O que
pedido de prisão de Netanyahu significa para Israel
O
primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reagiu
com fúria à notícia de que poderia enfrentar um mandado de prisão por crimes de
guerra e crimes contra a humanidade.
Foi
"um ultraje moral de proporções históricas", ele disse. Israel estava "travando uma guerra
justa contra o Hamas, uma organização terrorista genocida que
perpetrou o pior ataque ao povo judeu desde o Holocausto".
Em
um ataque pessoal amargurado, Netanyahu afirmou que Karim Khan, o
procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI),
era um dos "grandes antissemitas dos tempos modernos".
Khan,
ele disse, era como os juízes da Alemanha nazista que negaram direitos básicos
aos judeus e permitiram o Holocausto.
Netanyahu
acrescentou que a decisão de solicitar mandados de prisão contra o
primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, equivalia a "despejar gasolina friamente
nas fogueiras do antissemitismo que
assolam o mundo".
Netanyahu
falou em inglês no vídeo divulgado por seu gabinete. Ele faz isso quando quer
que sua mensagem chegue ao público estrangeiro que mais interessa a ele,
os Estados Unidos.
Ao
reagir à notícia nesta terça-feira (21/5), o ministro da Defesa israelense,
Yoav Gallant, classificou os mandados de prisão contra ele e o
primeiro-ministro como uma tentativa "vergonhosa" de interferir na
guerra.
"A
tentativa do procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, de
reverter a criação não terá sucesso — o paralelo do promotor entre a
organização terrorista Hamas e o Estado de Israel é desprezível e
repugnante", disse ele em uma postagem no X (antigo Twitter).
"O
Estado de Israel não faz parte do Tribunal, e não reconhece a sua
autoridade", acrescentou.
A
indignação manifestada pelo primeiro-ministro, e ecoada pela liderança política
de Israel, foi gerada por páginas de linguagem jurídica cuidadosamente
selecionada que compõe o comunicado divulgado por Khan, o procurador-chefe do
TPI.
Palavra
por palavra, linha após linha, somam-se uma série devastadora de acusações
contra os três líderes mais proeminentes do Hamas, assim como contra o
primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel.
A
determinação de aplicar o direito internacional e as leis que regem os
conflitos armados a todas as partes, independentemente de quem sejam, está no
cerne do comunicado de Khan, no qual expõe sua justificativa para solicitar os
mandados de prisão.
"Nenhum
soldado raso, nenhum comandante, nenhum líder civil — ninguém — pode agir
impunemente."
A
lei, diz ele, não pode ser aplicada seletivamente. Se isso acontecer,
"estaremos criando condições para o seu colapso".
É a
decisão de questionar da mesma forma a conduta de ambos os lados perante o
modelo do direito internacional que está despertando tanta raiva, e não apenas
em Israel.
O
presidente dos EUA, Joe Biden, disse que era
"ultrajante" solicitar mandados de prisão. Não havia "nenhuma
equivalência – nenhuma – entre Israel e o Hamas".
O
Hamas exigiu, por sua vez, a retirada das acusações contra seus líderes,
alegando que o procurador do TPI estava "igualando a vítima ao
algoz".
O
grupo palestino afirmou que o pedido para emitir mandados de prisão para a
liderança israelense chegou sete meses atrasado, depois de "a ocupação
israelense ter cometido milhares de crimes".
Khan
não faz comparações diretas entre os dois lados, exceto para expor a sua
alegação de que ambos cometeram uma série de crimes de guerra e crimes contra a
humanidade.
Ele
também enfatiza que esta guerra surge no contexto de "um conflito armado
internacional entre Israel e a Palestina, e um conflito armado não
internacional entre Israel e o Hamas".
O
tribunal trata a Palestina como um Estado, uma vez que tem status de observador
na Organização das Nações Unidas (ONU), o que significa que foi capaz de
assinar o Estatuto de Roma que criou o TPI.
Netanyahu
declarou que os palestinos nunca vão ter independência sob o seu comando.
O
presidente de Israel, Isaac Herzog, afirmou que, em vez de enxergar os
paralelos vergonhosos e falsos entre "estes terroristas atrozes e um
governo democraticamente eleito de Israel", grupos de direitos humanos aplaudiram
a forma como o procurador do TPI está tentando aplicar a lei a ambos os lados.
A
B'Tselem, uma importante organização israelense de direitos humanos, disse que
os mandados de prisão representam "o rápido declínio de Israel em um
abismo moral".
"A
comunidade internacional está sinalizando para Israel que (o país) não pode
mais manter sua política de violência, matança e destruição sem ser
responsabilizado", acrescentou.
Ativistas
dos direitos humanos reclamam há muitos anos que grandes potências ocidentais,
lideradas pelos EUA, fazem vista grossa para as violações israelenses do
direito internacional, ao mesmo tempo que condenam e sancionam outros Estados
que não são seus aliados.
As
medidas que estão sendo tomadas por Khan e sua equipe estavam, segundo eles, há
muito tempo sendo aguardadas.
Khan
afirma que os três principais líderes do Hamas cometeram crimes de guerra que
incluem extermínio, homicídio, tomada de reféns, estupro e tortura.
Os
acusados citados são Yahya Sinwar, líder do Hamas em
Gaza, Mohammed Deif, comandante das Brigadas al-Qassam, seu braço militar, e
Ismail Haniyeh, chefe do gabinete político do Hamas.
Como
parte da investigação, Karim Khan e a sua equipe entrevistaram vítimas e
sobreviventes dos ataques de 7 de outubro.
Ele
disse que o Hamas atacou valores humanos fundamentais:
"O
amor dentro de uma família, os laços mais profundos entre pais e filhos foram
distorcidos para infligir uma dor incomensurável por meio de crueldade
calculada e indiferença extrema."
Israel,
acrescentou Khan, tem o direito de se defender. Mas os "crimes
inconcebíveis" não "absolviam Israel da sua obrigação de cumprir o
direito humanitário internacional".
O
fracasso em fazer isso, ele disse, justificava emitir mandados de prisão contra
Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes que incluem a
inanição da população civil como arma de guerra, homicídio, extermínio e
ataques intencionais a civis.
Desde
o início da resposta de Israel aos ataques do Hamas de 7 de outubro, o
presidente Joe Biden fez uma série de reprimendas a Israel, manifestando
preocupação pelo fato de estar matando muitos civis palestinos e destruindo
muitas infraestruturas civis em Gaza.
Mas,
em um cuidadoso exercício de equilíbrio com um aliado próximo que sempre
apoiou, Biden e seu governo não explicaram claramente em público o que queriam
dizer.
Khan
deixa sua interpretação muito clara. Israel, diz ele, escolheu meios criminosos
para alcançar seus objetivos de guerra em Gaza — "especificamente, causar
intencionalmente morte, fome, grande sofrimento e ferimentos graves" em
civis.
Os
juízes do TPI vão analisar agora a possibilidade de emitir os mandados de
prisão. Os Estados signatários do Estatuto de Roma, criador do tribunal, seriam
então obrigados a deter os acusados se tiverem oportunidade.
Os
124 países signatários não incluem a Rússia, a China nem os EUA. Israel também
não assinou o Estatuto.
Mas
o TPI determinou que tem autoridade legal para julgar atos criminosos nesta
guerra porque os palestinos são signatários.
Se
os mandados de prisão forem emitidos, isso significaria que Netanyahu, o
primeiro-ministro de Israel mais longevo no cargo, não seria capaz de visitar
aliados ocidentais próximos sem correr o risco de ser preso.
O
primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, disse que as ações do TPI
"não ajudaram a fazer uma pausa nos combates, libertar os reféns ou
receber ajuda humanitária". Mas se os mandados forem emitidos, a
Grã-Bretanha vai ter que efetuar as prisões, a menos que se consiga argumentar
com sucesso que o primeiro-ministro Netanyahu tem imunidade diplomática.
Uma
exceção muito importante para Netanyahu e Gallant são os EUA. A Casa Branca
acredita que o TPI não tem jurisdição sobre o conflito, uma posição que pode
ampliar a divisão dentro do Partido Democrata de Joe Biden em relação à guerra.
Os
progressistas já saudaram a iniciativa do TPI. E aliados ferrenhos de Israel
entre os democratas podem apoiar medidas republicanas para conseguir aprovar
uma lei que aplique sanções a autoridades do TPI ou até bani-los dos EUA.
Enquanto
rumores dos indiciamentos iminentes se espalhavam pela Europa, pelas Américas e
pelo Oriente Médio semanas atrás, um grupo de senadores republicanos fez um
tipo de ameaça a Khan e à sua equipe que parece ter saído de um filme.
"Mire
em Israel, e nós vamos mirar em você... você foi avisado."
Yoav
Gallant também não poderia viajar livremente. As palavras que ele utilizou ao
anunciar que Israel iria cercar Gaza são frequentemente citadas pelos críticos
da conduta de Israel.
Dois
dias depois dos ataques do Hamas, em 7 de outubro, Gallant declarou:
"Ordenei
um cerco completo à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem comida, nem
combustível, está tudo fechado... estamos lutando contra animais humanos, e
estamos agindo de acordo."
Em
sua postagem no X nesta terça-feira, o ministro da Defesa de Israel reiterou
suas alegações de que "as IDF (sigla em inglês para "Forças de Defesa
de Israel") estão lutando de acordo com o direito internacional, ao mesmo
tempo que realizam esforços humanitários sem precedentes, que nunca foram
realizados em qualquer conflito armado no passado."
Khan
escreveu em seu comunicado que "Israel privou intencionalmente e
sistematicamente a população civil em todas as partes de Gaza de objetos
indispensáveis à sobrevivência humana".
A
fome, diz ele, está presente em algumas partes de Gaza — e é iminente em
outras.
Israel
nega que haja fome, alegando que a escassez de alimentos não é causada por seu
cerco — mas pelos roubos do Hamas e pela incompetência da ONU.
Se
for emitido um mandado de prisão contra Ismail Haniyeh, o chefe do braço
político do Hamas, ele vai ter que repensar suas viagens regulares para se
encontrar com líderes árabes de alto escalão. É provável que ele passe muito
mais tempo em sua base no Catar, país que, assim como Israel, não assinou o
Estatuto de Roma que criou o TPI.
Acredita-se
que os outros dois líderes acusados do Hamas,
Yahya Sinwar e Mohammed Deif, estejam escondidos em algum lugar dentro de Gaza.
Um mandado de prisão não aumenta muito a pressão sobre eles. Israel vem tentando matá-los nos últimos sete meses.
O mandado
de prisão também colocaria Netanyahu dentro da categoria de líderes acusados
pelo tribunal, que inclui o presidente russo, Vladmir Putin, e o
falecido coronel Muammar Gaddafi, da
Líbia.
Putin enfrenta um mandado de prisão pela deportação ilegal e transferência de crianças da
Ucrânia para a Rússia.
Antes
de ser morto, Gaddafi recebeu um mandado de prisão por assassinato e
perseguição de civis desarmados.
Não
são companhias atraentes para Benjamin Netanyahu, líder de um Estado que se
orgulha da sua democracia.
Fonte:
BBC News Mundo
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