Empresas
chinesas enfrentam autoritarismo em seu próprio país e hostilidade no exterior
Em
uma tarde de abril de 2018, Zhang Yiming, fundador da empresa de mídia online
ByteDance, sediada em Pequim, recebeu um aviso dos órgãos reguladores chineses
para encerrar um aplicativo em que as pessoas compartilhavam piadas e vídeos
bobos.
Ele
seguiu as ordens e expressou seu profundo remorso em um pedido público de
desculpas. “Sinto-me arrependido porque decepcionei a orientação e as
expectativas das autoridades de supervisão o tempo todo”, escreveu ele.
Zhang
se comprometeu a tomar nove medidas corretivas. No topo da lista: aumentar a
presença do Partido Comunista na ByteDance e educar seus
funcionários para que pensem a partir das perspectivas do partido e do governo.
Agora,
a ByteDance, que é proprietária do TikTok, está enfrentando uma ordem semelhante do
governo dos EUA: ela precisa se desfazer do aplicativo de vídeos curtos ou
sofrerá uma proibição. A empresa está reagindo nos tribunais dos EUA.
Antigamente,
uma empresa chinesa com negócios no exterior podia agir de forma subserviente a
Pequim em troca de sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, desfrutar da proteção
da propriedade privada e do estado de direito nos Estados Unidos.
Mas
o solo sob as empresas chinesas como a ByteDance está rachando à medida que a
desconfiança entre as duas superpotências mundiais se aprofunda. As empresas
estão presas entre seu próprio governo autoritário e um governo dos EUA cada
vez mais desconfiado e até mesmo hostil.
O
TikTok e outras empresas chinesas que estão prosperando nos Estados Unidos -
Temu e Shein, por exemplo - são multinacionais controladas por
proprietários chineses. O rótulo de propriedade chinesa tornou-se uma bagagem
pesada. Isso é sentido de forma aguda por qualquer pessoa da comunidade
empresarial da China que esteja buscando oportunidades além da economia anêmica
do país.
Os
desafios do TikTok em Washington são um exemplo do que muitos empreendedores e
investidores chineses têm encontrado fora da China, já que o ambiente de
negócios do país se deteriorou sob a liderança de Xi Jinping, que prefere
empresas estatais.
Em
2023, os investidores chineses investiram US$ 130 bilhões (R$ 666 bilhões, pela
cotação de terça-feira) em quase 8 mil empresas em todo o mundo, de acordo com
o Ministério do Comércio da China. Isso representou um salto de aproximadamente
8% no investimento e 38% mais empresas em comparação com 2018.
“A
comunidade empresarial está muito ansiosa sobre onde e o que pode investir fora
da China”, disse Ding Xueliang, professor aposentado da Universidade de Ciência
e Tecnologia de Hong Kong, que estuda a globalização e os processos
sociopolíticos na China. Ele tem dado palestras para empresários chineses, às
vezes centenas de pessoas ao mesmo tempo, que querem saber se suas empresas
podem enfrentar o escrutínio da segurança nacional no mundo desenvolvido.
“O
caminho está se estreitando e a inclinação está ficando mais íngreme”, disse
ele.
A
parte complicada, segundo ele e outros, é que os Estados Unidos têm motivos
legítimos para duvidar que o TikTok possa ser realmente independente do governo
chinês. Nenhuma empresa chinesa pode dizer não quando Pequim pede. Fazer isso
coloca em risco o patrimônio pessoal e comercial de um executivo, bem como a
segurança de sua família. A forma como Zhang, fundador da ByteDance, respondeu
à ordem do governo em 2018 é típica.
A
realidade obscura de fazer negócios na China torna difícil para o mundo
exterior distinguir as empresas do governo chinês.
Algumas
empresas, especialmente plataformas online como a ByteDance, ajudam a
fortalecer o governo do Partido Comunista, impondo a censura e divulgando
propaganda. As empresas se beneficiaram de laços estreitos com o governo, o que
é difícil de evitar em um país onde o Estado é dono de grande parte de tudo.
O
problema da ByteDance é que ela quer ter as duas coisas, disse um ex-gerente de
projeto da ByteDance e do TikTok, que saiu no ano passado e pediu que o
identificasse usando apenas seu sobrenome, Su. A ByteDance atua como um braço
da máquina de propaganda de Pequim enquanto desfruta dos benefícios do mundo
livre e democrático no exterior, disse ele.
O
TikTok tem mais de um bilhão de usuários em todo o mundo, incluindo 170 milhões
nos Estados Unidos. Ele não está disponível na China, onde a ByteDance oferece
o Douyin, um aplicativo semelhante de vídeos curtos. O governo dos EUA teme que
o governo chinês possa se apoiar na ByteDance para obter acesso a dados
confidenciais dos usuários ou espalhar propaganda. O TikTok rejeitou essas
preocupações e disse que tomou medidas para armazenar dados de usuários
americanos nos Estados Unidos.
Mas
a maioria das empresas chinesas do setor privado, assim como suas contrapartes
americanas, quer igualdade de condições para poder ir aonde o dinheiro está.
Essa meta está enfrentando cada vez mais escrutínio e incerteza.
Um
empresário chinês em exílio autoimposto em outro país asiático me disse que o
governo do país havia bloqueado sua proposta de investir em uma empresa de
semicondutores devido a preocupações com a segurança nacional. Ele acabou
investindo no setor de hospitalidade. Ele não pode voltar à China por medo de
que as autoridades o punam por sua franqueza, enquanto seu dinheiro não é bem
recebido no país anfitrião por ser chinês.
A
maioria das pessoas que entrevistei queria permanecer anônima por medo de
represálias das autoridades chinesas. Algumas delas me pediram para não dizer o
nome dos países ou das cidades chinesas onde moravam.
No
Vale do Silício, as empresas iniciantes que se concentram em inteligência
artificial, semicondutores e outras tecnologias de ponta evitam investidores
chineses ou dizem a seus atuais investidores chineses para desinvestirem. Elas
não querem passar pela análise governamental que Washington exige para
transações que envolvam investimento estrangeiro.
Alguns
políticos americanos falaram sobre a distinção entre o Partido Comunista Chinês
e o povo chinês, mas na prática eles são péssimos nisso.
Durante
uma audiência no Senado em janeiro, o senador Tom Cotton, republicano do
Arkansas, perguntou várias vezes ao executivo-chefe do TikTok, Shou Chew, sobre
sua cidadania. “De que nação você é?”, perguntou ele. E também: “Você já
solicitou a cidadania chinesa?” As respostas foram Cingapura e não. Não consigo
imaginar quais teriam sido as perguntas de acompanhamento se Chew fosse
portador de um passaporte chinês como eu.
Na
Flórida, uma lei proíbe muitos cidadãos chineses de comprar casas devido a
preocupações com a segurança nacional, conforme relatou minha colega Amy Qin
este mês. Mais de três dúzias de Estados estão considerando leis que proibiriam
cidadãos e entidades chinesas de comprar ou ter propriedades.
Tudo
isso tem causado um efeito inibidor nos investimentos chineses nos Estados
Unidos. De acordo com a empresa de pesquisa Rhodium Group, os novos
investimentos foram reduzidos a uma gota d’água. O novo investimento da China
nos EUA caiu de US$ 46 bilhões em 2016 para menos de US$ 5 bilhões em 2022. A
China caiu dos cinco primeiros entre os investidores dos EUA para o segundo
nível, superada por países como Qatar, Espanha e Noruega, escreveu o Rhodium
Group.
Os
capitalistas de risco chineses não vão mais ao Vale do Silício para procurar as
startups. Agora, eles se encontram em Abu Dhabi ou Riyadh.
Isso
não quer dizer que os Estados Unidos estejam errados em serem cautelosos em
relação aos investimentos da China, disseram vários acadêmicos e advogados.
Como o Partido Comunista fez da segurança nacional sua prioridade máxima e o
mundo está se afastando da globalização, os países democráticos precisam
refletir sobre seus princípios e práticas, disse um acadêmico que estuda o
setor de Internet da China há décadas. O processo exporá suas muitas
contradições e vulnerabilidades para serem exploradas por seus adversários,
disse ela. Os países precisam decidir como equilibrar abertura e segurança.
Uma
plataforma online como o TikTok exerce enorme influência, disse o acadêmico,
portanto, não é de surpreender que sua propriedade chinesa tenha se tornado uma
questão delicada nos Estados Unidos. Na China, essa questão seria resolvida com
uma ligação telefônica do governo. Nos Estados Unidos, o devido processo pode
levar anos.
¨
Vaticano deseja
melhorar relações com a China, diz cardeal
O
Vaticano deseja estabelecer um escritório permanente na China, no que seria um
grande avanço das relações diplomáticas com Pequim, disse nesta terça-feira o
secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin.
As
relações entre o Vaticano e a China têm sido historicamente tensas, mas o papa
Francisco tem priorizado normalizá-las, com base em um pacto histórico de 2018
sobre a nomeação de bispos.
"Há
muito tempo esperamos poder ter uma presença estável na China", disse
Parolin, acrescentando que o Vaticano pode considerar novas fórmulas
diplomáticas para isso.
No
ano passado, o Vaticano obteve permissão para ter um representante papal
residente no Vietnã, outro país governado pelo comunismo com o qual a
cidade-estado não mantém relações diplomáticas. Parolin sugeriu que um enviado
à China poderia ter um título diferente.
"A
forma (disso) pode ser diferente, não vamos nos fixar em apenas um
caminho", disse ele.
O
cardeal disse que o reconhecimento pelo Vaticano do Conselho dos Bispos
Chineses -- que é controlado pelo Partido Comunista Chinês -- também está na
agenda e é um "trabalho em andamento".
Parolin
falou em uma conferência organizada pelo Vaticano sobre a Igreja Católica na
China, que ofereceu uma rara plataforma para discussões de alto nível entre os
dois lados.
Um
dos participantes foi o bispo de Xangai, Joseph Shen Bin, que foi nomeado pelas
autoridades chinesas sem consulta ao Vaticano, em aparente violação do acordo
de 2018. Francisco, no entanto, aprovou a mudança no ano passado de forma
retroativa.
Os
católicos conservadores têm criticado o acordo de bispos como a China, mas o
Vaticano defende como um meio imperfeito de ter alguma forma de diálogo com as
autoridades para o bem de todos os católicos chineses.
Em
uma mensagem de vídeo para a conferência desta terça-feira, Francisco disse que
a Igreja Católica havia progredido na China e em outros lugares "por
caminhos imprevistos, mesmo em tempos de paciência e provação".
Estima-se
que existam de 10 a 12 milhões de católicos na China.
Fonte:
Agencia Estado/Reuters
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