Ministros da ala
política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistem para que Fernando
Haddad (Fazenda) amplie as negociações sobre a desoneração da folha de
pagamentos também para empresas, além dos municípios.
Em conversas
reservadas, Haddad diz que não resiste a negociar. Ele afirma que, desde o ano
passado, tenta construir uma alternativa em debates com os setores afetados.
No entanto, o ministro
já expressa a pessoas a par do assunto o temor de que novas discussões abram
brechas para incluir mais setores além dos 17 já contemplados --o que
representaria perda de receita ainda maior em um cenário fiscal de
desequilíbrio.
O governo já ofereceu
uma proposta de reoneração gradual dos setores. O Congresso, porém, não a
abraçou e ainda defende a prorrogação da renúncia fiscal.
O impasse político
levou o governo a recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde conta com um
cenário favorável sobre o tema, mas corre o risco de novos reveses no Congresso
--que pode aprovar outra proposta para estender a desoneração até 2027.
O avanço das
articulações dependerá de uma conversa com o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), hoje contrariado com o recurso do governo ao STF. O ministro
Alexandre Padilha (Relações Institucionais) deverá se reunir com o presidente
da Casa nesta terça-feira (30).
A percepção no Palácio
do Planalto é que Haddad ficará isolado no debate sobre a desoneração da folha
de pagamentos se teimar fazer valer apenas a posição do governo no STF.
Na avaliação de
aliados do presidente Lula, existe ainda risco de derrotas no Congresso caso
Haddad se limite aos termos da proposta já apresentada, de escalonamento da
alíquota aplicada às empresas.
Na noite desta
segunda-feira (29), Haddad afirmou a jornalistas que tem conversado com os
setores afetados e com os representantes dos prefeitos.
"Está havendo
conversas, o placar do STF [pró-reoneração] está deixando claro que temos que
buscar um caminho para não prejudicar a Previdência. A reforma da Previdência
tem uma cláusula que deve ser considerada, se não daqui a três ou cinco anos vai
ter de fazer outra reforma da Previdência se não tiver receita", disse.
"Temos de ter
muita responsabilidade com isso. A receita da Previdência é sagrada, é para
pagar aposentados. Não dá para brincar com essas coisas. Mas acho que está tudo
bem. Conversamos com muita gente. As coisas estão bem. Estou muito confiante. Vai
acontecer o que aconteceu com o Perse [acordo]", afirmou.
O programa de
incentivo ao setor de eventos foi prorrogado com menos custos ao Tesouro.
Em fevereiro, o
Executivo enviou um projeto de lei ao Congresso no qual propõe um escalonamento
da alíquota aplicada às empresas na desoneração.
Segundo relatos, a
relatora da matéria, deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), afirmou a membros do
governo que pretende manter o que foi aprovado pelo Congresso no ano passado.
No começo do mês, o
governo retirou o regime de urgência da proposta a pedido da relatora. Dessa
forma, o texto seguirá em análise pelas comissões temáticas da Câmara antes de
ir à votação em plenário.
Há uma avaliação no
governo, no entanto, de que ela terá de ceder, uma vez que o STF já se
manifestou contrariamente à desoneração sem apresentação de fontes alternativas
de recursos que venham a compensar a perda de arrecadação.
Embora Haddad resista
à retomada das tratativas após uma vitória no Supremo, cresce no governo a
constatação de que será necessário ceder aos 17 setores atingidos pela medida,
sob pena de novas derrotas no Congresso Nacional.
A AGU (Advocacia-Geral
da União) recorreu à corte para suspender lei aprovada no Congresso Nacional no
ano passado que prorrogou a desoneração da folha de municípios e 17 setores da
economia até 2027.
O ministro Cristiano
Zanin deu uma liminar, com efeito imediato, suspendendo a lei. O julgamento já
tem quatro votos favoráveis ao governo, mas foi suspenso após pedido de vista
do ministro Luiz Fux.
Como a Folha de
S.Paulo mostrou, o ministro da Fazenda está disposto a ceder a uma parte de uma
proposta apresentada por municípios que trata da negociação de dívidas e também
da reoneração da folha.
Mesmo que Haddad não
aceite a totalidade da proposta, prefeitos ampliaram a articulação no Congresso
para angariar apoios a uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que abarca a
tese defendida por eles.
Isso inclui a retomada
da reoneração da folha de pagamentos num escalonamento a partir de 8% em 2024,
passando por 10% em 2025, depois 12% em 2026 e fixando em 14% a partir de 2027.
O presidente da CNM
(Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski, disse que o senador
Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou uma emenda aglutinativa à PEC 66, que
trata da dívida de municípios com o regime de Previdência, com a proposta
defendida pelos prefeitos.
Ziulkoski afirmou
também que já reuniu assinaturas de 32 senadores em apoio a essa emenda e que
espera conseguir 50. "Queremos aprovar a nossa proposta", disse.
O texto defendido pela
CNM foi entregue a Haddad e a outros ministros do governo. Haddad sinalizou em
conversas que aceita a parte da proposta que renegocia a dívida dos municípios.
Para ele, isso poderia
servir como uma compensação ao fim da desoneração da folha. Ziulkoski, porém,
não vê isso como suficiente. "O governo pode até ganhar em um momento,
judicialmente, mas vai perder logo ali em adiante [no Congresso]."
A desoneração da folha
foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas
vezes.
A medida permite o
pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre
a folha de salários para a Previdência.
No ano passado, o
benefício havia sido prorrogado até o fim de 2027 e estendido às prefeituras.
Mas o texto aprovado pelo Congresso foi vetado na totalidade por Lula. Em
dezembro do mesmo ano, o Legislativo derrubou o veto.
A desoneração vale
para 17 setores da economia.
• Haddad diz não temer que judicialização
da desoneração prejudique o governo no Congresso
O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, afirmou que não teme que a judicialização da desoneração de 17
setores da economia e de municípios prejudique o governo no Congresso. “Não
temo, porque tem dado muito resultado o nosso diálogo com o Congresso e com o
Judiciário”, afirmou Haddad, ao chegar ao ministério após reunião com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na semana passada, o
ministro Cristiano Zanin, do STF, concedeu uma liminar, atendendo ao pedido do
governo, que suspendeu a desoneração da folha dos municípios e de setores
produtivos até 2027. Até o momento, outros quatro ministros – Flávio Dino,
Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – votaram para manter a
decisão de Zanin. O ministro Luiz Fux, no entanto, interrompeu o julgamento com
um pedido de vista.
Haddad frisou ainda
que tem tentado dialogar com os setores e com os municípios desde outubro, ao
ser perguntado sobre a possibilidade de o pedido de vista no STF sobre a
desoneração ampliar o prazo para negociações com os parlamentares.
“Desde outubro estamos
tentando conversar com os setores e com os municípios. Está havendo conversas,
e o placar do Supremo deixa claro que nós temos que encontrar um caminho para
não prejudicar a Previdência”, disse Haddad a jornalistas.
Sobre o encontro com
Lula, Haddad não deu maiores informações. “Fui só acompanhar uma audiência, e
não era comigo a audiência”, disse.
• País ‘não tem margem para queimar’ em
relação ao cenário fiscal, reitera secretário do Tesouro
O secretário do
Tesouro Nacional, Rogério Ceron, repetiu nesta segunda-feira, 29, que o Brasil
“não tem margem para queimar” em relação ao cenário fiscal e que, apesar do
resultado considerado positivo para o primeiro trimestre, é preciso ficar
“muito atento” sobre a dinâmica de receitas e despesas.
“Estamos felizes com o
resultado do trimestre, mas ainda há desafios e precisamos continuar firmes”,
disse Ceron na entrevista coletiva de imprensa sobre os dados do Tesouro de
março nesta segunda-feira. No acumulado do ano, o superávit foi de R$ 19,431 bilhões.
“Claro que demanda
monitoramento e atenção. Não à toa falamos diversas vezes que o cenário ainda
demanda cuidado, atenção. O País não tem margem em relação ao fiscal para
queimar. Por isso, precisa, sim, continuar muito atenção pelo lado das receitas
e também pelo despesas. Precisamos seguir à risca para que processo de
recuperação fiscal se intensifique”, disse o secretário.
• Previdência
O secretário do
Tesouro Nacional observou que o montante de despesas gastos com a Previdência é
um tema que “merece acompanhamento constante”, chamando atenção ainda para o
comportamento dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC). No caso desse
último, a alta real foi de 18,5%. Nos benefícios previdenciários, o crescimento
foi de 6%.
No acumulado do ano,
os benefícios previdenciários avançaram 5,3%, e o BPC, 17,2%.
“No acumulado do ano,
o resultado de despesas foi muito influenciado pelo pagamento de precatórios,
mas tem itens, como benefício previdenciário crescendo, o que motiva sinal de
alerta e rigor sobre esse item de despesa, e benefício de prestação continuada,
mostrando dinâmica relevante que merece atenção”, disse Ceron.
• Meta
O secretário do
Tesouro Nacional disse que considera “viável e factível” o atingimento da meta
fiscal estabelecida para este e para os próximos anos.
O governo definiu que,
para 2024 e 2025, quer zerar o déficit do resultado primário.
Segundo ele, para este
ano, há “chance razoável de estarmos no horizonte da banda” permitida pelo
arcabouço fiscal, com base no resultado do primeiro trimestre – que, no
acumulado, tem superávit de R$ 19,431 bilhões.
“Não estamos longe de
um patamar para ficar dentro das metas estabelecidas, mas não podemos perder o
foco. Estamos muito próximos e entendo hoje ser viável e factível o atingimento
da meta estabelecida para 2024 e para outros anos”, disse o secretário.
Ceron avaliou também
que as receitas têm bom desempenho, embora não haja espaço para “relaxamento”
por parte do governo no acompanhamento desse número.
“Vamos acompanhar o
que acontecerá em abril e maio”, afirmou o secretário, lembrando que outras
medidas podem ser anunciadas pela Fazenda para compensar eventuais frustrações
pelo lado das receitas. “Boa notícia é que receita está performando bem, mas não
há nenhum espaço para relaxamento”, respondeu Ceron ao ser questionado sobre a
expectativa do governo sobre a dinâmica da arrecadação nos próximos meses.
Ele ainda apontou que
a discrepância entre o resultado obtido pelo Tesouro no mês de março, de
déficit de R$ 1,527 bilhão, e a mediada esperada pelo mercado – de superávit de
R$ 1,4 bilhão, de acordo com levantamento do Projeções Broadcast – está “dentro
da margem”.
• Se perdemos âncora fiscal, encarece
política monetária, reforça Campos Neto
O presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira, 29, que se o Brasil
“perder” sua âncora fiscal, o trabalho da autoridade monetária ficará mais
difícil e mais caro. Ele reforçou que, se houver queda de credibilidade na política
fiscal no País, a expectativa inflacionária se deteriora e afeta a curva de
juros no longo prazo.
Campos Neto repetiu
que os bancos centrais do mundo terão uma “vida” mais difícil no curto prazo
diante da dificuldade dos governos em reduzir gastos. Ele destacou a
necessidade dos Poderes Executivos em “diminuírem” a agenda fiscal. “Quando a
gente fala que precisa de harmonia, a parte fiscal ainda está tímida na volta.
A gente não vê, globalmente falando, um debate muito maduro nem nos poderes
Executivos e Legislativos sobre necessidade de fazer fiscal”, avaliou.
Por outro lado, o
presidente do BC disse que participou de dois governos no Brasil e reconhece a
dificuldade do Executivo em cortar gastos. “A estrutura de gastos no Brasil é
muito rígida, a (despesa) discricionária (não obrigatória) é pequena”, disse. Ele
defendeu, no entanto, a necessidade de avançar em propostas que desindexem o
orçamento e promovam maior flexibilidade administrativa.
Campos Neto disse que
o investidor observa quatro aspectos de um País para a tomada de decisão:
trajetória da dívida, capacidade de arrecadação extra, eficiência do gasto e
crescimento estrutural. O Brasil, segundo ele, gera questionamentos em todos os
pontos, já que tem crescimento estrutural relativamente baixo, dívida alta,
carga tributária elevada e divergências sobre a qualidade do gasto.
Fonte: FolhaPress/IstoÉ
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