terça-feira, 21 de maio de 2024

Prefeito de Eldorado do Sul terraplanou terreno em APA às margens do Rio Jacuí

A EVG Terraplanagem e Transporte, empresa da família do prefeito de Eldorado do Sul (RS), Ernani Gonçalves (PDT), realizou obra irregular de aterramento dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) na região metropolitana de Porto Alegre. O caso ocorreu em 2013 na APA do Delta do Jacuí, entre o primeiro e o segundo mandatos de Ernani como prefeito e gerou uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), que apontou danos ambientais resultantes do serviço.

O aterro “impede e dificulta o desenvolvimento da vegetação naquela porção de Ilha das Flores, assim como modifica o sistema hídrico da área e de seu entorno, rico em banhados, em campos inundáveis, com impactos sobre a flora e a fauna da região”, dizia o documento do MPRS, na época.

A área, uma faixa urbanizada estreita na APA do Delta do Jacuí, fica entre os municípios de Eldorado do Sul e Porto Alegre, uma das regiões mais atingidas pelas enchentes que devastaram o estado nas últimas semanas. Ainda de acordo com o documento do MP, a licença ambiental para a realização do trabalho estava vencida.

“Ernani de Freitas Gonçalves afirmou para a Autoridade Policial que possui uma empresa de terraplanagem, explicando ter sido contratado pelo acusado no ano de 2013”, informa o texto da ação. O serviço consistia em nivelar o terreno, utilizando escavadeira hidráulica com esteira.

Os contratantes da obra de terraplanagem eram Ivo Emar Maciel Schmitt, responsável pela licença, e Elaine Carbon Bettio, apontada na ação como proprietária do terreno, ambos denunciados pelo MP. Ivo, que foi absolvido no processo, já faleceu. Ele havia sido contratado por Elaine e subcontratou a empresa ligada a Ernani.

A EVG Terraplanagem e Transporte está registrada em nome de Neusa dos Reis Gonçalves, esposa do prefeito, e de Guilherme dos Reis Gonçalves. Na ocasião da fiscalização, havia um funcionário da empresa no local. Posteriormente, Ernani foi chamado para prestar depoimento às autoridades policiais.

PRESERVAÇÃO DO DELTA DO JACUÍ É CENTRAL PARA CONTENÇÃO DE ENCHENTES

A APA do Delta do Jacuí foi criada em 2005, por meio da Lei Estadual nº 12.371 e abrange uma área de 22.826 hectares, entre os municípios de Porto Alegre, Eldorado do Sul, Canoas, Nova Santa Rita e Triunfo. O local abriga o Parque Estadual Delta do Jacuí, uma área de proteção integral que corresponde a 62% do território da APA.

De acordo com a lei de criação, a  APA é composta por terras públicas e privadas e tem por finalidade a proteção dos recursos hídricos ali existentes, em especial as áreas de influência fluvial, os ecossistemas de banhados, restingas e floresta estacional decidual, com o objetivo de disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Em agosto de 2023, deputados estaduais instalaram a Frente Parlamentar em Defesa da Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Delta do Jacuí e do Parque Estadual Delta do Jacuí (PEDJ), na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Entre as propostas da frente está a efetivação dos Planos de Manejo das Unidades de Conservação.

O Rio Jacuí é responsável por 85% das águas que abastecem o Lago Guaíba, cartão postal e principal via de escoamento hídrico da capital gaúcha com o mar. Os banhados e campos alagáveis cumprem uma importante função ecossistêmica: eles drenam até 60% da água das chuvas, retendo o fluxo dos rios e reduzindo o risco de enchentes.

Em entrevista concedida no ano passado ao portal Sul 21, o coordenador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, Rualdo Menegat, já alertava para o aumento na incidência de mega inundações associada à conversão das áreas inundáveis para uso agrícola e imobiliário: “Há elementos agravantes que são relativos ao uso do solo, tanto rural, como também no urbano”, pontuou. “Isso agrava essas enchentes de uma forma avassaladora”.

FILHO DO PREFEITO CHEGOU A SER PRESO DURANTE O PRIMEIRO MANDATO

Ernani Gonçalves está em seu terceiro mandato como prefeito em Eldorado do Sul. Ele esteve à frente do Executivo municipal entre 2009 e 2012 e voltou à prefeitura no período de 2017 a 2020.

Em 2012, um ano antes da investigação relativa à obra irregular de terraplanagem realizada pela EVG, a Justiça determinou a exoneração por nepotismo de três secretários municipais. Um deles, o filho Vanderlan dos Reis Gonçalves, chegou a ser preso, em 2010, por posse ilegal de armas. (A EVG tem as iniciais de Ernani, Guilherme e Vanderlan.)

A ação ajuizada pelo Ministério Público Estadual aponta que os titulares das pastas de Transportes e Trânsito, Vanderlan Gonçalves, de Assistência Social e Trabalho, Neusa dos Reis Gonçalves, e de Compras e Patrimônio, Edi Elesbão da Luz Reis, eram filho, esposa e cunhado do prefeito.

A reportagem buscou contato com a prefeitura de Eldorado do Sul, mas não obteve retorno até o fechamento.

 

•        Povos indígenas do Rio Grande do Sul manifestam-se contra a lei do marco temporal no STF

 

O Povo Xokleng, de Santa Catarina, instaurou um incidente de inconstitucionalidade sobre a Lei n°14.701/2023, a lei que estabelece o marco temporal da Constituição Federal de 1988 para a demarcação de terras indígenas, no âmbito do RE 1.017.365 (Tema 1031), que trata sobre o assunto, com repercussão geral, no Supremo tribunal Federal. O Ministro Edson Fachin recebeu a petição e, no dia 08 de maio, abriu prazo para a manifestação das partes e dos amicus curiae, dentre os quais os povos originários do Rio Grande do Sul estão habilitados.

Assim que os Povos das Terras Indígenas Passo Grande do Rio Forquilha, Kandóia, Rio dos Índios, Votouro, GojJur, GojVéso, Acampamento SEASA, Campo do Meio, Carazinho, Mato Castelhano, Sêgu, Araça’í, Palmas e Toldo do Pinhal protocolaram no dia 18 de maio, por meio de seus advogados, petição reforçando o argumento do Povo Xokleng contra a famigerada lei que estabelece o marco temporal.

Como é sabido de todos, a Constituição Federal não estabelece marco temporal; pelo contrário, são reconhecidos aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (artigo 231, da CF). Se for aceita norma que determine marco temporal, estar-se-á atingindo direitos humanos fundamentais, cláusula pétrea da Constituição.

Ainda deve-se lembrar que a Constituição de 1988 é marco da redemocratização do País, findando com a Ditadura Civil-Militar. A Constituição foi fruto de intensas mobilizações da sociedade por democracia e por direitos, com forte participação do movimento indígena. Muitos povos, comunidades indígenas foram removidos de suas terras por ação dos governos militares e seus parceiros. Se, por acaso, a tese do marco temporal sobressair, significará a efetivação dos crimes, das violações perpetradas pela Ditadura, justamente o que a Constituição veio superar e reparar.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas/Combate Racismo Ambiental

 

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