Caatinga é o bioma mais eficiente do Brasil
em captura de carbono
Mais de uma década de
estudos realizados pelo Observatório Nacional da Caatinga revelaram que esse é
o bioma brasileiro que tem o melhor desempenho no sequestro de carbono. A cada
100 toneladas de CO² absorvidas por essa floresta do semiárido brasileiro, há
uma retenção que varia entre 45% e 60% e não volta para a atmosfera.
O resultado dos
estudos causou admiração até mesmo nos pesquisadores, como Aldrin Perez, do
Instituto Nacional do Semiárido, uma das organizações responsáveis pelo
projeto.
“Para a nossa
surpresa, a Caatinga é a mais eficiente entre os biomas no Brasil e um dos
principais do mundo. As plantas, em geral, absorvem e liberam o CO² no processo de fotossíntese. Este balanço
está sendo muito positivo. Essa floresta é
uma das soluções para o problema das mudanças climáticas, uma excelente
sumidoura”, diz Perez, um dos autores do estudo.
Um ecossistema ganha
essa designação de “sumidouro” quando absorve ou captura mais CO² do que libera
através da respiração das plantas e do solo. Para ter uma comparação sobre a
eficiência do bioma, Aldrin afirma que, na Amazônia, o saldo entre a absorção e
a liberação de CO² varia entre 2% e 11%. No caso do Cerrado brasileiro, por
exemplo, essa eficiência é de 23%.
Esse levantamento
comparativo foi medido a partir de dados revelados por um conjunto de torres de
15 metros de altura com equipamentos que captam gases e estão instalados em 30
diferentes biomas do mundo.
O Observatório
Nacional da Caatinga, responsável pelos dados, tem a coordenação do Instituto
Nacional do Semiárido (INSA), em parceria com a Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), mas envolve
acadêmicos de diversas universidades brasileiras e institutos de pesquisa.
De acordo com o
estudo, nas regiões mais úmidas da Caatinga, o fluxo de vida ali é capaz de
reter até 5 toneladas de CO² por hectare ao ano. Mesmo em áreas mais secas, a
floresta continua com um desempenho notável, retendo até 2,5 toneladas de
dióxido de carbono por hectare anualmente. Com esses níveis de retenção, o
bioma evita o contato do gás com a atmosfera, processo que contribui
diretamente com o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas.
• Um dos biomas mais desmatados do país
Por conta disso, a
preservação do bioma é fundamental para a manutenção desse estoque de carbono.
Segundo o estudo, a vegetação da Caatinga conserva 3.350 toneladas métricas de
carbono por quilômetro quadrado – que serão liberadas caso haja desmatamento.
Dizem os pesquisadores que, com a perda da vegetação, esse estoque é perdido em
45% ao longo de 25 anos. No solo, há uma média de 12.500 toneladas métricas de
carbono por quilômetro quadrado.
A cifra é relevante
porque hoje a Caatinga é o terceiro bioma mais desmatado anualmente do Brasil,
segundo cálculo do MapBiomas. Entre 2019 e 2022, houve um aumento de 2.500% no
número de alertas de desmatamento. Em 2022, 1.400 quilômetros quadrados de vegetação
nativa foram suprimidos na região.
O desmatamento é o
principal catalisador da desertificação, fenômeno de esterilização total dos
solos que já atinge 13% da Caatinga, de acordo com o Laboratório de Análise e
Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de
Alagoas.
Diante do acelerado
processo de devastação dos solos, Aldrin Perez explica que a ONU tem defendido
o conceito de gestão sustentável da terra para neutralizar a degradação. “Na
Caatinga ainda temos entre 45% e 55% da vegetação. Precisamos, por um lado, evitar
mais degradação com um programa de crédito social do carbono e de criação de
novas unidades de conservação.”
“Outro ponto”, diz o
pesquisador, “é o paradigma da
agroecologia, que é uma proposta científica que foca em sair da produção
predatória para uma agricultura de base ecológica. Projeta sistemas
biodiversos, com base científica e metodológica, considerando os conhecimentos
populares e acadêmicos.”
• Um oásis no sertão
Se recuperar a
Caatinga ainda é um sonho distante para muitos, para um jovem agricultor do
semiárido piauiense já é realidade. Gean Magalhães, de 33 anos, que mora na
comunidade quilombola Queimada da Onça, em São Lourenço do Piauí, no semiárido
piauiense, sabe bem os benefícios de se manter a Caatinga de pé.
Em 2016, ele firmou o
propósito de recuperar 1 hectare por ano de uma capoeira que, por muitos anos,
serviu ao cultivo de mandioca, feijão e milho. Esse é o nome dado a uma área
bastante degradada por manejos intensivos, quase sempre à base de queimadas e
uso de agrotóxicos. “A minha área só dava malva da salvação [espécie indicadora
de solo pobre em nutrientes]”, relembra.
Oito anos após a
decisão tomada, Gean já tem 8 hectares recuperados, dos quais 3,5 já estão bem
consolidados. Ele lançou mão da agrofloresta, técnica que combina o cultivo de
espécies frutíferas com plantas florestais madeiráveis ou adubadoras. “A agrofloresta
reproduz o comportamento da natureza, porém em um ritmo de regeneração
acelerado por causa do manejo intensivo”, explica.
Tomando como base o
estudo do Observatório Nacional da Caatinga e considerando que a região onde
vive Gean é mais seca, essa extensão de vegetação conseguiria reter 20
toneladas de CO² por ano, caso tivesse sido totalmente preservada. Para um
cálculo preciso de quanto a propriedade já consegue sequestrar de carbono,
nesse processo de recuperação, seria necessário um estudo específico in loco.
O agricultor conta que
o seu trabalho envolveu três estratégias especiais. Primeiro, realizar o
cercamento da área para evitar que os animais pisoteiem as plantas. Segundo,
cultivar espécies com maior capacidade de devolver os nutrientes ao solo, como
gliricídia, palma, babosa e feijão-de-porco. E, por fim, o manejo intensivo de
poda e cobertura do solo, o que favorece a retenção de água.
“Os sistemas
agroflorestais contribuem para fixar o nitrogênio e descompactar o solo com a
presença das raízes, o que torna o solo mais úmido e fértil”, complementa o
agricultor.
Além do clima mais
ameno, com sombra e umidade, a área de Gean ampliou e diversificou a produção
de frutas, o que garantiu um incremento de R$ 3.700 ao ano. A área também
passou a receber visita do azulão (Cyanoloxia brissoni), uma espécie de pássaro
nativo da Caatinga que frequenta ambientes mais equilibrados, onde há frutas,
um dos seus principais alimentos, disponíveis.
O manejo do rebanho é
feito com cuidado. Em períodos planejados, eles são soltos na agrofloresta para
pastar. No resto do tempo, permanecem no 3 hectares destinados ao pastoreio. “A
mudança foi radical. Isso prova que a Caatinga não é um lugar de seca; é um
ambiente possível de conviver, que responde rápido à chuva. Mas é preciso fazer
um uso sustentável desse bioma”, alerta o agricultor.
Fonte: Mongabay
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