Ozempic e ultraprocessados: o ciclo se
fecha
Fabricantes de novos
medicamentos para emagrecimento estão ansiosos com a perspectiva de lucro que
enxergam no horizonte.
O que os
norte-americanos¹ comem, o jeito como fazem dieta e exercícios, o teor de
açúcar em seus refrigerantes e o xarope de milho rico em frutose em seus
alimentos processados têm sido objetos de especulação interminável em Wall
Street. Agora, com medicamentos como Mounjaro, Wegovy e Ozempic, novas
perspectivas de exploração se abriram.
Não se trata de uma
teoria da conspiração dizer que o vício em alimentos é uma ferramenta de lucro
corporativo. Leve em conta que as empresas de tabaco, ao serem reguladas para
conter a adição em cigarro, voltaram suas atenções para a alimentação viciante.
“Nos Estados Unidos, o
maior aumento na prevalência de alimentos hiperpalatáveis ocorreu entre 1988 e
2001 — a era em que os conglomerados de tabaco Philip Morris e R.J. Reynolds
possuíam as maiores empresas de alimentos do mundo”, escreveu o colunista de
saúde do Washington Post, Anahad O’Connor, no ano passado. “Os alimentos que
eles vendiam eram muito mais propensos a ser hiperpalatáveis do que alimentos
semelhantes não pertencentes a empresas de tabaco.”
Muitos desses
alimentos ultraprocessados são especialmente comercializados visando as
crianças, e seu alto consumo altera a sua química cerebral para que desejem
esses produtos por toda a vida. Ficaríamos chocados com a ideia de vender
tabaco para os pequenos, mas as mesmas empresas empurraram alimentos viciantes
para eles. E, embora a Big Tobacco não esteja mais no ramo de alimentos, suas
práticas permanecem difundidas.
À medida que as taxas
de obesidade aumentaram, há um jogo de culpa muito familiar que individualiza o
dano causado por um sistema que prospera com o vício.
Os médicos alertam
seus pacientes que devem lutar para controlar seu peso, restringir suas
calorias e fazer exercícios vigorosos. Programas de TV como o reality show
norte-americano “The Biggest Loser”² consolidaram a narrativa de que a
obesidade é resultado de indivíduos que não conseguem controlar seus impulsos
alimentares. E a obsessão da cultura pop estadunidense com uma magreza
inatingível gera espirais de vergonha e alimenta ainda mais a ideia de que as
pessoas são gordas simplesmente porque são fracas demais e não conseguem se
controlar.
Enquanto isso, há
pouca ou nenhuma regulamentação governamental³ para conter alimentos não
saudáveis nos Estados Unidos. Em vez disso, as soluções oferecidas são
individualizadas, muitas vezes gerando indústrias lucrativas próprias.
Ao lado do marketing
agressivo de alimentos ultraprocessados, há uma indústria de emagrecimento
extremamente lucrativa que se aproveita da vergonha individual para movimentar
mais de 60 bilhões de dólares por ano. Na verdade, algumas das mesmas empresas que
empurram alimentos hipercalóricos estão no ramo da perda de peso.
Hoje, os fabricantes
de medicamentos para emagrecimento são os grandes vencedores na mudança do
cenário de consumo de alimentos e peso, e cobram dezenas de milhares de dólares
por um ano de suprimento — garantindo que apenas os ricos tenham acesso à magreza
que nossa cultura celebra.
O Ozempic, por
exemplo, poderia custar apenas 57 dólares por ano e seu fabricante, Novo
Nordisk, ainda obteria lucro. Em vez disso, está sendo vendido nos EUA por
impressionantes 11.600 dólares por ano. Esses preços não só distanciam esses
medicamentos das pessoas de baixa renda que lutam para controlar seu peso, mas
também das mãos dos diabéticos, para quem foram originalmente destinados.
Por prever que os
preços vão cair assim que o mercado de elite estiver saturado, os fabricantes
de medicamentos procuram garantir seu futuro no mercado, incentivando os
médicos a prescreverem os medicamentos amplamente.
Um especialista em
obesidade chamado Lee Kaplan, que recebeu 1,4 milhão de dólares da Novo
Nordisk, disse a seus colegas médicos: “Vamos precisar usar esses remédios…
enquanto o corpo quiser ter obesidade”. O que ele não diz é que continuará
havendo obesidade enquanto os fabricantes de alimentos empurrarem os
ultraprocessados sem regulação às pessoas.
Em última análise,
nosso apetite individual e nossas cinturas são apenas peões no jogo altamente
lucrativo. A indústria de alimentos ultraprocessados está se tornando
simbiótica com a indústria de medicamentos para perda de peso. A primeira
garante que comemos mal e a segunda está lá para se alimentar de nossa
vergonha.
Fonte: Por Sonali
Kolhatkar, no CounterPunch | Tradução: Gabriela Leite, para Outra Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário