sexta-feira, 24 de maio de 2024

Cresce na UE movimento para reconhecer um Estado Palestino

À medida que crescem as manifestações em apoio aos palestinos da Faixa de Gaza em todo o mundo, a Assembleia Geral da ONU ampliou, em uma votação no dia 10 de maio, os direitos dos palestinos dentro da organização global.

Agora, quatro países-membros da União Europeia (UE) estão planejando aumentar ainda mais o peso dos palestinos nos palcos globais, reconhecendo oficialmente a Palestina como um país soberano. Em decisão conjunta, a Espanha, a Irlanda e a Noruega anunciaram nesta quarta-feira (22/05) o reconhecimento de um Estado palestino, que será formalizado em 28 de maio.

"A Irlanda, a Noruega e a Espanha anunciam que reconhecemos o Estado da Palestina. Antes do anúncio de hoje, falei com vários outros líderes e estou confiante de que mais países se juntarão a nós para dar este importante passo nas próximas semanas", afirmou premiê da Irlanda, Simon Harris.

No anúncio, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, afirmou que ressaltou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não tem projeto de paz para a região. "Combater o grupo terrorista Hamas é legítimo e necessário, mas Netanyahu está gerando tanta dor e tanta destruição, e tanto ressentimento em Gaza e no resto da Palestina, que a solução de dois Estados está em perigo", destacou.

Por um lado, trata-se de solidariedade com a população civil da Faixa de Gaza. Por outro, a medida é vista como um reforço da posição a favor de uma solução de dois Estados para acabar com o conflito no Oriente Médio - um plano que o atual governo de ultradireita de Israel rejeita veementemente.

Após a ofensiva terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou como objetivo de guerra a destruição do grupo radical islâmico palestino Hamas, que tomou por completo o governo da Faixa de Gaza em 2007. Netanyahu também não esconde que quer controlar o território palestino a longo prazo. No entanto, Israel está sofrendo uma pressão internacional cada vez maior devido à severidade da sua ofensiva militar, que, de acordo com dados de autoridades ligadas ao Hamas, já causou a morte de mais de 35.000 civis em Gaza, território que também enfrenta uma situação humanitária desastrosa. Os números não puderam ser checados pela DW de forma independente. 

Na Europa, ainda são poucos os países que oficialmente reconhecem a Palestina com um Estado. Entre os 27 membros da UE, apenas oito países adotam essa posição, seis deles com passado comunista que oficializaram o reconhecimento nos anos 1980.

A falta de mais apoios contrasta com outras regiões do globo. Na América do Sul, por exemplo, todos os países reconhecem a Palestina como um Estado soberano. O Brasil oficializou essa posição em 2010, no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas, agora, dentro da UE, além de Espanha e Irlanda, a Eslovênia e Malta também querem aumentar a pressão por uma solução passando pelo reconhecimento da Palestina, constituída pela Faixa de Gaza - controlada pelo Hamas e alvo da ofensiva israelense - e a Cisjordânia, nominalmente sob responsabilidade da Autoridade Nacional Palestina, mas retalhada por assentamentos israelenses e em grande parte ocupada militarmente por Israel.

  • Espanha: mediadora tradicional

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, manteve várias conversas com parceiros europeus nos últimos meses. De acordo com relatos, ele inicialmente tentou promover a ideia como um projeto da UE. No entanto, a proposta provocou resistência da Alemanha - fortemente alinhada com Israel - e de outros países. Após se deparar com essas rejeições, Sánchez passou a tentar formar uma coalizão fora do escopo da UE. Na semana passada, o chefe da diplomacia do bloco europeu, Josep Borrell, que também é espanhol, revelou que a Espanha, a Irlanda e a Eslovênia pretendiam formalizar o reconhecimento ainda em maio.

A Espanha mantém boas relações com muitos países árabes, especialmente os da região do Magreb, bem como com a Turquia. Em parte, ela cultivou esses laços desde a ditadura de Francisco Franco(1939-1975); nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, esses países salvaram o Estado do sul da Europa do completo isolamento econômico e político entre o Ocidente e o Bloco Oriental. Após o fim da ditadura de Franco, em 1975, a Espanha estabeleceu relações econômicas com Israel e, em 1986, também relações diplomáticas. Nos anos seguintes, se estabeleceu como uma mediadora respeitada entre o Estado judeu e o mundo árabe. Uma conferência sobre o Oriente Médio realizada em Madri em 1991 é considerada o prelúdio do processo de paz de Oslo entre palestinos e Israel nos anos seguintes.

  • Irlanda: solidariedade a partir de sua própria história

A Irlanda também vem reiterado seu tradicional apoio aos palestinos desde os primeiros dias da atual guerra em Gaza. Quando o novo primeiro-ministro Simon Harris foi empossado em meados de abril, Sanchez foi seu primeiro convidado de Estado em Dublin, e o reconhecimento da Palestina foi o principal tópico da reunião. A Irlanda é favor de uma solução de dois estados desde 1980, mais tempo do que qualquer outro país-membro da UE.

Na Irlanda, a forte identificação com a Palestina pode ser explicada pela história do país europeu. Ela começa com um estadista britânico chamado Arthur Balfour, que, no final do século 19, era responsável por comandar a Irlanda, à época praticamente uma colônia britânica. No cargo de secretário-geral para a Irlanda (1887-1891), Balfour negou aos irlandeses a formação de um governo autônomo dentro do Reino Unido.

Em 1917, ocupando então o cargo de Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, ele emitiu a chamada Declaração de Balfour, na qual, em nome do governo britânico, se manifestou a favor da criação de uma pátria judaica na Palestina, então controlada pelos otomanos. Depois, quando o território se tornou um protetorado britânico com a dissolução do Império Otomano, Londres deslocou para a área vários agentes de segurança que haviam atuado contra insurgentes irlandeses nos anos 1910.

O influxo de judeus para essa área do Oriente Médio, à época povoado principalmente por muçulmanos e cristãos, é normalmente comparado na Irlanda católica com o assentamento de protestantes britânicos no norte da ilha. Alguns irlandeses associam o conflito resultante na Irlanda do Norte com a crise no Oriente Médio.

O governo de esquerda da Espanha e o governo de centro-direita da Irlanda estão se apoiando mutuamente em todos os campos políticos. Para dar mais peso à medida conjunta, eles conquistaram outros apoiadores: a Eslovênia manteve a perspectiva de reconhecer a Palestina até meados de junho. Malta, membro da UE, também pretende seguir esse caminho. Em abril, o país já havia votado a favor da adesão total da Palestina à ONU em uma votação no Conselho de Segurança, que acabou fracassando devido ao veto dos EUA.

  • Diferentes posições na Europa

Dentro da UE, são principalmente os países da Europa Central e Oriental que até agora reconheciam um Estado palestino. Nestes casos, o reconhecimento remonta ao período comunista, no qual havia uma proximidade ideológica com Yasser Arafat, antigo líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Hoje na UE, países como Polônia, Hungria, Eslováquia, República Tcheca, Romênia e Bulgária passaram a reconhecer a Palestina em 1988, ainda na época da Cortina de Ferro. Depois do fim do comunismo, alguns desses países, especialmente a República Tcheca e a Hungria, agora se encontram mais alinhados com Israel, embora continuem a manter relações diplomáticas plenas com os palestinos.

O primeiro e até agora único país a reconhecer um Estado palestino quando já estava na UE foi a Suécia, em 2014. Agora, resta saber se a coalizão hispano-irlandesa crescerá ainda mais: na Bélgica, o governo avalia qual será o momento oportuno; Portugal recuou por enquanto, após a chegada ao poder em abril de um novo governo conservador.

Outros países, como a Alemanha, mantêm vínculos com a Autoridade Nacional Palestina (rival do Hamas), mas só querem reconhecer um Estado palestino quando Israel fizer o mesmo. Enquanto o Hamas, que é classificado como uma organização terrorista por vários países, incluindo todos os membros da UE e os EUA, continuar sendo um fator de poder político nos territórios palestinos, essa medida é considerada fora de questão.

¨      Reconhecimento do Estado Palestino — o que isso significa para Israel e Gaza

A Irlanda, a Noruega e a Espanha anunciaram nesta quarta-feira (22/5) que vão reconhecer o Estado Palestino a partir de 28 de maio.

Pelo menos 140 membros da Assembleia Geral da ONU, incluindo o Brasil, reconhecem formalmente a Palestina como um Estado.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, explicou que a decisão "não é contra Israel" e tampouco "a favor do Hamas" — mas, sim, "a favor da paz".

O premiê norueguês, Jonas Gahr Store, ressaltou, por sua vez, que a solução de dois Estados (um israelense e outro palestino) é a "única alternativa" para a paz no Oriente Médio; enquanto o primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, disse que a decisão ajudaria a criar um "futuro pacífico".

Israel reagiu, no entanto, com fúria à decisão dos três países, chamando de volta seus embaixadores na Irlanda, na Noruega e na Espanha.

O ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, disse ainda que iria convocar imediatamente os embaixadores destes três países em Israel para uma reunião de reprimenda, na qual eles vão assistir a vídeos do ataque de 7 de outubro.

"A história vai lembrar que a Espanha, a Noruega e a Irlanda decidiram conceder uma medalha de ouro aos assassinos e estupradores do Hamas, que estupraram adolescentes e queimaram bebês", afirmou Katz.

Israel não reconhece o Estado Palestino, e o atual governo se opõe à criação de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza. O argumento é que tal Estado seria uma ameaça à existência de Israel.

Já os líderes palestinos celebraram a decisão, classificada como um "momento histórico" pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e um "momento de virada" pelo Hamas.

  • Medida não vai mudar realidade no campo de batalha

A maior parte do mundo, incluindo o Brasil, já reconhece a Palestina como um Estado. No início deste mês, 143 dos 193 membros da Assembleia Geral das Nações Unidas votaram a favor da adesão da Palestina à ONU, algo que só pode ser feito por Estados.

Até a manhã desta quarta-feira, apenas nove países europeus apoiavam a criação de um Estado palestino, e a maioria deles tomou esta decisão em 1988, quando fazia parte do bloco soviético. Sendo assim, o fato de a Noruega, a Irlanda e a Espanha se juntarem a este grupo é algo raro e, ao mesmo tempo, significativo.

Estes países esperam não só sinalizar seu apoio simbólico aos palestinos, como também impulsionar um processo político que esperam ser capaz de ajudar a pôr fim aos combates.

Muitos países árabes dizem que só ajudariam a policiar e a reconstruir Gaza no pós-guerra se o Ocidente reconhecesse o Estado da Palestina como parte desse processo político.

Mas a maioria dos outros países europeus ainda acredita que o reconhecimento deveria ocorrer apenas como parte de uma solução a longo prazo de dois Estados (um israelense e outro palestino) para o conflito.

Assim, a Noruega, a Irlanda e a Espanha estão fazendo uma jogada diplomática que eles esperam ser adotada por outros. Mas isso não vai mudar a realidade no campo de batalha.

  • Uma decisão 'a favor da paz'

Ao anunciar a decisão de reconhecer o Estado Palestino, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, declarou:

"Este reconhecimento não é contra Israel, não é contra os judeus."

“Não é a favor do Hamas, como foi dito. Este reconhecimento não é contra ninguém, é a favor da paz e da coexistência".

A Noruega destacou, por sua vez, que uma solução duradoura na região "só será alcançada por meio de uma solução de dois Estados".

“Não haverá paz no Oriente Médio sem uma solução de dois Estados. Não pode haver uma solução de dois Estados sem um Estado Palestino", afirmou o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Store, em comunicado.

"Em outras palavras, um Estado Palestino é um pré-requisito para alcançar a paz no Oriente Médio."

O primeiro-ministro da Irlanda, Simon Harris, ecoou este pensamento, dizendo que uma solução de dois Estados é o "único caminho confiável" para a paz.

"Estamos três décadas depois dos Acordos de Oslo, e talvez mais longe do que nunca de um acordo de paz justo, sustentável e abrangente", acrescentou.

Segundo ele, a decisão não deveria esperar "indefinidamente" para ser tomada, quando é "a coisa certa a fazer".

  • 'Terrorismo compensa', afirma Israel

Em resposta à decisão dos três países de reconhecer um Estado Palestino, Israel afirmou que vai convocar de volta ao país seus representes diplomáticos na Irlanda, na Noruega e na Espanha "para consultas urgentes".

O ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, disse ainda que vai convocar imediatamente os embaixadores destes três países em Israel para uma reunião de reprimenda, na qual eles vão assistir a vídeos do sequestro de mulheres soldados israelenses durante o ataque de 7 de outubro.

"A história vai lembrar que a Espanha, a Noruega e a Irlanda decidiram conceder uma medalha de ouro aos assassinos e estupradores do Hamas, que estupraram adolescentes e queimaram bebês", afirmou Katz.

"Ordenei que os embaixadores fossem imediatamente convocados para uma conversa de reprimenda — durante a qual eles vão assistir ao terrível vídeo do rapto das observadoras mulheres para ilustrar para eles como a decisão que seus governos tomaram foi distorcida."

"Israel não vai passar por isso em silêncio — a iniciativa deles vai ter sérias consequências", acrescentou.

Segundo ele, "a decisão de hoje envia uma mensagem aos palestinos e ao mundo: o terrorismo compensa".

"Depois de a organização terrorista Hamas ter realizado o maior massacre de judeus desde o Holocausto, depois de ter cometido crimes sexuais hediondos testemunhados pelo mundo, estes países escolheram recompensar o Hamas e o Irã ao reconhecer um Estado Palestino", completou Katz.

"Este passo distorcido por parte destes países é uma injustiça para a memória das vítimas do 7 de outubro, um golpe nos esforços para liberar os 128 reféns, e um incentivo ao Hamas e aos jihadistas do Irã, o que prejudica a possibilidade de paz e questiona o direito de Israel de legítima defesa."

  • 'Passo significativo', diz Ministério das Relações Exteriores palestino

Enquanto isso, o Ministério das Relações Exteriores palestino, baseado na Cisjordânia, celebrou a decisão dos três países.

"Com este passo significativo, a Espanha, a Noruega e a Irlanda demonstraram mais uma vez o seu compromisso inabalável com a solução de dois Estados e com fazer justiça, há muito tempo esperada, ao povo palestino", diz o comunicado divulgado.

"Além disso, os reconhecimentos da Espanha, Noruega e Irlanda estão em conformidade com o direito internacional, e com todas as resoluções relevantes das Nações Unidas — o que, por sua vez, vai contribuir positivamente para todos os esforços internacionais para acabar com a ocupação ilegal israelense e alcançar a paz e a estabilidade na região."

O comunicado prossegue fazendo um apelo para que outros países "tomem esta decisão de princípio o mais rápido possível".

  • 'Momento histórico' para a OLP

O secretário-geral do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Hussein al-Sheikh, classificou a notícia como um "momento histórico".

Segundo ele, o reconhecimento de um Estado Palestino “é o caminho para a estabilidade, segurança e paz na região".

A OLP é reconhecida internacionalmente como o principal representante dos palestinos.

  • 'Momento de virada', diz Hamas

O grupo palestino Hamas — que assumiu o controle da Faixa de Gaza em 2007 — também comemorou a decisão dos três países.

Em declaração à agência de notícias AFP, Bassem Naim, um importante membro do Hamas, afirmou que a "brava resistência" do povo palestino está por trás desta medida.

"Estes reconhecimentos sucessivos são resultado direto desta brava resistência e da lendária perseverança do povo palestino", ele disse.

"Acreditamos que este será um momento de virada na posição internacional sobre a questão palestina."

A decisão dos três países foi anunciada poucos dias depois de o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) ter solicitado a emissão de mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, por crimes de guerra.

  • Israel retira embaixadores da Irlanda e da Noruega

O Ministério das Relações Exteriores de Israel disse na quarta-feira (22) que ordenou a retirada imediata de seus embaixadores na Irlanda e na Noruega em resposta à decisão dessas nações de reconhecer formalmente o Estado palestino.

O ministro das relações exteriores de Israel, Israel Katz, disse que a decisão de reconhecer o Estado palestino minou o direito de Israel à autodefesa e os esforços para devolver os 128 reféns detidos pelo Hamas em Gaza.

“Israel não ficará em silêncio”, disse Katz. “Estamos determinados a alcançar os nossos objetivos: restaurar a segurança dos nossos cidadãos, a remoção do Hamas e o regresso dos reféns”.

“Não existem objetivos mais justos do que estes”, disse Katz.

Também nesta quarta-feira, o premiê espanhol, Pedro Sánchez afirmou que o conselho de ministros do país vai reconhecer o Estado independente palestino na próxima terça-feira, 28.

Com a decisão de Irlanda, Noruega e Espanha, serão 146 dos 193 estados-membro da ONU que reconhecem o Estado Palestino.

Logo depois dos anúncios, o Hamas, que detém o controle sobre a Faixa de Gaza, e a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia e a partes de Jerusalém, agradeceram o reconhecimento.

 

Fonte: BBC News Mundo/CNN Brasil/Sputnik Brasil

 

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