quinta-feira, 23 de maio de 2024

Emilio Cafassi: Javier Milei – o gosto pelos bustos

A sede do governo argentino, a emblemática “Casa Rosada”, abriga o “Salão dos bustos”, espaço destinado a homenagear todos os primeiros líderes, embora não sem algumas omissões, além da óbvia exclusão dos golpistas. Javier Milei, no seu zelo revisionista, celebrou mais uma vez esta semana aquele que considera o melhor presidente dos últimos 40 anos, inaugurando o seu busto sorridente e realocando os restantes para quebrar a sequência cronológica de sucessivas administrações e acentuar as suas inclinações ideológicas através do reassentamento espacial.

Assim, Carlos Menem ocupa agora um lugar de destaque na entrada ao lado de Bartolomé Mitre, enquanto figuras como Néstor Kirchner ou Raúl Alfonsín foram relegadas para os cantos. Ele já havia golpeado provocativamente a veneração proporcional no dia 8 de março ao renomear o “Salão das Mulheres” (que continha retratos de 17 figuras da história nacional) como “Salão dos Heróis”, entre cujas figuras ele também colocou Carlos Menem. Não falta coerência na sua leitura. Foi Carlos Menen quem inaugurou a primeira etapa do ultraliberalismo cipayo do Rio da Prata pós-ditatorial, ao qual Lacalle Herrera aderiu imediatamente, sob a proteção do consenso de Washington.

Se incluíssemos também as medidas mais rigorosamente ético-políticas que excedem e contradizem a ideologia politicamente liberal para mergulhar no cenário assustador da impunidade criminal, teríamos que mergulhar ainda mais no Pacto do Clube Naval de Montevidéu. Na verdade, as anistias e a subsequente lei de expiração do primeiro governo Sanguinetti na costa oriental, que infelizmente a covardia cívica popular impediu de ser revertida, podem ter inspirado, num eco sombrio de cumplicidade e esquecimento, os decretos de Carlos Menem de indultos a 220 militares e 70 civis de 1989 e os sucessivos de 1990 na margem oposta.

O extremismo de direita que prevalece nas costas que banham o largo rio, embora díspares nas suas consequências imediatas, parece reforçar-se mutuamente e se iluminar em etapas sucessivas. É difícil explicar por que preferem serem chamados liberais.

As suspeitas a esse respeito, se sistematizadas, poderiam contribuir para elucidar a atual agenda de extrema direita nesta latitude, tarefa que obviamente ultrapassa um artigo. Contudo alguns passos metodológicos podem ser sugeridos, incentivando novos desenvolvimentos e contribuições. Em primeiro lugar, devem ser consideradas tanto as iniciativas legislativas enviadas do poder executivo às câmaras como as impostas por decreto, independentemente do seu resultado posterior, porque refletem as intenções e alertam para tal agenda.

Casos como a lei dos serviços públicos de Lacalle Herrera, cuja maioria dos artigos foi felizmente revogada por referendo popular ou a “lei omnibus” de Javier Milei que naufragou na Câmara dos Deputados argentina, devem ser considerados porque refletem a orientação da ofensiva. É particularmente interessante analisar o que propõe a extrema direita permeável, isto é, genuflexa e entreguista, ao contrário daquelas do norte com raízes nacionalistas, sobre as quais não é necessário saber se conseguem impô-las ou não, mas que – ao contrário de suas tentativas, embora ainda falhem em algumas – produzirão sempre efeitos destrutivos na vida e no tecido social, certamente não negligenciáveis.

A sequência de acessos ao poder e o impacto potencial de algumas administrações sobre outras também podem ser interessantes. Por exemplo, eu apoio a hipótese de que o corpus político devastador do atual projeto de Milei encontra fortes raízes na gestão de Lacalle Pou, embora possa nos parecer mais encoberto, mas deixaremos essa possibilidade para outro momento. Em outras sincronias diferentes caminhos podem ocorrer. Como não está prevista a colocação de bustos de presidentes uruguaios na Casa Rosada, a proposta será uma periodização histórica cronológica que deverá incluir:

Anos 80: Sanguinetti-Menem. O legado anticonstitucional da violação da igualdade perante a lei e da consagração da barbárie e da impunidade: (i) lei de caducidade no Uruguai (primeiro governo Sanguinetti) (ii) Decretos de perdão de Menem na Argentina (incluindo os do ano 1990)

Anos 90: Menem-Lacalle Herrera-Sanguinetti. A demolição de Estados e o roubo: (a) Lei de emergência econômica argentina (Menem); (b) Lei de Reforma do Estado Argentino (Menem); (c) Lei das Sociedades Públicas do Uruguai (Lacalle Herrera); (d) Lei Argentina AFJP (Menem); (e) Lei AFAPs Uruguaia (Sanguinetti, segundo governo).

Século XXI: Lacalle Pou-Milei. (1) 10 medidas econômicas que liberalizam a economia argentina (Macri); (2) Lei de Consideração Urgente Uruguai (Lacalle Pou); (3) Lei Uruguaia de Reforma da Previdência Social (Lacalle Pou); (4) Protocolo de segurança argentino (Milei através da Bullrich); (5) Decreto Argentino de Necessidade e Urgência (Milei); (6) Lei Omnibus Argentina (Milei); (7) Lei de Mídia (Lacalle Pou).

Quase todas estas iniciativas parecem basear-se numa tática de surpreendente urgência e uma larga abrangência que leva em conta as particularidades de cada país, de cada etapa histórica e até confronta diferentes estilos de liderança. Todas foram lançadas no início de cada gestão e em magnitude e iniciativa de amplas pretensões. Especificar as continuidades ou diferenças exigirá diversas operações comparativas de alguma profundidade.

Comecemos por um resumo muito superficial e rápido sugerido pela disposição dos bustos com que iniciei estas linhas, fundamentalmente em relação às políticas econômico-sociais, uma vez que não são comparáveis na dimensão repressiva que deveria ser objeto de outro artigo. Para tanto, será aconselhável comparar a lei omnibus de Javier Milei e seu DNU, com as quatro leis de Carlos Menem indicadas acima.

Apesar da distância temporal e do fato de não só as iniciativas de Carlos Menem terem validade jurídica e as suas políticas terem sido adotadas como a única de Javier Milei em vigor até agora ser o seu DNU, tomaremos a sua lei omnibus como prova dos seus propósitos. Neste sentido, verifica-se na tabela que, tomando rapidamente apenas seis grandes eixos de intervenções econômicas, são perceptíveis as influências menemistas.

Em ambos os casos, ao mesmo tempo, nota-se uma superimposição do caráter presidencial em detrimento da deliberação e negociação parlamentar: um artigo do jornal conservador La Nación, de novembro de 1996, calculava que Menem proferiu 398 decretos em sete anos, num taxa de 4,5 por semana. Porém, no caso de Carlos Menem, ele não parecia ter maior resistência nas câmaras pela fragilidade com que o radicalismo havia ficado devido à saída precoce do governo, ao controle que alcançou sobre o aparato do partido peronista e ao relacionamento com os governadores, em sua maioria também peronistas.

Embora Javier Milei tenha encontrado uma oposição significativamente dialógica, a correlação de forças não é idêntica, nem mesmo o seu nível de experiência e domínio político. Nem o limiar dos índices socioeconômicos com que cada um inicia a sua gestão, para além da partilha do flagelo inflacionário, que torna mais devastadoras as consequências de medidas semelhantes no contexto atual. Talvez por esta última razão, ou pela multiplicidade do tecido histórico, o governo de Javier Milei deva apelar a um rigor repressivo e a uma crueldade sem precedentes, beirando a validade das liberdades constitucionais básicas.

Mover bustos num tabuleiro de xadrez e trazer Carlos Menem às portas do salão é apenas o reflexo simbólico de ter trazido, com as suas políticas, uma nova tragédia histórica às portas da vida social.

 

¨      Milei x Sánchez: crise escala, e Espanha retira 'definitivamente' embaixador da Argentina

 

O ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, anunciou nesta terça-feira (21/5) que seu país decidiu retirar seu embaixador em Buenos Aires, na Argentina.

"Ele ficará definitivamente em Madri", disse Albares em entrevista coletiva.

"A Argentina continuará sem embaixador", acrescentou.

A decisão ocorreu depois do presidente da Argentina, Javier Milei, ter se recusado a pedir desculpas ao primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

Milei chamou de "corrupta" a mulher de Sánchez, Begoña Gómez, que vem sendo acusada de favorecer empresários em licitações públicas.

"Não vou pedir desculpas", disse Milei em entrevista ao canal de televisão Todo Noticias (TN), transmitida na segunda-feira (20/5).

"Como vou me desculpar se fui atacado?", ele insistiu.

Pouco depois do anúncio de Albares, Milei atacou novamente Sánchez, chamando a decisão de "um absurdo típico de um socialista arrogante".

Em entrevista ao La Nación+, Milei acrescentou que não vai convocar o embaixador argentino na Espanha, Roberto Bosch.

"Se Pedro Sánchez está cometendo um erro grave, não serei tão estúpido a ponto de cometer o mesmo erro", disse.

A medida do governo Sánchez não significa o rompimento das relações diplomáticas.

Um encarregado de negócios permanecerá no comando da embaixada, e, segundo Albares, quando a crise terminar, a Espanha terá que nomear um novo embaixador.

Mas a tensão entre os dois países vem aumentando após a Espanha ter chamado a sua embaixadora em Buenos Aires, María Jesús Alonso Jiménez, para consultas, na segunda-feira.

·        'Ideias do socialismo'

Segundo José Manuel Albares, ministro das Relações Exteriores da Espanha, a situação com a Argentina é um caso “não só único para neste governo, mas também na história das relações internacionais e diplomáticas”.

"Não há precedentes de um chefe de Estado ir à capital de outro país para insultar as suas instituições", disse Albares.

A controvérsia explodiu no domingo (19/5), quando Milei, em uma convenção de políticos da direita radical organizada pelo partido espanhol Vox em Madri, criticou duramente as "ideias do socialismo".

"As elites globais não percebem o quão destrutivo pode ser implementar as ideias do socialismo, porque é algo muito distante para elas, não sabem que tipo de sociedade e país isso pode produzir, que tipo de gente está no poder e quais níveis de abuso podem gerar", disse Milei.

E então improvisou: "Quer dizer, mesmo que ele tenha uma mulher corrupta, ele se suja e leva cinco dias para pensar nisso".

Em 24 de abril, Sánchez publicou uma carta aberta aos espanhóis na qual dizia que precisava "parar e refletir" após uma denúncia contra Begoña Gómez, por supostamente ter "recomendado ou endossado por carta de recomendação com sua assinatura empresários que participam em licitações públicas".

A denúncia foi aceita por um tribunal de Madri.

Após o discurso de Milei em Madri no domingo, Sánchez respondeu com um vídeo publicado em sua conta no X (Twitter).

"Espanha e Argentina são dois países irmãos cujos povos se amam e se respeitam. Entre governos, o afeto é gratuito, mas o respeito é inalienável", disse Sánchez.

"Quem falou ontem não o fez em nome do grande povo argentino. Defender as instituições espanholas dos insultos e difamações de mandatários estrangeiros não depende de poréns. Para além da ideologia, estão a educação e patriotismo".

Pedro Sánchez exigiu "respeito" a Milei e alertou que, se não houver uma retratação, o governo espanhol tomará medidas.

O embate entre os governos Milei e Sánchez já teve um episódio anterior. Em 3 de maio, um ministro espanhol sugeriu que o presidente argentino usava drogas.

Referindo-se à aparição do então candidato argentino na televisão durante sua campanha eleitoral no ano passado, o ministro dos Transportes, Óscar Puente, garantiu não saber em que estado se encontrava Milei, se "antes ou depois de ingerir não sei quais substâncias".

A resposta do presidente argentino veio de imediato, mas não foi através dos canais diplomáticos tradicionais, mas sim com um comunicado publicado nas redes sociais.

Milei condenou as "calúnias e insultos" formuladas por Puente e atacou as políticas do governo espanhol.

Mas também se referiu ao caso de Begoña Gómez.

"O governo de Pedro Sánchez tem problemas mais importantes para resolver, como as acusações de corrupção levantadas contra sua esposa, questão que até o levou a considerar a sua renúncia", disse.

Gómez foi alvo de uma investigação judicial sobre acusações de tráfico de influência e corrupção empresarial por parte de um grupo ativista, embora o Ministério Público de Madri tenha apelado para que o caso seja arquivado por falta de provas.

Anteriormente, Milei já havia dito que era a Espanha que deveria pedir desculpas a ele após insultos de autoridades, incluindo a sugestão de que ele era usuário de drogas.

Mais tarde nesta terça-feira (21), o porta-voz de Milei, Manuel Adorni, adotou um tom conciliatório dizendo que Buenos Aires não retribuiria retirando o seu embaixador da Espanha "sob nenhuma circunstância".

"Nossas relações fraternas não têm nada a ver com o que está acontecendo. A ideia delirante de retirar um embaixador de uma nação fraterna como a Espanha nunca passou por nossa cabeça", afirmou Adorni, citado pela Reuters.

 

Fonte: A Terra é Redonda/BBC News Brasil

 

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