quarta-feira, 1 de maio de 2024

Governo é forçado a renegociar desoneração, e Haddad teme ampliação de benefício

Ministros da ala política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistem para que Fernando Haddad (Fazenda) amplie as negociações sobre a desoneração da folha de pagamentos também para empresas, além dos municípios.

Em conversas reservadas, Haddad diz que não resiste a negociar. Ele afirma que, desde o ano passado, tenta construir uma alternativa em debates com os setores afetados.

No entanto, o ministro já expressa a pessoas a par do assunto o temor de que novas discussões abram brechas para incluir mais setores além dos 17 já contemplados --o que representaria perda de receita ainda maior em um cenário fiscal de desequilíbrio.

O governo já ofereceu uma proposta de reoneração gradual dos setores. O Congresso, porém, não a abraçou e ainda defende a prorrogação da renúncia fiscal.

O impasse político levou o governo a recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde conta com um cenário favorável sobre o tema, mas corre o risco de novos reveses no Congresso --que pode aprovar outra proposta para estender a desoneração até 2027.

O avanço das articulações dependerá de uma conversa com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), hoje contrariado com o recurso do governo ao STF. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) deverá se reunir com o presidente da Casa nesta terça-feira (30).

A percepção no Palácio do Planalto é que Haddad ficará isolado no debate sobre a desoneração da folha de pagamentos se teimar fazer valer apenas a posição do governo no STF.

Na avaliação de aliados do presidente Lula, existe ainda risco de derrotas no Congresso caso Haddad se limite aos termos da proposta já apresentada, de escalonamento da alíquota aplicada às empresas.

Na noite desta segunda-feira (29), Haddad afirmou a jornalistas que tem conversado com os setores afetados e com os representantes dos prefeitos.

"Está havendo conversas, o placar do STF [pró-reoneração] está deixando claro que temos que buscar um caminho para não prejudicar a Previdência. A reforma da Previdência tem uma cláusula que deve ser considerada, se não daqui a três ou cinco anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência se não tiver receita", disse.

"Temos de ter muita responsabilidade com isso. A receita da Previdência é sagrada, é para pagar aposentados. Não dá para brincar com essas coisas. Mas acho que está tudo bem. Conversamos com muita gente. As coisas estão bem. Estou muito confiante. Vai acontecer o que aconteceu com o Perse [acordo]", afirmou.

O programa de incentivo ao setor de eventos foi prorrogado com menos custos ao Tesouro.

Em fevereiro, o Executivo enviou um projeto de lei ao Congresso no qual propõe um escalonamento da alíquota aplicada às empresas na desoneração.

Segundo relatos, a relatora da matéria, deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), afirmou a membros do governo que pretende manter o que foi aprovado pelo Congresso no ano passado.

No começo do mês, o governo retirou o regime de urgência da proposta a pedido da relatora. Dessa forma, o texto seguirá em análise pelas comissões temáticas da Câmara antes de ir à votação em plenário.

Há uma avaliação no governo, no entanto, de que ela terá de ceder, uma vez que o STF já se manifestou contrariamente à desoneração sem apresentação de fontes alternativas de recursos que venham a compensar a perda de arrecadação.

Embora Haddad resista à retomada das tratativas após uma vitória no Supremo, cresce no governo a constatação de que será necessário ceder aos 17 setores atingidos pela medida, sob pena de novas derrotas no Congresso Nacional.

A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu à corte para suspender lei aprovada no Congresso Nacional no ano passado que prorrogou a desoneração da folha de municípios e 17 setores da economia até 2027.

O ministro Cristiano Zanin deu uma liminar, com efeito imediato, suspendendo a lei. O julgamento já tem quatro votos favoráveis ao governo, mas foi suspenso após pedido de vista do ministro Luiz Fux.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o ministro da Fazenda está disposto a ceder a uma parte de uma proposta apresentada por municípios que trata da negociação de dívidas e também da reoneração da folha.

Mesmo que Haddad não aceite a totalidade da proposta, prefeitos ampliaram a articulação no Congresso para angariar apoios a uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que abarca a tese defendida por eles.

Isso inclui a retomada da reoneração da folha de pagamentos num escalonamento a partir de 8% em 2024, passando por 10% em 2025, depois 12% em 2026 e fixando em 14% a partir de 2027.

O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski, disse que o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou uma emenda aglutinativa à PEC 66, que trata da dívida de municípios com o regime de Previdência, com a proposta defendida pelos prefeitos.

Ziulkoski afirmou também que já reuniu assinaturas de 32 senadores em apoio a essa emenda e que espera conseguir 50. "Queremos aprovar a nossa proposta", disse.

O texto defendido pela CNM foi entregue a Haddad e a outros ministros do governo. Haddad sinalizou em conversas que aceita a parte da proposta que renegocia a dívida dos municípios.

Para ele, isso poderia servir como uma compensação ao fim da desoneração da folha. Ziulkoski, porém, não vê isso como suficiente. "O governo pode até ganhar em um momento, judicialmente, mas vai perder logo ali em adiante [no Congresso]."

A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes.

A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.

No ano passado, o benefício havia sido prorrogado até o fim de 2027 e estendido às prefeituras. Mas o texto aprovado pelo Congresso foi vetado na totalidade por Lula. Em dezembro do mesmo ano, o Legislativo derrubou o veto.

A desoneração vale para 17 setores da economia.

•        Haddad diz não temer que judicialização da desoneração prejudique o governo no Congresso

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que não teme que a judicialização da desoneração de 17 setores da economia e de municípios prejudique o governo no Congresso. “Não temo, porque tem dado muito resultado o nosso diálogo com o Congresso e com o Judiciário”, afirmou Haddad, ao chegar ao ministério após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na semana passada, o ministro Cristiano Zanin, do STF, concedeu uma liminar, atendendo ao pedido do governo, que suspendeu a desoneração da folha dos municípios e de setores produtivos até 2027. Até o momento, outros quatro ministros – Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – votaram para manter a decisão de Zanin. O ministro Luiz Fux, no entanto, interrompeu o julgamento com um pedido de vista.

Haddad frisou ainda que tem tentado dialogar com os setores e com os municípios desde outubro, ao ser perguntado sobre a possibilidade de o pedido de vista no STF sobre a desoneração ampliar o prazo para negociações com os parlamentares.

“Desde outubro estamos tentando conversar com os setores e com os municípios. Está havendo conversas, e o placar do Supremo deixa claro que nós temos que encontrar um caminho para não prejudicar a Previdência”, disse Haddad a jornalistas.

Sobre o encontro com Lula, Haddad não deu maiores informações. “Fui só acompanhar uma audiência, e não era comigo a audiência”, disse.

•        País ‘não tem margem para queimar’ em relação ao cenário fiscal, reitera secretário do Tesouro

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, repetiu nesta segunda-feira, 29, que o Brasil “não tem margem para queimar” em relação ao cenário fiscal e que, apesar do resultado considerado positivo para o primeiro trimestre, é preciso ficar “muito atento” sobre a dinâmica de receitas e despesas.

“Estamos felizes com o resultado do trimestre, mas ainda há desafios e precisamos continuar firmes”, disse Ceron na entrevista coletiva de imprensa sobre os dados do Tesouro de março nesta segunda-feira. No acumulado do ano, o superávit foi de R$ 19,431 bilhões.

“Claro que demanda monitoramento e atenção. Não à toa falamos diversas vezes que o cenário ainda demanda cuidado, atenção. O País não tem margem em relação ao fiscal para queimar. Por isso, precisa, sim, continuar muito atenção pelo lado das receitas e também pelo despesas. Precisamos seguir à risca para que processo de recuperação fiscal se intensifique”, disse o secretário.

•        Previdência

O secretário do Tesouro Nacional observou que o montante de despesas gastos com a Previdência é um tema que “merece acompanhamento constante”, chamando atenção ainda para o comportamento dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC). No caso desse último, a alta real foi de 18,5%. Nos benefícios previdenciários, o crescimento foi de 6%.

No acumulado do ano, os benefícios previdenciários avançaram 5,3%, e o BPC, 17,2%.

“No acumulado do ano, o resultado de despesas foi muito influenciado pelo pagamento de precatórios, mas tem itens, como benefício previdenciário crescendo, o que motiva sinal de alerta e rigor sobre esse item de despesa, e benefício de prestação continuada, mostrando dinâmica relevante que merece atenção”, disse Ceron.

•        Meta

O secretário do Tesouro Nacional disse que considera “viável e factível” o atingimento da meta fiscal estabelecida para este e para os próximos anos.

O governo definiu que, para 2024 e 2025, quer zerar o déficit do resultado primário.

Segundo ele, para este ano, há “chance razoável de estarmos no horizonte da banda” permitida pelo arcabouço fiscal, com base no resultado do primeiro trimestre – que, no acumulado, tem superávit de R$ 19,431 bilhões.

“Não estamos longe de um patamar para ficar dentro das metas estabelecidas, mas não podemos perder o foco. Estamos muito próximos e entendo hoje ser viável e factível o atingimento da meta estabelecida para 2024 e para outros anos”, disse o secretário.

Ceron avaliou também que as receitas têm bom desempenho, embora não haja espaço para “relaxamento” por parte do governo no acompanhamento desse número.

“Vamos acompanhar o que acontecerá em abril e maio”, afirmou o secretário, lembrando que outras medidas podem ser anunciadas pela Fazenda para compensar eventuais frustrações pelo lado das receitas. “Boa notícia é que receita está performando bem, mas não há nenhum espaço para relaxamento”, respondeu Ceron ao ser questionado sobre a expectativa do governo sobre a dinâmica da arrecadação nos próximos meses.

Ele ainda apontou que a discrepância entre o resultado obtido pelo Tesouro no mês de março, de déficit de R$ 1,527 bilhão, e a mediada esperada pelo mercado – de superávit de R$ 1,4 bilhão, de acordo com levantamento do Projeções Broadcast – está “dentro da margem”.

•        Se perdemos âncora fiscal, encarece política monetária, reforça Campos Neto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira, 29, que se o Brasil “perder” sua âncora fiscal, o trabalho da autoridade monetária ficará mais difícil e mais caro. Ele reforçou que, se houver queda de credibilidade na política fiscal no País, a expectativa inflacionária se deteriora e afeta a curva de juros no longo prazo.

Campos Neto repetiu que os bancos centrais do mundo terão uma “vida” mais difícil no curto prazo diante da dificuldade dos governos em reduzir gastos. Ele destacou a necessidade dos Poderes Executivos em “diminuírem” a agenda fiscal. “Quando a gente fala que precisa de harmonia, a parte fiscal ainda está tímida na volta. A gente não vê, globalmente falando, um debate muito maduro nem nos poderes Executivos e Legislativos sobre necessidade de fazer fiscal”, avaliou.

Por outro lado, o presidente do BC disse que participou de dois governos no Brasil e reconhece a dificuldade do Executivo em cortar gastos. “A estrutura de gastos no Brasil é muito rígida, a (despesa) discricionária (não obrigatória) é pequena”, disse. Ele defendeu, no entanto, a necessidade de avançar em propostas que desindexem o orçamento e promovam maior flexibilidade administrativa.

Campos Neto disse que o investidor observa quatro aspectos de um País para a tomada de decisão: trajetória da dívida, capacidade de arrecadação extra, eficiência do gasto e crescimento estrutural. O Brasil, segundo ele, gera questionamentos em todos os pontos, já que tem crescimento estrutural relativamente baixo, dívida alta, carga tributária elevada e divergências sobre a qualidade do gasto.

 

Fonte: FolhaPress/IstoÉ 

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