Grandes marcas compram créditos de carbono
de esquema suspeito de esquentamento de madeira na Amazônia
Dois grandes projetos
de carbono na Amazônia brasileira, cujos créditos foram vendidos a empresas
como Gol, Nestlé, Toshiba e PwC, podem ter sido usados para lavar madeira
retirada de áreas desmatadas ilegalmente.
A conclusão é do
Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA, na sigla em inglês), uma
organização sem fins lucrativos fundada por procuradores e investigadores. Com
sede na Holanda, a ONG investiga emissores de gases de efeito estufa,
causadores do aquecimento global.
Autoridades
brasileiras já haviam investigado casos de lavagem de madeira nas áreas analisadas pelo CCCA. Uma destas
investigações resultou na condenação do dono de uma empresa responsável por um
dos empreendimentos.
O CCCA fez a análise a
pedido da Mongabay, depois que uma fonte anônima apontou a participação de
pessoas condenadas por lavagem de madeira nos projetos.
O CCCA analisou dois
projetos REDD+ – Unitor e Fortaleza Ituxi – no município de Lábrea, estado do
Amazonas. Juntos, eles abrangem uma área de 140.862 hectares — o tamanho do
município de São Paulo — e visam impedir a emissão de 660.598 toneladas de CO2
por ano ao evitar o avanço do desmatamento em uma das áreas mais pressionadas
da Amazônia.
A sigla REDD+
significa Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. A ideia
é que os proprietários rurais recebam dinheiro para proteger áreas que, sem
este apoio, poderiam ser desmatadas. As emissões evitadas como resultado dessa
proteção podem então ser vendidas como créditos de carbono. As empresas que
compram estes créditos podem dizer aos seus clientes e investidores que estão
“compensando” suas pegadas de carbono e ajudando a combater as mudanças
climáticas ao manter em pé florestas estratégicas.
Os dois projetos
analisados pelo CCCA apostam em planos
de manejo florestal sustentável, um sistema em que a madeira é cortada e
vendida sob rigorosas normas ambientais, como uma das principais ferramentas
para garantir a vigilância da área e evitar o desmatamento ilegal. “A presença
de trabalhadores nas atividades de manejo é o primeiro fator para inibir as
pressões de invasões dentro da Área do Projeto”, informa uma apresentação do
Fortaleza Ituxi. “A maioria das metodologias permite a exploração sustentável
de madeira”, disse à Mongabay Bárbara Bomfim, engenheira florestal brasileira e
especialista em carbono do Lawrence Berkeley National Laboratory, nos Estados
Unidos.
Nesses dois casos, no
entanto, o CCCA encontrou discrepâncias entre o volume de madeira declarado às
autoridades e o que foi estimado com base em imagens de satélite – uma
incompatibilidade que indica que essas áreas podem ter sido usadas para lavar o
equivalente a mais de 4.200 caminhões de madeira.
Em comunicado à
Mongabay, o Grupo Ituxi, empresa por trás de ambos os projetos, negou qualquer
ligação com a lavagem de madeira e disse que todas as suas iniciativas são
auditadas, verificadas e registradas.
No Brasil, toda
madeira comercializada deve vir acompanhada de um DOF, ou Documento de Origem
Florestal, também conhecido como crédito de madeira. Uma vez aprovado o plano
de manejo florestal pelas autoridades ambientais, o proprietário está
autorizado a emitir um número de DOFs correspondente ao volume de árvores que
pode extrair daquela área.
A lavagem de madeira
no Brasil é ilegal e envolve a compra de créditos de madeira falsos, oriundos
de projetos de manejo florestal subexplorados. O crédito é emitido por projetos
aprovados, mas as árvores a que esses créditos correspondem não são cortadas.
Ao invés disso, os criminosos usam os documentos falsos para regularizar
madeira retirada ilegalmente de áreas onde a exploração é proibida, como Terras
Indígenas e áreas de conservação.
Alguns grupos
criminosos no Brasil são especializados em obter a aprovação de planos de
manejo florestal por órgãos ambientais apenas para emitir créditos falsos,
afirmou o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva à Mongabay. “Tem uma
interceptação telefônica em que o dono de uma madeireira fala assim: ‘Eu não
estou preocupado com madeira, madeira eu tenho aqui de graça, eu preciso de
DOF’”, disse ele.
Na Amazônia, Saraiva
trabalhou em algumas das maiores operações contra grupos madeireiros ilegais do
Brasil. “Imagine uma organização criminosa que trabalha com a venda de carros
roubados. Esse carro só vai ser vendido por um valor razoável se ele tiver um
documento. É a mesma coisa com a madeira.”
Para avaliar o tamanho
das áreas exploradas nos planos de manejo florestal dos dois projetos REDD+, o
CCCA usou uma tecnologia de imagens de satélite chamada NDFI (Índice
Normalizado de Diferença de Fração, na sigla em inglês) que mostra as
cicatrizes deixadas na floresta pelos madeireiros. A tecnologia já é usada no
Brasil pela Polícia Federal, pela Secretaria de Meio Ambiente e
Sustentabilidade do estado do Pará, e pelo Simex, o sistema de monitoramento da
exploração de madeira desenvolvido por institutos de pesquisa independentes,
como Imazon, Imaflora, Idesam e ICV.
O CCCA multiplicou a
área explorada mostrada nas imagens de satélite pelo volume médio de madeira
por hectare registrado em cada autorização de plano de manejo florestal. Essa
média é calculada a partir de um inventário florestal realizado in loco pelo proponente
do projeto.
O resultado mostrou ao
CCCA uma estimativa de quanta madeira foi provavelmente extraída durante um
determinado período. A seguir, essa estimativa foi comparada com o volume
declarado ao Ibama no sistema DOF.
Se o volume de madeira
no sistema DOF for muito superior ao da quantidade estimada de madeira, isso
poderá indicar que os créditos adicionais foram usados para encobrir madeira
extraída de outro local e lavada por meio desses projetos.
As análises das áreas
de manejo florestal dos projetos Fortaleza Ituxi e Unitor mostraram diversas
discrepâncias que são fortes indícios de possível lavagem de madeira, segundo o
CCCA. O caso mais marcante é o plano de manejo do Fortaleza Ituxi, que, segundo
as imagens de satélite, teve apenas 35% de sua área explorada de 2018 a 2019,
contabilizando uma estimativa de cerca de 48.588 m3 de madeira.
No sistema DOF, no
entanto, os proprietários do projeto declararam ter extraído 104.700 m³ de madeira da área no mesmo período, mais
que o dobro do volume estimado pelo
CCCA. “Isso é fraude”, disse Saraiva após avaliar as conclusões dos analistas.
O CCCA afirmou que seu
método fornece volumes aproximados e que os números reais só podem ser
determinados por uma auditoria in loco. O relatório completo e a metodologia
podem ser vistos em um relatório publicado no site da organização.
Gustavo Geiser, perito
da Polícia Federal no Pará, disse que sua equipe usa a mesma metodologia do
CCCA quando investiga a extração ilegal de madeira no estado. “Esse caso que
você descreveu, por exemplo, tem fortes indicações de lavagem de madeira”, disse
ele à Mongabay.
Também foram
encontradas discrepâncias nas atividades madeireiras da fazenda Três Barras,
que faz parte do projeto REDD+ Unitor. Em um dos planos de manejo florestal da
fazenda, os proponentes declararam vendas de 25.371 m³ de madeira, mas o CCCA
estimou que eles extraíram, no máximo, 71% desse volume.
Em outro plano de
manejo da mesma fazenda, o volume declarado foi de 24.148 m³, mas o CCCA estima
que eles tenham extraído cerca de 58% disso. O CCCA também encontrou indícios
de lavagem de madeira em outra propriedade do projeto Unitor, a Presidente Prudente,
onde foram declarados 18.547 m³ de uma área explorada. Segundo análise do CCCA,
a área não deveria ter fornecido nem metade desse valor. “Esse é um indício
forte de uma possível transação de crédito sem lastro real na madeira”, disse à
Mongabay Mikael Freitas, analista de dados do CCCA.
No total, a análise do
CCCA sugere que 84.886 m³ de madeira foram cobertos por DOFs potencialmente
falsos emitidos pelos esquemas de créditos de carbono, o suficiente para lavar
o equivalente a mais de 4.200 caminhões de madeira.
“Estou impressionado”,
disse Gustavo Pinheiro, que trabalhou durante mais de uma década em
organizações como a The Nature Conservancy e o Instituto Clima e Sociedade.
“Sabíamos que havia problemas técnicos nestes projetos, especialmente no
Fortaleza Ituxi. Mas isso é algo muito pior. Parece que é um caso de polícia”.
Embora tenham extraído
muito menos madeira do que declararam de algumas áreas, em outras, os
proprietários fizeram o oposto. Na fazenda São Sebastião, parte do projeto
Unitor, imagens de satélite sugerem a extração de 11.859 m³, mas nenhuma
madeira comercializada foi declarada no sistema DOF. O mesmo aconteceu em outro
plano de manejo florestal localizado dentro do empreendimento Fortaleza Ituxi,
onde uma área de mais de 1.700 hectares foi explorada sem a devida
documentação.
“Essa dinâmica de você
ter um plano de manejo executado de um jeito e outro de outro jeito indica um
processo que está muito adaptado às irregularidades do mercado de madeira na
Amazônia”, disse Freitas, do CCCA. Todas as evidências apontam para um modelo
de negócios que não se preocupa com a conservação ambiental, acrescentou. “Pelo
contrário, observamos um esforço de superotimizar o ganho financeiro em cima de
uma área de floresta, tanto pela aparente superexploração da madeira em algumas
áreas como pelo uso de outras áreas para geração de DOF, e também pela geração
de créditos de carbono”.
Tanto o Unitor quanto
o Fortaleza Ituxi são liderados por Ricardo Stoppe Jr., médico de São Paulo, e
certificados pela Verra, uma das maiores plataformas de registros voluntários
do mercado de carbono do mundo e o mais importante para iniciativas REDD+.
A empresa de Stoppe, o
Grupo Ituxi, afirmou em nota ser apenas a proprietária dos planos de manejo
florestal, e que a madeira é explorada por terceiros. “Apenas intermediamos as
relações comerciais com interessados aptos a realizá-la – empresas que detém
equipe e maquinários próprios para a retirada da madeira”, afirma. O Grupo
Ituxi também contestou as conclusões da análise do CCCA, dizendo que as imagens
de satélite não são suficientes para avaliar os volumes reais de exploração de
madeira, o que, acrescentou, só poderia ser feito por meio de inspeção in loco.
Um porta-voz da Verra
disse que a empresa precisa de mais detalhes sobre as análises antes de
comentar as descobertas.
Segundo a revista
Exame, Stoppe é o maior vendedor individual de créditos de carbono do Brasil e
é celebrado como “um dos melhores exemplos de como é possível ganhar dinheiro
mantendo florestas de pé”. “Eu vivo aqui e isso aqui virou a minha vida. Eu hoje
sou apaixonado pela Amazônia”, disse ele em entrevista.
Seus projetos foram
desenvolvidos pela Carbonext, empresa brasileira conhecida como a maior
geradora de créditos de carbono do país e especializada em estruturar os
projetos, calcular suas linhas de base de desmatamento e dar conta de toda a
burocracia em torno de registros e auditorias. Em outubro de 2023,
Em comunicado à
Mongabay, a Carbonext afirmou não estar envolvida com o manejo florestal
realizado na área e que “não existem formas cientificamente reconhecidas para
apuração de volume de madeira em projetos de manejo florestal a partir
unicamente de imagens de satélite”.
• Investigações anteriores apontaram
lavagem de madeira
Antes da análise do
CCCA, autoridades brasileiras já haviam encontrado indícios de lavagem de
madeira nos projetos Unitor e Fortaleza Ituxi.
Em outubro de 2021,
agentes do Ibama foram até a Divisa, uma serraria no distrito de Vista Alegre
do Abunã, à beira da BR-364. Segundo o relatório de fiscalização dos agentes
federais, o objetivo era inspecionar a transação suspeita de 13 DOFs correspondentes
a 233,76 m³ de madeira, que a empresa declarou ter recebido de um plano de
manejo florestal na fazenda Nossa Senhora das Cachoeiras do Ituxi, onde está
localizado o projeto REDD+ Fortaleza Ituxi.
No entanto, quando os
fiscais pediram para ver a madeira, o gerente da serraria disse que “não havia
tido movimentação de madeira, tratando-se apenas de uma movimentação
virtual para ajuste de pátio da empresa Divisa”. Os agentes concluíram que os DOFs
tinham como objetivo “acobertar o mesmo volume de madeira recebido ilegalmente
pela empresa”.
Segundo o Ibama, o
caso era ainda mais grave devido à proximidade da serraria com Terras Indígenas
e áreas protegidas que sofrem pressão de madeireiros ilegais. Os agentes também
disseram que essa poderia ser só a ponta do iceberg, já que outras 11 empresas
receberam 55 DOFs do mesmo plano de manejo florestal em um período em que a
propriedade estava inacessível.
Naquela época, o
projeto de carbono Fortaleza Ituxi já gerava créditos certificados pela Verra.
O Ibama multou o empreendimento de Stoppe, denominado Stoppe LTDA, em 211.500
reais, e bloqueou o acesso da empresa ao sistema DOF. O esquema foi descrito
como um “manejo [florestal] licenciado que se utilizou dos créditos
pré-aprovados para acobertar madeira explorada ilegalmente”. Segundo o Ibama, o
bloqueio foi suspenso menos de um ano depois, em agosto de 2022, por meio de
liminar.
Em seu comunicado, o
Grupo Ituxi afirmou que “houve um problema no registro de um dos documentos”
devido à má conexão com a internet, mas que a madeira foi entregue à Divisa.
As autoridades também
encontraram indícios de lavagem de madeira em algumas fazendas do projeto de
REDD+ Unitor, descrito por seus proponentes como “um consórcio de propriedades
vizinhas (…) que se uniram para desenvolver atividades relacionadas ao carbono
florestal”. A área compreende 12 fazendas em um total de 94.270 hectares.
Em maio de 2023, duas
dessas fazendas – Três Barras e São Sebastião – foram alvo de uma operação
antifraude do Ibama. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, foram suspensas
quatro autorizações de manejo florestal das duas propriedades. Os investigadores,
que, assim como o CCCA, analisaram imagens de satélite e emissões de DOF,
concluíram que o objetivo da fraude no sistema DOF era “acobertar madeira
explorada ilegalmente em outros locais, como Terras Indígenas, Unidades de
Conservação e áreas não autorizadas”.
Stoppe disse à
Mongabay que as fazendas Três Barras e São Sebastião não são administradas pelo
Grupo Ituxi e que a suspensão da autorização de manejo florestal da Três Barras
pelo Ibama foi feita sem qualquer inspeção in loco.
A fazenda Três Barras
é a maior propriedade do projeto Unitor e está localizada a 12 quilômetros da
BR-364. A Mongabay visitou a fazenda em agosto de 2023 e encontrou áreas de
pecuária e manejo florestal. Nenhum dos vizinhos ou funcionários com quem conversamos
disse saber que a propriedade fazia parte de um projeto de compensação de
carbono.
Durante uma operação
da Polícia Federal e do Ministério Público Federal contra a extração ilegal de
madeira em 2017, conhecida como Arquimedes, as autoridades identificaram a área
como um dos locais supostamente usados para gerar DOFs falsos com o objetivo de
encobrir madeira ilegal retirada de outros lugares.
A informação faz parte
de decisão judicial sobre Élcio Aparecido Moço, cuja empresa, a Green Forest
Carbon, é uma das proponentes do Unitor, junto com Stoppe e a Carbonext. As
empresas e os parentes de Moço também são donos da maior parte das terras que compõem
o projeto. Outra empresa dele, a Rio Negro, também é citada nos relatórios da
Verra como responsável pela fiscalização dos planos de manejo florestal do
projeto Fortaleza Ituxi.
Antes de ser
investigado na operação Arquimedes, Moço já havia sido condenado por lavagem de
madeira em 2017. Dois anos depois, um tribunal superior decidiu que o processo
havia prescrito e ele não poderia mais ser punido. Também em 2019, ele seria
denunciado por supostamente subornar dois funcionários públicos com o objetivo
de obter licença para um projeto de manejo florestal. Um juiz assumiu o caso,
mas ainda não foi marcada a data do julgamento.
“Eu lembro do Moço”,
disse Saraiva, que participou da operação Arquimedes. “Ele era um empresário de
madeira bem antigo e tinha boa parte do Ipaam no bolso”, acrescentou,
referindo-se ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas.
A Mongabay fez várias
tentativas de contactar Moço por e-mail e telefone para apresentar as
acusações, mas sem sucesso. O Grupo Ituxi disse que a Operação Arquimedes é
anterior à criação do projeto Unitor.
Moço e o filho de
Stoppe, Ricardo Villares Lot Stoppe, são donos de um conglomerado formado por sete empresas. O grupo inclui a
Rio Grande Produção Florestal, que foi multada em um total de 2,8 milhões de
reais por desmatar 572 hectares em 2021.
Entre os sócios das
empresas também estão pessoas como Cleyliane Lopes de Moura, presa em 2006 por
vender madeira ilegal, e José Luiz Capelasso, que foi condenado por
comercializar DOFs ilegalmente em 2012. Segundo a investigação, ele cobrou 3
mil reais (cerca de 1.500 dólares na época) por documento falso. Num dos
relatórios de verificação do Unitor, Capelasso também é apresentado como
responsável por atividades como “estrutura de gestão operacional” e “período de
geração de créditos”.
Em mensagem de
WhatsApp enviada à Mongabay, Capelasso disse não ser o “proprietário oficial”
dos projetos e recomendou que a Mongabay entrasse em contato com o Grupo Ituxi.
Em relação à multa da Rio Grande, o Grupo Ituxi disse que a área foi desmatada
antes da sua compra pela empresa. A Mongabay não conseguiu contato com Moura.
• Lucros milionários
De acordo com
documentos anexados a uma ação pública, Stoppe e seus sócios haviam ganhado
mais de 80 milhões de reais com créditos de carbono até 2020. Stoppe também
assinou um contrato de opção de compra de até 2,5 milhões de dólares com um
fundo de investimento dos Estados Unidos, em uma operação intermediada pela
empresa brasileira Moss, que se descreve como uma empresa de tecnologia
financeira (fintech) ambiental que atua como corretora de créditos de carbono.
Entre 2022 e 2023, o
projeto Fortaleza Ituxi vendeu mais de 1,2 milhão de créditos de carbono para
empresas, segundo a Verra. A principal cliente é a Moss, que vendeu parte
desses créditos para a companhia aérea GOL.
A Moss disse que todos
os créditos foram comprados e vendidos antes da suposta irregularidade
descoberta durante essa investigação. A GOL disse à Mongabay que todos os
créditos de carbono que a empresa adquiriu da Moss são auditados.
Outras empresas
brasileiras, como o aplicativo de entrega de comida iFood, o Itaú, um dos
maiores bancos do país, e a empresa de vestuário Hering, estão entre os
principais clientes do Fortaleza Ituxi. Os créditos também foram usados para
compensar as emissões da gigante japonesa de eletrônicos Toshiba.
Em suas respectivas
notas, iFood e Itaú afirmaram ter realizado processos internos de devida
diligência antes de comprar os créditos. O Itaú acrescentou: “Qualquer caso
comprovado de fraude ou crime ambiental envolvendo parceiros acarretará a
rescisão da parceria, presente ou futura, e a adoção de todas as medidas
cabíveis”. A Hering disse que os créditos foram adquiridos por meio de uma
importante empresa intermediária, que apresentou documentação de validação e
integridade dos ativos. A Toshiba não respondeu aos pedidos enviados por
e-mail.
Um número ainda maior
de créditos (2,3 milhões) foi vendido pelo projeto de REDD+ Unitor. Seus três
principais clientes são a petrolífera estatal colombiana Ecopetrol, a
mineradora canadense Sigma Lithium Resources e a empresa de auditoria britânica
PwC International. A lista também inclui outras transnacionais, como a Nestlé.
Em uma nota, a
Ecopetrol disse que comprou os créditos de um dos desenvolvedores de projetos
mais reconhecidos do mundo. A Nestlé Brasil informou que adquiriu créditos de
carbono por meio da WayCarbon, empresa líder na área. A Sigma e a PwC não
responderam aos nossos e-mails.
Supostas
irregularidades envolvem outra iniciativa de Stoppe no município de Apuí,
também no estado do Amazonas, que vendeu créditos de carbono a empresas como
Boeing e Spotify. Um juiz de São Paulo bloqueou a venda de créditos do projeto
REDD+ Evergreen em outubro de 2022, depois que a Carbonext levantou dúvidas
sobre o registro fundiário de uma das propriedades do projeto.
O Grupo Ituxi negou
qualquer irregularidade fundiária na Evergreen. A Carbonext afirmou ter
alcançado os objetivos do caso, que já foi encerrado). A Boeing disse não ter
conhecimento das alegações e estar monitorando a situação para informar seus
próximos passos. A Spotify não respondeu aos nossos questionamentos.
No total, Stoppe
possui cinco projetos REDD+ na Amazônia brasileira, cobrindo mais de 400 mil
hectares – equivalente a três quartos do Distrito Federal. Dois desses projetos
ainda estão “em processo de validação” ou “em desenvolvimento” na Verra.
Entre 2020 e 2022,
Stoppe foi citado em investigações da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal contra Chaules Pozzebon, conhecido como um dos maiores desmatadores da
Amazônia, que lavava madeira para um esquema de extração ilegal na divisa dos estados
do Amazonas e Rondônia, na mesma região dos projetos Fortaleza Ituxi e Unitor.
De acordo com as
investigações, Stoppe era suspeito de fornecer a documentação necessária para
“legalizar” a madeira extraída ilegalmente da floresta e de ser uma das
principais fontes de DOFs de uma das serrarias de Pozzebon, chamada J. M.
De dezembro de 2015 a
agosto de 2019, ele teria emitido o equivalente a 57.472 m³ de madeira avaliada
em 4,8 milhões de reais para a J. M., mas as grandes distâncias entre os
projetos de manejo florestal e os supostos clientes chamaram a atenção dos investigadores.
“A distância entre o
manejo e a serraria acaba tornando o transporte oneroso do ponto de vista
comercial. Tal fato indica que o manejo possa estar sendo usado apenas para
destinação de créditos à J. M.”, escreveram os investigadores em um relatório.
O Ministério Público
Federal de Rondônia disse à Mongabay que Stoppe não chegou a ser denunciado pela Polícia Federal nem acusado
pelo Ministério Público, porque não havia provas suficientes contra ele na
época. “Caso surjam novas provas mais robustas contra ele, nada impede a
reabertura das investigações e até mesmo a abertura de um processo”, afirmou o
MPF por e-mail.
O Grupo Ituxi disse à
Mongabay que, “no passado, Chaules Pozzebon foi um dos clientes que fez a
extração do manejo florestal da Fortaleza Ituxi”. Acrescentou que não há
provas de qualquer ligação entre Stoppe e a conduta dos investigados pelas
autoridades.
Documentos públicos
analisados pelo CCCA mostram que os créditos de madeira que indicam lavagem nas
áreas REDD+ foram enviados a dezenas de serrarias, entre elas, quatro empresas
pertencentes a Pozzebon, segundo a Polícia Federal.
De acordo com arquivos
do Ibama, Stoppe e Moço também emitiram DOFs para diversas serrarias com
histórico de multas por armazenamento e transporte de madeira extraída
ilegalmente e por incluir informações falsas no sistema DOF, incluindo Cesar
Ronhiski, com 21 multas, Adelson & Zapeline, com 17 multas, e Madeireira
Bom Jesus, com 11.
Atualmente, Pozzebon
está preso, tendo sido condenado a 100 anos de prisão em 2021 por extorsão e
formação de quadrilha. Em maio de 2023, sua pena foi reduzida para 70 anos.
• Aprovação dos auditores
Atualmente, os
projetos REDD+ não estão sujeitos a nenhuma regulamentação oficial no Brasil,
onde o Congresso ainda discute a aprovação de um mercado regulamentado de
créditos de carbono. Em uma tentativa de obter credibilidade, muitos projetos
de compensação de carbono devem obedecer a metodologias como as criadas pela
certificadora Verra, sediada nos Estados Unidos.
O sistema tem estado
sob intenso escrutínio por parte dos meios de comunicação e da comunidade
científica, seja por exagerar seus resultados ambientais – e, portanto, seus
lucros – ou pela assinatura de contratos injustos e enganosos com comunidades
locais que sediam os projetos.
Em janeiro, o jornal
britânico The Guardian descobriu que mais de 90% das compensações de carbono
das florestas tropicais certificadas pela Verra podem não ter valor. Em agosto
deste ano, um estudo publicado na revista Science mostrou que milhões de créditos
de carbono podem ter sido gerados com base em estimativas exageradas sobre os
benefícios dos projetos à proteção florestal.
Para emitir créditos
de carbono, um projeto deve ser verificado por um auditor independente, mas
essa independência é relativa, uma vez que os honorários dos auditores são
pagos pelo desenvolvedor do projeto. “A auditoria tem que melhorar muito e ela
tem que vir de uma terceira parte de verdade, não escolhida por quem é o
desenvolvedor do projeto”, disse à Mongabay Bárbara Bomfim, que trabalhou no
Berkeley Carbon Trading Project da Universidade da Califórnia. “Porque essa
galera que começa a desenvolver muitos projetos REDD+ vai criando essas
relações com os auditores. Tipo, vou te contratar aqui e eu já tenho dez
projetos previstos, então vamos fazer tudo? Então eles viram parceiros de
negócio.”
A Verra disse que há
várias salvaguardas e padrões éticos para garantir a independência e a
imparcialidade dos auditores, apesar de serem pagos pela entidade auditada.
Nem o relatório de
auditoria do Unitor nem o do Fortaleza Ituxi – preparados pela Earthood (uma
empresa indiana), a Icontec (Colômbia), a Rina (Itália) e a Aenor (Espanha) —
mencionaram quaisquer problemas com os planos de manejo florestal localizados
dentro desses projetos REDD+. A exceção é uma discrepância no volume de madeira
extraída da área do Unitor e declarada pelo proponente do projeto no relatório
de verificação de abril de 2022.
Os auditores da Rina
apontaram um desencontro entre os números declarados em uma tabela e os de uma
planilha que receberam, que não é pública. O caso foi encerrado menos de 20
dias depois, após o proponente do projeto atualizar as informações da tabela.
Por e-mail, a Aenor
disse que todas as informações apresentadas pela Mongabay são anteriores ao seu
processo de verificação do Unitor, que foi de agosto de 2021 a julho de 2022. A
Rina disse que o Verified Carbon Standard (VCS) não exige avaliação de antecedentes
criminais nem análise independente, apenas que o projeto em questão cumpra a
norma. Earthood e Icontec não responderam aos nossos e-mails.
“Os verificadores
sequer são brasileiros, não conhecem a realidade brasileira. Então acaba sendo
uma coisa meio cara-crachá. ‘Tem o documento aqui? Tem, então check’”, disse
Pinheiro, que atualmente trabalha na
empresa de investimentos de impacto Trie Capital. “O fato é que a
metodologia não está atendendo aquilo a que ela se propõe, que é garantir a
integridade dos projetos”.
Fonte: Mongabay
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