Quanto mais fértil, maior a chance de
morrer mais cedo
Por que os indivíduos
deixam de se reproduzir quando chegam à velhice? Esse tem sido um dos enigmas
da evolução humana. Agora, cientistas acreditam que o envelhecimento pode ser
justamente uma consequência de como os humanos evoluíram para a reprodução.
Um estudo analisou os
genes de mais de 276 mil participantes do UK Biobank – um grande estudo de
biobanco de longo prazo no Reino Unido – e descobriu que portadores de
variações genéticas que estimulam a reprodução têm menor probabilidade de
sobreviver até a velhice. Ou seja, quanto mais fértil um indivíduo, mais cedo
ele pode morrer.
"Confirmamos a
hipótese da pleiotropia antagonista, que diz que as mutações que incentivam a
reprodução têm maior probabilidade de reduzir o tempo de vida", diz
Jianzhi Zhang, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e autor sênior
do estudo publicado na revista científica Science.
Segundo a pesquisa,
portadores de variações genéticas que favorecem a reprodução têm maior
probabilidade de morrer aos 76 anos de idade.
O estudo também
mostrou que essas variações genéticas aumentaram ao longo das gerações entre
1940 e 1969, o que significa que os seres humanos ainda estão evoluindo e
fortalecendo essa característica.
"Isso mostra que
o padrão evolutivo de alta reprodução e baixa sobrevivência [e vice-versa]
ainda é visível nos seres humanos modernos. Nossas variantes genéticas são o
produto de centenas de milhares de anos de evolução. O que é surpreendente é
que, apesar de termos uma saúde muito melhor do que nunca, esse padrão ainda é
visível", afirma Steven Austad, especialista em pesquisa de envelhecimento
da Universidade do Alabama, nos EUA, que não participou do estudo.
• Por que os humanos são inférteis na
velhice?
Há algum tempo, os
cientistas vêm se perguntando sobre as origens evolutivas do envelhecimento.
Não está claro por que, de uma perspectiva evolutiva, o desempenho reprodutivo
cai com a idade. Certamente, ser mais fértil na velhice seria uma vantagem evolutiva,
pois daria mais tempo para os indivíduos passarem seus genes adiante.
Mas não é bem assim,
de acordo com a teoria da pleiotropia antagonista. Ela prevê que os benefícios
da fertilidade no início da vida são responsáveis pelo terrível custo do
envelhecimento.
"É a ideia de que
algumas características [e variantes genéticas que as causam] são importantes
quando somos jovens, ajudando-nos a crescer fortes e a ser férteis. Mas, quando
envelhecemos, essas mesmas características podem começar a causar problemas e
nos tornar frágeis e pouco saudáveis. É como se algumas mutações tivessem dois
lados: um lado bom quando somos jovens e um lado não tão bom quando somos
velhos", explica Arcadi Navarro Cuartiellas, geneticista da Universidade
Pompeu Fabra em Barcelona, na Espanha.
Agora, a nova pesquisa
na Science, da qual Cuartiellas não participou, fornece evidências robustas de
uma grande amostra de seres humanos para confirmar a hipótese da pleiotropia
antagonista.
Um exemplo dessa
teoria são os efeitos da menopausa e da perda de fertilidade feminina. Os
óvulos vão se exaurindo ao longo da vida da mulher. Isso a torna mais fértil na
idade adulta jovem, mas resulta em perda de fertilidade mais tarde, durante a
menopausa.
Biólogos acreditam que
os benefícios dos ciclos regulares para a reprodução podem superar o custo da
infertilidade em uma idade mais avançada. A desvantagem é que a menopausa
acelera o envelhecimento.
"Outro exemplo é,
digamos, uma variante genética que aumenta a fertilidade de modo que a mulher
tem maior probabilidade de ter gêmeos. Evolutivamente, isso pode ser vantajoso,
porque ela deixará potencialmente mais cópias dessa variante do que as mulheres
que têm bebês únicos. No entanto, ter gêmeos leva a um desgaste maior do corpo
e, portanto, ela envelhece mais rapidamente. Esse seria um processo de
pleiotropia antagonista", diz Austad.
O inverso também é
verdadeiro. Uma variante genética que reduz a fertilidade no início da vida
provavelmente fará com que a pessoa tenha menos ou nenhum filho, de modo que
ela envelhece mais lentamente, acrescenta o especialista.
• Ambiente afeta o envelhecimento
A teoria da
pleiotropia antagonista, contudo, também é alvo de críticas. Por um lado, ela
não considera os enormes efeitos das mudanças socioeconômicas e do ambiente
sobre o envelhecimento. O estudo tampouco leva em conta isso.
Afinal, os humanos
estão vivendo mais do que nunca na história, e isso se deve principalmente a
uma melhor assistência médica, e não à evolução genética.
"Essas tendências
de mudanças fenotípicas são impulsionadas principalmente por mudanças
ambientais, incluindo mudanças de estilos de vida e tecnologias", afirma
Zhang, um dos autores do estudo. "Esse contraste indica que, em comparação
com os fatores ambientais, os fatores genéticos desempenham um papel menor nas
mudanças fenotípicas humanas estudadas aqui."
Austad, por sua vez,
diz que um resultado surpreendente do estudo foi o fato de os genes
reprodutivos terem um efeito tão forte e observável no envelhecimento.
"Os fatores
ambientais são tão importantes que estou realmente surpreso com o fato de os
padrões [observados neste estudo] ainda serem visíveis, apesar de sua
importância. Acho que essa é a vantagem de ter centenas de milhares de
indivíduos em um estudo", afirma.
• Entendendo doenças relacionadas ao
envelhecimento
A teoria da
pleiotropia antagonista já tinha "montanhas de evidências antes desse
estudo, mas não em humanos", diz Austad. Uma pesquisa em humanos, e com um
tamanho de amostra tão grande, significa que o estudo pode ser importante para
a compreensão de doenças relacionadas ao envelhecimento.
"Em última
análise, algumas dessas variantes poderiam agora ser examinadas para ver se
estão ligadas a certos problemas de saúde posteriores, de modo que esses
problemas possam ser monitorados de perto e possivelmente evitados",
acrescenta o especialista.
Cientistas acreditam
que a teoria pode ajudar a explicar por que muitos distúrbios genéticos graves
são predominantes na longa história evolutiva humana.
A anemia falciforme é
um bom exemplo de pleiotropia antagonista: um distúrbio sanguíneo hereditário
que causa anemia na verdade evoluiu como um mecanismo de proteção contra a
malária.
Segundo o autor Zhang,
a pleiotropia antagonista também pode estar em jogo na doença de Huntington.
"As mutações que causam a doença de Huntington, um distúrbio
neurodegenerativo, também aumentam a fecundidade [o número possível de
descendentes produzidos]", afirma.
Também existe a
hipótese de que mutações no gene que causa a doença de Huntington reduzem as
taxas de câncer.
Ainda segundo Zhang, o
estudo também pode ter implicações para a crescente ciência do
antienvelhecimento. "Em teoria, seria possível mexer com essas mutações
pleiotrópicas antagonistas para prolongar a vida, mas a desvantagem seria
reduzir ou retardar a reprodução."
Fonte: Deutsche Welle
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