Promoção da equidade de gênero no trabalho
avança, mas tropeça nas pequenas empresas
“Infelizmente, o
número de mulheres em cargos inferiores é maior hoje em dia; em cargos de
gestão é menor, e os salários são menores. É uma questão cultural que ainda
precisa ser muito debatida e tem muito o que se caminhar para poder evoluir”.
Assim a advogada trabalhista Karollen Gualda descreve o mercado de trabalho
atual no país, neste mês de maio, em que refletimos sobre a história de luta
dos trabalhadores em todo o mundo.
Como forma de combater
essa realidade rumo à equidade no mercado de trabalho no Brasil, algumas
medidas têm sido desenvolvidas a nível federal nos últimos anos. Em entrevista
ao GGN, Karollen Gualda nos menciona algumas como o Relatório de Transparência Salarial,
o Emprega + Mulheres e o CIPA + A.
Após a lei 14611/2022
ser sancionada, as empresas com 100 ou mais empregados precisam divulgar o
Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios. A iniciativa
conjunta do Ministério do Trabalho e do Ministério das Mulheres pretende colher
informações sobre o critério de proatividade para compreender as políticas de
contratação de mulheres de cada empresa.
Como parte do projeto,
tais empresas precisam adotar medidas que garantam a igualdade de gênero,
incluindo transparência salarial, fiscalização contra a discriminação, canais
de denúncia, programas de diversidade e inclusão, além de apoio à capacitação de
mulheres.
Apesar de que medidas
como essa facilitam a superação do abismo entre homens e mulheres no mercado de
trabalho, ainda estamos falando de um setor específico. “A realidade é que as
grandes iniciativas, as grandes oportunidades de crescimento de carreira e de
igualdade salarial, se vê nas empresas maiores”, afirma Karollen, mencionando
empresas cuja cultura já estão alinhadas a esse pensamento ou as
multinacionais.
Portanto, empresas de
pequeno e médio porte, onde mulheres em situação mais precária são empregadas,
não são abarcadas pelo projeto, embora “elas também são obrigadas a respeitar a
igualdade salarial e podem ser fiscalizadas da mesma forma”, como reforça a
advogada.
Para Karollen, faltam
incentivos e oportunidades para que pequenas e médias empresas possam estar
engajadas em oferecer um ambiente de trabalho mais fértil para as mulheres.
Nesse sentido, acordos coletivos com sindicatos para reivindicar medidas como o
auxílio-creche poderiam ser uma alternativa. Porém, o encarecimento da
contratação de mulheres pode afetar sua empregabilidade.
“A preocupação é: se
isso encarece para a pequena empresa, até que ponto a empresa vai querer
contratar uma mulher em idade fértil, que vai ser mãe e que ela sabe que,
quando essa mulher voltar da licença-maternidade, ela vai ter um custo maior”,
detalha a advogada.
Esse é justamente o
cenário em que estão mulheres mais pobres e racializadas. São elas que
enfrentam maiores dificuldades para serem alçadas a cargos de chefia e sofrem
mais assédio moral e sexual. “A quantidade de denúncias de assédio moral e
sexual com relação a mulheres negras também é muito grande, chegam a ser maior
que das mulheres brancas”, afirma Gualda.
O próprio
desconhecimento do que é o assédio e a capacidade de diferenciá-lo entre outros
comportamentos faz parte do problema. Por isso, existe a necessidade de ensinar
aos empregados o que é o assédio através da CIPA, criando canais de recebimento
de denúncias sigilosas.
Em decorrência da lei
14.457/2022, houve uma alteração no caráter da Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (CIPA), pois, a partir de março de 2023, tornou-se obrigatória a
inclusão de regras de conduta quanto ao assédio sexual e outras formas de violência.
Assim surgiu a CIPA+A, a nova sigla para Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes e de Assédio. Com esse dispositivo, todas as formas de discriminação,
como aquelas direcionadas a pessoas LGBTQIA e pessoas com deficiência, seriam
explicadas para garantir um ambiente de trabalho saudável para todos.
Novamente, empresas
com menos de 100 empregados não são obrigadas a ter CIPA, mas as denúncias
podem ser realizadas no próprio sindicato ou com a abertura de uma ação
judicial. Outro caminho seria denunciar através da carteira de trabalho
digital, que oferece um link para esse fim, acionando o Ministério do Trabalho
para fiscalizar o caso.
Karollen revela que as
denúncias costumam ser feitas quando as mulheres se demitem da empresa, como
forma de evitar exposição e retaliação. No entanto, ela assegura que a
funcionária pode realizá-lo enquanto ainda está empregada, pois “o sigilo é
sempre muito absoluto e o que a gente indica é que ele é crucial”.
Outro desdobramento da
lei 14.457/2022 foi o programa Emprega + Mulheres, cujo objetivo é incentivar o
aprendizado profissional e de estabelecer medidas que apoiem o cuidado de
crianças pequenas e dependentes, a partir de 3 eixos:
<< Flexibilidade
na jornada de trabalho:
• Trabalho remoto
• Jornada 12 x 36
• Meia jornada
• Banco de horas
• Horário flexível de entrada e saída
<< Apoio à
parentalidade:
• Licença-maternidade ampliada para 240
dias; os últimos 60 dias podem ser trocados com o/a cônjuge ou por meia jornada
durante 120 dias.
• Reembolso-creche
• Antecipação de férias durante o primeiro
ano de vida do filho ou enteado
<< Incentivo à
qualificação profissional:
• Microcrédito entre 2 e 5 mil reais
• Apoio à prevenção e combate ao assédio
sexual
• Total de sindicalizados atinge menor
patamar da história
A Reforma Trabalhista
de 2017 combinada com os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) reduziram a quantidade de trabalhadores do país filiados a sindicatos ao
menor número da história. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), ao final de 2022, pela primeira vez, o Brasil
fechou o ano com menos de 10 milhões de sindicalizados – 9,1 milhões,
exatamente – e também com menos de 10% de empregados associados a uma entidade
de classe – 9,2%.
Em 2021, o número era
de 10,6 milhões de filiados, o que correspondia a 11,2% da população ocupada.
Já em 2012 –ou seja, dez anos antes –, o Brasil tinha 14,4 milhões de
trabalhadores sindicalizados, os quais representavam 16,1% dos ocupados.
Esses dados foram
levantados pelo IBGE durante a realização da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) Contínua. Foram divulgados em setembro do ano passado e, até
o momento, são o retrato mais atual de um movimento que vem sendo monitorado há
anos por lideranças sindicais e pesquisadores, mas que se intensificou devido a
mudanças na legislação trabalhista e à crise econômica enfrentada na gestão
bolsonarista.
“Chegamos ao fundo do
poço”, admitiu Ricardo Patah, presidente da central União Geral dos
Trabalhadores (UGT) e também do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos
maiores do país, em entrevista ao Brasil de Fato. “Enfrentamos uma convulsão da
estrutura sindical, e o trabalhador acabou não vendo mais sentido a sua
filiação.”
• Reforma Trabalhista
Segundo Patah, a
reforma trabalhista mexeu de forma brusca com a arrecadação dos sindicatos.
Isso porque a nova legislação mudou a forma de cobrança do chamado imposto
sindical, passando a exigir que somente trabalhadores que tivessem expressado
formalmente o interesse em contribuir com as entidades tivessem o valor
equivalente a um dia de trabalho por ano descontado de seus pagamentos – antes,
o desconto era feito de todos que não se opusessem.
Desde então, entidades
que representam trabalhadores perderam quase 99% do que recebiam referente à
contribuição. Segundo o Ministério do Trabalho, em 2017, R$ 2,233 bilhões
haviam sido repassados a entidades laborais, incluindo federações,
confederações e centrais. Em 2021, os repasses baixaram para R$ 21,4 milhões.
“Ficamos sem recursos
para prestar os serviços. A consulta médica, o dentista, o lazer”, lembrou
Patah, justificando queda de filiados.
• Bolsonaro
Aliada à essa crise,
veio a crise econômica. Nos quatro de Bolsonaro, a economia brasileira cresceu
1,5% ao ano em média. Em 2020, ano da pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB)
chegou a encolher 3,3%, com consequente aumento do desemprego.
Nesse cenário, lembrou
Patah, os sindicatos pouco podiam fazer para pressionar empresas por aumentos
reais de salários dos trabalhadores. Perderam, inclusive, parte de sua base já
que muitos empregados formais foram demitidos. Acabaram encolhendo.
“No Brasil, o
sindicato só representa o trabalhador formal. A informalidade e a rotatividade
são problemas para os sindicatos, e isso acelerou”, acrescentou Fausto Augusto
Junior, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese).
• Mais problemas
Segundo Augusto
Junior, os sindicatos também sofrem hoje com a perda de identificação do
trabalhador com sua categoria. “Há 30 anos, o metalúrgico perdia um trabalho da
Ford, buscava outro trabalho como metalúrgico na Volks e, em último caso,
tentava se recolocar numa autopeças. Hoje, ele sai de uma montadora e tenta
emprego na construção civil, arruma um trabalho no comércio. Não está mais
ligado a uma profissão”, explicou.
Patah, da UGT, afirmou
que a tecnologia também acabou gerando trabalho para muitos empregados formais
que foram desligados ano após ano de suas empregadoras. Citou, por exemplo, o
caso dos aplicativos para motoristas e entregadores, para os quais 1,5 milhão
de pessoas prestavam serviços ao final de 2022. Lembrou que eles não são
sindicalizados, já que aos olhos da lei são trabalhadores informais.
Augusto Junior
ressaltou ainda que, para os formais, atualmente, não há diferença prática para
quem é ou não sindicalizado – o que não incentiva a filiação. Também por lei,
ele diz que acordos sobre reajustes e outras melhorias fechados por sindicatos
devem valer para toda categoria representada. Assim, mesmo não estando filiado
ou contribuindo com a entidade sindical, um trabalhador acaba sendo beneficiado
pela sua representação.
“Hoje, ser
sindicalizado é uma decisão política”, complementou o economista. “O sindicato
garante o direito de todos, mas hoje não consegue uma contribuição de todos.”
• Reforma sindical
Augusto Junior defende
uma reforma sindical que garanta o direito dos sindicatos de garantir sua
sustentabilidade. Por meio dessa reforma, as entidades poderiam prever nos
acordos coletivos que todos os trabalhadores beneficiados em negociações
contribuíssem com parte de ganhos para manutenção de sua representação.
Propostas como essa,
aliás, foram debatidas num grupo de trabalho criado pelo governo no ano passado
para debater formas de fortalecer a negociação coletiva entre patrões e
empregados. A expectativa era que desses debates saísse um projeto de lei que
seria enviado ao Congresso Nacional, numa mini “contrarreforma trabalhista”.
Esse projeto, porém, nunca foi formalmente apresentado ao público nem a
parlamentares.
Patah disse que ainda
espera do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-líder
sindical, uma atitude em prol do fortalecimento dos sindicatos. Ressaltou que,
independentemente dela, o “pior já passou” para as entidades sindicais. Elas,
aos poucos, estão encontrando formas para se manter e continuar zelando pelos
trabalhadores.
Patah lembrou que,
também por conta da situação econômica, 77% dos acordos salariais fechados no
ano passado obtiveram aumentos acima da inflação para os trabalhadores. Isso,
disse ele, voltou a despertar confiança dos empregados em suas entidades sindicais.
A procura por filiação mudou por conta disso. “Acho que, em dois anos,
conseguiremos estar num patamar igual ao de antes da Reforma Trabalhista”,
disse.
Fonte: Jornal
GGN/Brasil de Fato
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