Estiagem, ciclone, tornado: entenda os
fenômenos climáticos extremos que atingiram o RS desde 2023
O Rio Grande do Sul
vem sofrendo com uma série de fenômenos climáticos adversos.
Além das fortes
chuvas, que já deixaram ao menos 162 mortos e mais de 580 mil desalojados, o
Estado enfrentou estiagem, ciclones extratropicais e tornados de um ano para
cá.
São tantos eventos
meteorológicos em tão pouco tempo que às vezes fica difícil acompanhá-los e
entender suas causas e particularidades.
Para ajudar o leitor,
a BBC preparou um glossário dos principais fenômenos.
• Estiagem
O Estado que hoje
enfrenta as maiores enchentes de sua história sofria com a estiagem há um ano.
A estiagem é um
período longo sem chuvas ou com poucas precipitações.
Em março de 2023, 356
municípios gaúchos tinham decretado situação de emergência por conta da falta
de chuvas.
O cenário era tão
grave que o governo federal liberou R$ 430 milhões para uma série de ações
emergenciais.
• El Niño e La Niña
O Rio Grande do Sul é
um dos Estados mais afetados pelos fenômenos El Niño e La Niña.
O primeiro é
caracterizado pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico em sua
porção equatorial.
É uma grande
"língua" de águas mais quentes que o normal que começa na costa da
América do Sul e se estende por um vasto trecho oceano adentro.
A La Niña é o fenômeno
oposto: as águas superficiais da porção equatorial do Oceano Pacífico ficam
mais frias do que o normal.
Em maior ou menor
grau, essas mudanças da temperatura do mar influenciam a circulação atmosférica
de diversas regiões do planeta, impactando seus regimes de temperatura e
precipitações.
No caso do Rio Grande
do Sul, o impacto é evidente: em regra, o Estado tem chuva abaixo do normal em
anos de La Niña e chuvas acima do normal quando o El Niño se estabelece.
As tragédias que o
Estado tem enfrentado deixam muito claros os impactos dos fenômenos.
A estiagem que
castigava o Estado até o começo do ano passado era, em grande medida, resultado
de quase três anos seguidos de La Niña. Depois, ao longo de 2023, o El Niño se
formou e o cenário se inverteu.
Embora o El Niño
esteja em seus últimos momentos no Oceano Pacífico, o fenômeno continuou
influenciando a atmosfera agora em maio. Tanto que a tragédia do Rio Grande do
Sul tem, como afirma a Metsul, as "impressões digitais" do El Niño.
Uma reportagem do
instituto de meteorologia gaúcho explicou que, muitas vezes, o fenômeno causa
um período de chuva excessiva justamente no outono do ano seguinte ao seu
início.
• Bloqueio atmosférico
Ao mesmo tempo em que
o Rio Grande do Sul fica debaixo d'água, o Sudeste e o Centro-Oeste do país
sofrem com temperaturas altíssimas para o mês de maio.
Até o dia 15, as
temperaturas máximas na cidade de São Paulo estavam por volta de 7 graus acima
do normal. Uma sequência de dias com temperaturas de trinta graus ou mais no
meio do outono é absolutamente excepcional e fez os paulistanos sentirem que
estão em janeiro ou fevereiro.
Mas o que isso tem a
ver com as chuvas no Rio Grande do Sul?
Pode-se dizer que
tudo. O calor persistente no centro do país é causado por uma forte área de
alta pressão atmosférica.
É uma espécie de
"domo" que inibe a formação de chuvas, impede as frentes frias de
avançarem e deixa grande parte da umidade bloqueada no Rio Grande do Sul.
Essa situação levou à
formação de diversos fenômenos que causaram a chuva abundante no Rio Grande do
Sul.
"Ao longo deste
período de bloqueio, tivemos uma área de convecção em formato de 'V', uma
frente fria e uma área de baixa pressão", diz Estael Sias, meteorologista
da Metsul.
"O Rio Grande do
Sul ficou espremido entre o ar quente do centro do país e o ar polar que não
consegue subir. Essa zona de contraste fica produzindo sucessivos fenômenos que
despejam água sobre o Estado", explica a meteorologista.
Outro fenômeno muito
importante relacionado ao bloqueio é o Jato de Baixos Níveis, ou JBN. Trata-se
de um corredor de vento que leva o ar quente do norte da América do Sul para as
latitudes mais altas como as do Rio Grande do Sul.
Como o calor serve de
"combustível" para tempestades, é comum que as regiões sob a
influência do jato sofram com tempo severo.
O problema é que esse
jato costuma ondular, o que não vem acontecendo: tem ficado praticamente parado
sobre o Estado gaúcho.
"O JBN é um
veículo de transporte de umidade e ar quente. Ele contribui para a formação de
ciclones, frentes frias e o tipo de instabilidade que enfrentamos", diz
Estael.
"Instabilidades
que dão origem a tornados também têm conexão com o fenômeno. Para o Rio Grande
do Sul, o JBN geralmente está relacionado com eventos extremos", explica a
meteorologista.
"Quando uma
frente fria consegue avançar, o vento sul passa a predominar. Tem geada, frio e
o JBN acaba se dissipando."
• Ciclone extratropical
Outro fenômeno que
aparece com frequência no noticiário é o ciclone extratropical.
Comuns na costa
brasileira, em especial na da região Sul, os ciclones extratropicais são áreas
de baixa pressão atmosférica que formam nuvens carregadas.
Seus ventos, no
Hemisfério Sul, giram no sentido horário. Podem causar muita chuva e vento
forte, mas não têm o mesmo potencial destrutivo dos furacões.
Em linhas gerais, o
fenômeno é formado pelo contraste entre o ar quente e o ar frio. Esse contraste
leva a uma mudança da pressão atmosférica.
Quando o índice está
muito baixo, a umidade que está na superfície vai para a atmosfera e forma
grandes nuvens.
Não é à toa que o
Estado gaúcho é tão afetado pelos ciclones extratropicais. O Rio Grande do Sul
se encontra justamente em uma zona geográfica de transição, com encontros
frequentes de sistemas polares com tropicais.
Mesmo assim, a
recorrência do fenômeno foi surpreendente em 2023. Diversos deles se formaram
ao longo do ano.
O mais significativo,
em junho, deixou um rastro de destruição: de acordo com a Metsul, pelo menos 15
pessoas morreram e 4,3 mil pessoas ficaram desalojadas.
O nordeste do Estado,
incluindo a Grande Porto Alegre, foi a região mais afetada, com volumes de
chuva que chegaram a 350 mm em poucas horas.
• Ciclone subtropical
Muito menos frequente
na costa brasileira, o ciclone subtropical difere do extratropical pela temperatura
de seu centro: enquanto a do primeiro é mais quente que a da atmosfera ao seu
redor, a do ciclone extratropical é mais fria.
Outra diferença é que
o fenômeno não está associado às frentes frias, como ocorre com os
extratropicais.
O ar em seu interior
também se movimenta no sentido horário. Por ser um fenômeno anômalo e atípico,
costuma receber um nome quando sua formação é confirmada.
A última vez que isso
aconteceu foi em fevereiro deste ano, quando o ciclone subtropical Akará
passou, sem causar danos, ao largo do litoral do Sul e Sudeste do Brasil.
O que o Akará teve de
mais interessante foi o fato de que, por um breve período, ele se tornou uma
tempestade tropical, quando há vento sustentado de 63 km/h a 118 km/h. É o
estágio que antecede o do furacão.
• Tornado
Outro fenômeno
relativamente comum no Rio Grande do Sul é o tornado. O mais recente foi
registrado na zona rural da cidade de Gentil, no norte do Estado.
Aqui, novamente a
posição geográfica do Estado, com suas constantes interações entre massas de ar
quente e massas de ar frio, favorece a ocorrência do fenômeno.
Você muito
provavelmente já viu imagens de um tornado: é aquele "funil" que se
forma em nuvens carregadas e desce até tocar o solo. Pode ter um alto potencial
destrutivo a depender de sua intensidade, que vai de 0 a 5 na escala Fujita.
Os mais fortes chegam
a ter ventos de 400 quilômetros por hora. Os tornados, porém, duram pouco
tempo, em regra alguns minutos, e afetam uma área relativamente pequena,
normalmente de alguns poucos quarteirões ou quilômetros.
"Os tornados
fazem parte da nossa climatologia", diz Estael. "Tem uma estatística
que diz que a cada 100 tempestades no estado, uma tem potencial de virar
tornado. Então, não tem a frequência dos Estados Unidos, por exemplo, mas não é
algo anormal."
• Geada
Apesar de o inverno de
2023 ter sido fraco, com temperaturas acima do média, o Rio Grande do Sul
registrou alguns eventos de geada. Mas o que fugiu do padrão mesmo foram as
geadas ocorridas em pleno mês de dezembro.
No dia 27, diversas
localidades do Estado e de Santa Catarina amanheceram com temperaturas abaixo
de 5°C.
A geada se forma
quando há o congelamento do orvalho. Ou seja, nada tem a ver com precipitação:
a geada não "cai" de nuvens, e sim se forma sobre a superfície.
Do ponto de vista da
climatologia, a geada em dezembro foi "bizarra", segundo Estael.
"Mas essa
[bizarra] é uma palavra que temos usado bastante quando falamos de fenômenos
climáticos nestes últimos meses", alerta Estael.
"Lembro de uma
palestra em que nós da Metsul mencionamos que, ano passado, todos os oceanos
estavam mais quentes que o normal e isso nos levava a um terreno desconhecido
para prevermos eventos extremos. Não imaginávamos o que viria nos próximos meses
como consequência do aquecimento dos oceanos"”, diz a meteorologista.
"Acho que isso é
parte da resposta sobre o porquê de tantos eventos extremos. A atmosfera tenta
buscar um equilíbrio, quantos fenômenos extremos ela vai ter que gerar para
conseguir isso?"
Fonte: BBC News Brasil
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