 2023, tornou-se obrigatória a inclusão de regras de conduta quanto ao assédio sexual e outras formas de violência. Assim surgiu a CIPA+A, a nova sigla para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio. Com esse dispositivo, todas as formas de discriminação, como aquelas direcionadas a pessoas LGBTQIA e pessoas com deficiência, seriam explicadas para garantir um ambiente de trabalho saudável para todos.

Novamente, empresas com menos de 100 empregados não são obrigadas a ter CIPA, mas as denúncias podem ser realizadas no próprio sindicato ou com a abertura de uma ação judicial. Outro caminho seria denunciar através da carteira de trabalho digital, que oferece um link para esse fim, acionando o Ministério do Trabalho para fiscalizar o caso.

Karollen revela que as denúncias costumam ser feitas quando as mulheres se demitem da empresa, como forma de evitar exposição e retaliação. No entanto, ela assegura que a funcionária pode realizá-lo enquanto ainda está empregada, pois “o sigilo é sempre muito absoluto e o que a gente indica é que ele é crucial”.

Outro desdobramento da lei 14.457/2022 foi o programa Emprega + Mulheres, cujo objetivo é incentivar o aprendizado profissional e de estabelecer medidas que apoiem o cuidado de crianças pequenas e dependentes, a partir de 3 eixos:

<< Flexibilidade na jornada de trabalho:

•        Trabalho remoto

•        Jornada 12 x 36

•        Meia jornada

•        Banco de horas

•        Horário flexível de entrada e saída

<< Apoio à parentalidade:

•        Licença-maternidade ampliada para 240 dias; os últimos 60 dias podem ser trocados com o/a cônjuge ou por meia jornada durante 120 dias.

•        Reembolso-creche

•        Antecipação de férias durante o primeiro ano de vida do filho ou enteado

<< Incentivo à qualificação profissional:

•        Microcrédito entre 2 e 5 mil reais

•        Apoio à prevenção e combate ao assédio sexual

 

•        Total de sindicalizados atinge menor patamar da história

 

A Reforma Trabalhista de 2017 combinada com os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reduziram a quantidade de trabalhadores do país filiados a sindicatos ao menor número da história. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao final de 2022, pela primeira vez, o Brasil fechou o ano com menos de 10 milhões de sindicalizados – 9,1 milhões, exatamente – e também com menos de 10% de empregados associados a uma entidade de classe – 9,2%.

Em 2021, o número era de 10,6 milhões de filiados, o que correspondia a 11,2% da população ocupada. Já em 2012 –ou seja, dez anos antes –, o Brasil tinha 14,4 milhões de trabalhadores sindicalizados, os quais representavam 16,1% dos ocupados.

Esses dados foram levantados pelo IBGE durante a realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Foram divulgados em setembro do ano passado e, até o momento, são o retrato mais atual de um movimento que vem sendo monitorado há anos por lideranças sindicais e pesquisadores, mas que se intensificou devido a mudanças na legislação trabalhista e à crise econômica enfrentada na gestão bolsonarista.

“Chegamos ao fundo do poço”, admitiu Ricardo Patah, presidente da central União Geral dos Trabalhadores (UGT) e também do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos maiores do país, em entrevista ao Brasil de Fato. “Enfrentamos uma convulsão da estrutura sindical, e o trabalhador acabou não vendo mais sentido a sua filiação.”

•        Reforma Trabalhista

Segundo Patah, a reforma trabalhista mexeu de forma brusca com a arrecadação dos sindicatos. Isso porque a nova legislação mudou a forma de cobrança do chamado imposto sindical, passando a exigir que somente trabalhadores que tivessem expressado formalmente o interesse em contribuir com as entidades tivessem o valor equivalente a um dia de trabalho por ano descontado de seus pagamentos – antes, o desconto era feito de todos que não se opusessem.

Desde então, entidades que representam trabalhadores perderam quase 99% do que recebiam referente à contribuição. Segundo o Ministério do Trabalho, em 2017, R$ 2,233 bilhões haviam sido repassados a entidades laborais, incluindo federações, confederações e centrais. Em 2021, os repasses baixaram para R$ 21,4 milhões.

“Ficamos sem recursos para prestar os serviços. A consulta médica, o dentista, o lazer”, lembrou Patah, justificando queda de filiados.

•        Bolsonaro

Aliada à essa crise, veio a crise econômica. Nos quatro de Bolsonaro, a economia brasileira cresceu 1,5% ao ano em média. Em 2020, ano da pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a encolher 3,3%, com consequente aumento do desemprego.

Nesse cenário, lembrou Patah, os sindicatos pouco podiam fazer para pressionar empresas por aumentos reais de salários dos trabalhadores. Perderam, inclusive, parte de sua base já que muitos empregados formais foram demitidos. Acabaram encolhendo.

“No Brasil, o sindicato só representa o trabalhador formal. A informalidade e a rotatividade são problemas para os sindicatos, e isso acelerou”, acrescentou Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

•        Mais problemas

Segundo Augusto Junior, os sindicatos também sofrem hoje com a perda de identificação do trabalhador com sua categoria. “Há 30 anos, o metalúrgico perdia um trabalho da Ford, buscava outro trabalho como metalúrgico na Volks e, em último caso, tentava se recolocar numa autopeças. Hoje, ele sai de uma montadora e tenta emprego na construção civil, arruma um trabalho no comércio. Não está mais ligado a uma profissão”, explicou.

Patah, da UGT, afirmou que a tecnologia também acabou gerando trabalho para muitos empregados formais que foram desligados ano após ano de suas empregadoras. Citou, por exemplo, o caso dos aplicativos para motoristas e entregadores, para os quais 1,5 milhão de pessoas prestavam serviços ao final de 2022. Lembrou que eles não são sindicalizados, já que aos olhos da lei são trabalhadores informais.

Augusto Junior ressaltou ainda que, para os formais, atualmente, não há diferença prática para quem é ou não sindicalizado – o que não incentiva a filiação. Também por lei, ele diz que acordos sobre reajustes e outras melhorias fechados por sindicatos devem valer para toda categoria representada. Assim, mesmo não estando filiado ou contribuindo com a entidade sindical, um trabalhador acaba sendo beneficiado pela sua representação.

“Hoje, ser sindicalizado é uma decisão política”, complementou o economista. “O sindicato garante o direito de todos, mas hoje não consegue uma contribuição de todos.”

•        Reforma sindical

Augusto Junior defende uma reforma sindical que garanta o direito dos sindicatos de garantir sua sustentabilidade. Por meio dessa reforma, as entidades poderiam prever nos acordos coletivos que todos os trabalhadores beneficiados em negociações contribuíssem com parte de ganhos para manutenção de sua representação.

Propostas como essa, aliás, foram debatidas num grupo de trabalho criado pelo governo no ano passado para debater formas de fortalecer a negociação coletiva entre patrões e empregados. A expectativa era que desses debates saísse um projeto de lei que seria enviado ao Congresso Nacional, numa mini “contrarreforma trabalhista”. Esse projeto, porém, nunca foi formalmente apresentado ao público nem a parlamentares.

Patah disse que ainda espera do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-líder sindical, uma atitude em prol do fortalecimento dos sindicatos. Ressaltou que, independentemente dela, o “pior já passou” para as entidades sindicais. Elas, aos poucos, estão encontrando formas para se manter e continuar zelando pelos trabalhadores.

Patah lembrou que, também por conta da situação econômica, 77% dos acordos salariais fechados no ano passado obtiveram aumentos acima da inflação para os trabalhadores. Isso, disse ele, voltou a despertar confiança dos empregados em suas entidades sindicais. A procura por filiação mudou por conta disso. “Acho que, em dois anos, conseguiremos estar num patamar igual ao de antes da Reforma Trabalhista”, disse.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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