quarta-feira, 1 de maio de 2024

Caatinga é o bioma mais eficiente do Brasil em captura de carbono

Mais de uma década de estudos realizados pelo Observatório Nacional da Caatinga revelaram que esse é o bioma brasileiro que tem o melhor desempenho no sequestro de carbono. A cada 100 toneladas de CO² absorvidas por essa floresta do semiárido brasileiro, há uma retenção que varia entre 45% e 60% e não volta para a atmosfera.

O resultado dos estudos causou admiração até mesmo nos pesquisadores, como Aldrin Perez, do Instituto Nacional do Semiárido, uma das organizações responsáveis pelo projeto.

“Para a nossa surpresa, a Caatinga é a mais eficiente entre os biomas no Brasil e um dos principais do mundo. As plantas, em geral, absorvem e liberam o CO²  no processo de fotossíntese. Este balanço está sendo muito positivo. Essa floresta é  uma das soluções para o problema das mudanças climáticas, uma excelente sumidoura”, diz Perez, um dos autores do estudo.

Um ecossistema ganha essa designação de “sumidouro” quando absorve ou captura mais CO² do que libera através da respiração das plantas e do solo. Para ter uma comparação sobre a eficiência do bioma, Aldrin afirma que, na Amazônia, o saldo entre a absorção e a liberação de CO² varia entre 2% e 11%. No caso do Cerrado brasileiro, por exemplo, essa eficiência é de 23%.

Esse levantamento comparativo foi medido a partir de dados revelados por um conjunto de torres de 15 metros de altura com equipamentos que captam gases e estão instalados em 30 diferentes biomas do mundo.

O Observatório Nacional da Caatinga, responsável pelos dados, tem a coordenação do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), mas envolve acadêmicos de diversas universidades brasileiras e institutos de pesquisa.

De acordo com o estudo, nas regiões mais úmidas da Caatinga, o fluxo de vida ali é capaz de reter até 5 toneladas de CO² por hectare ao ano. Mesmo em áreas mais secas, a floresta continua com um desempenho notável, retendo até 2,5 toneladas de dióxido de carbono por hectare anualmente. Com esses níveis de retenção, o bioma evita o contato do gás com a atmosfera, processo que contribui diretamente com o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas.

•        Um dos biomas mais desmatados do país

Por conta disso, a preservação do bioma é fundamental para a manutenção desse estoque de carbono. Segundo o estudo, a vegetação da Caatinga conserva 3.350 toneladas métricas de carbono por quilômetro quadrado – que serão liberadas caso haja desmatamento. Dizem os pesquisadores que, com a perda da vegetação, esse estoque é perdido em 45% ao longo de 25 anos. No solo, há uma média de 12.500 toneladas métricas de carbono por quilômetro quadrado.

A cifra é relevante porque hoje a Caatinga é o terceiro bioma mais desmatado anualmente do Brasil, segundo cálculo do MapBiomas. Entre 2019 e 2022, houve um aumento de 2.500% no número de alertas de desmatamento. Em 2022, 1.400 quilômetros quadrados de vegetação nativa foram suprimidos na região.

O desmatamento é o principal catalisador da desertificação, fenômeno de esterilização total dos solos que já atinge 13% da Caatinga, de acordo com o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas.

Diante do acelerado processo de devastação dos solos, Aldrin Perez explica que a ONU tem defendido o conceito de gestão sustentável da terra para neutralizar a degradação. “Na Caatinga ainda temos entre 45% e 55% da vegetação. Precisamos, por um lado, evitar mais degradação com um programa de crédito social do carbono e de criação de novas unidades de conservação.”

“Outro ponto”, diz o pesquisador,  “é o paradigma da agroecologia, que é uma proposta científica que foca em sair da produção predatória para uma agricultura de base ecológica. Projeta sistemas biodiversos, com base científica e metodológica, considerando os conhecimentos populares e acadêmicos.”

•        Um oásis no sertão

Se recuperar a Caatinga ainda é um sonho distante para muitos, para um jovem agricultor do semiárido piauiense já é realidade. Gean Magalhães, de 33 anos, que mora na comunidade quilombola Queimada da Onça, em São Lourenço do Piauí, no semiárido piauiense, sabe bem os benefícios de se manter a Caatinga de pé.

Em 2016, ele firmou o propósito de recuperar 1 hectare por ano de uma capoeira que, por muitos anos, serviu ao cultivo de mandioca, feijão e milho. Esse é o nome dado a uma área bastante degradada por manejos intensivos, quase sempre à base de queimadas e uso de agrotóxicos. “A minha área só dava malva da salvação [espécie indicadora de solo pobre em nutrientes]”, relembra.

Oito anos após a decisão tomada, Gean já tem 8 hectares recuperados, dos quais 3,5 já estão bem consolidados. Ele lançou mão da agrofloresta, técnica que combina o cultivo de espécies frutíferas com plantas florestais madeiráveis ou adubadoras. “A agrofloresta reproduz o comportamento da natureza, porém em um ritmo de regeneração acelerado por causa do manejo intensivo”, explica.

Tomando como base o estudo do Observatório Nacional da Caatinga e considerando que a região onde vive Gean é mais seca, essa extensão de vegetação conseguiria reter 20 toneladas de CO² por ano, caso tivesse sido totalmente preservada. Para um cálculo preciso de quanto a propriedade já consegue sequestrar de carbono, nesse processo de recuperação, seria necessário um estudo específico in loco.

O agricultor conta que o seu trabalho envolveu três estratégias especiais. Primeiro, realizar o cercamento da área para evitar que os animais pisoteiem as plantas. Segundo, cultivar espécies com maior capacidade de devolver os nutrientes ao solo, como gliricídia, palma, babosa e feijão-de-porco. E, por fim, o manejo intensivo de poda e cobertura do solo, o que favorece a retenção de água.

“Os sistemas agroflorestais contribuem para fixar o nitrogênio e descompactar o solo com a presença das raízes, o que torna o solo mais úmido e fértil”, complementa o agricultor.

Além do clima mais ameno, com sombra e umidade, a área de Gean ampliou e diversificou a produção de frutas, o que garantiu um incremento de R$ 3.700 ao ano. A área também passou a receber visita do azulão (Cyanoloxia brissoni), uma espécie de pássaro nativo da Caatinga que frequenta ambientes mais equilibrados, onde há frutas, um dos seus principais alimentos, disponíveis.

O manejo do rebanho é feito com cuidado. Em períodos planejados, eles são soltos na agrofloresta para pastar. No resto do tempo, permanecem no 3 hectares destinados ao pastoreio. “A mudança foi radical. Isso prova que a Caatinga não é um lugar de seca; é um ambiente possível de conviver, que responde rápido à chuva. Mas é preciso fazer um uso sustentável desse bioma”, alerta o agricultor.

 

Fonte: Mongabay

 

 

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