Como consumidores exigentes estão forçando
empresas a serem mais transparentes
Não é de hoje que os
consumidores exercem seu poder de compra para enviar mensagens a empresas de
cujos posicionamentos discordam. Os boicotes podem assumir a forma de desprezo
pessoal a uma loja ou de movimentos midiáticos em grande escala.
Embora muitos destes
boicotes acabem com frequência reduzidos ao campo da "indignação”, muitos
consumidores estão mais determinados do que nunca a gastar com empresas cujos
valores e ética estão alinhados com os seus — e a desviar seu dinheiro de empresas
cujas práticas não estão alinhadas com as suas.
No entanto, embora
seja simples escolher outra marca da prateleira, é difícil impactar os negócios
de qualquer empresa em uma era de conglomerados: muitas marcas são apenas mais
uma dentro de um portfólio de diversos produtos, muitas vezes englobando vários
setores, de uma companhia maior.
Maurice Schweitzer,
professor da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, aponta o
boicote de americanos à Bud Light como exemplo. Em abril de 2023, a marca de
bebidas alcoólicas enfrentou a reação de alguns consumidores conservadores, analistas
e celebridades por sua parceria com a influenciadora transgênero Dylan
Mulvaney.
Embora muitos
consumidores tenham optado por boicotar a Bud Light, na esperança de prejudicar
suas receitas, aqueles que optaram por um produto alternativo podem, de
qualquer forma, ter destinado inadvertidamente seu dinheiro para a marca.
"Existem tantas
marcas irmãs da Bud Light que, na prática, é muito mais complicado do que
simplesmente não beber aquela determinada marca de cerveja, se você está
tentando causar impacto", diz Schweitzer.
A Bud Light pertence à
Anheuser-Busch, que também possui mais de 100 outras marcas, incluindo
Budweiser, Kona Big Wave e Landshark.
Schweitzer afirma que
essa situação é comum, citando como exemplo a Amazon, que é dona de marcas como
Whole Foods e Audible.
Ele explica que, se
houver um movimento de boicote à plataforma de comércio eletrônico da Amazon,
os manifestantes provavelmente ainda vão patrocinar muitas outras empresas da
Amazon, incluindo a Amazon Web Services, que hospeda sites populares como Netflix,
Facebook e Airbnb.
No geral, estruturas
como essa tornam incrivelmente difícil realocar nossos gastos do ponto de vista
ético, especialmente quando o conglomerado pode ser pouco transparente —, sem
contar que os negócios globais estão sempre em evolução.
As grandes empresas
estão constantemente adquirindo startups e marcas menores, e tomando medidas em
resposta às circunstâncias geopolíticas que mudam todos os dias. Pode ser quase
impossível acompanhar, até mesmo para o consumidor mais experiente.
• Não é uma questão de 'tudo ou nada'
Reconhecendo esses
desafios, algumas pessoas estão adotando uma nova abordagem aos boicotes.
Em vez de evitarem
diretamente certas marcas com atitudes com as quais discordam, alguns
consumidores direcionam consistentemente seu dinheiro para empresas nas quais
confiam.
Esses consumidores
conscientes são altamente informados: hiperconscientes de onde e como os
produtos são feitos e distribuídos — e gastam com marcas cuja ética está
alinhada com a sua.
Ao mesmo tempo, no
entanto, eles também são práticos, e não consideram as compras éticas como
"tudo ou nada".
Muitos compreendem a
situação do conglomerado, como um alvo em movimento difícil de atingir, e veem
a interação com empresas das quais discordam como uma parte inevitável da vida
cotidiana.
Eles também podem ser
mais propensos a se perdoar por compras ocasionais de fast-fashion ou de
artigos "não sustentáveis", dizem os especialistas.
Apesar disso, no
entanto, esses consumidores informados estão simultaneamente pressionando as
empresas para melhorarem suas políticas.
Para reconquistar os
consumidores, as marcas precisam trabalhar para ganhar confiança por meio da
transparência, em relação aos erros que cometeram e às atitudes que tomaram
para corrigi-los.
Muitas vezes, isso é
suficiente para trazer de volta os consumidores conscientes — algo que as
empresas perceberam, e as está incentivando a agir.
Na verdade, diz
Moriarty, quando surgem notícias potencialmente prejudiciais relacionadas a
marcas que os consumidores sentem que estão intimamente alinhadas eticamente
com as suas próprias atitudes, estes compradores estão muitas vezes dispostos a
permitir que a marca se redima.
"É fácil para as
marcas perderem a confiança. Mas não é impossível para as marcas recuperarem
essa confiança. Os consumidores não gostam muito de mudanças. Em muitos casos,
procuramos marcas que nos apoiem em qualquer transição, especialmente em questões
gerais, como questões de sustentabilidade ou éticas", diz ele.
"E é muito
difícil para nós desistirmos de alguma coisa, mesmo quando ouvimos más notícias
sobre uma marca ou há uma denúncia de que a marca fez algo errado."
• Mantendo as empresas em alerta
Os especialistas dizem
que esses consumidores conscientes estão mudando a forma como as grandes e
pequenas empresas respondem às retaliações relacionadas a questões éticas.
Mesmo que os
compradores não boicotem totalmente as marcas, seu hábito de consumo e atenção
às práticas corporativas exercem pressão ativamente sobre as marcas para que
mudem e evoluam.
"Isso é consumo
consciente", diz Simon Moriarty, diretor de pesquisa de tendências da
consultoria de inteligência de mercado Mintel.
Ele acrescenta que a
pesquisa de tendências da Mintel mostra que os consumidores estão ansiosos para
ver a jornada da redenção das companhias. E muitos estão mais dispostos a
fazerem as empresas assumirem a responsabilidade por seus erros, se isso significar
manter seus itens favoritos no carrinho de compras.
Um exemplo é a Oatly,
uma empresa sueca de alimentos que produz alternativas à base de aveia para
produtos lácteos.
A marca, criada na
década de 1990, entrou em cena não apenas para desafiar os conglomerados
globais de laticínios, como também se posicionou como mais sustentável do que
essas empresas.
Em 2022, no entanto, a
Oatly se viu em maus lençóis depois de fazer alegações ambientais
"enganosas", nas quais descrevia sua pegada de carbono sem fornecer
evidências suficientes.
No entanto, apesar da
notícia, os consumidores que buscavam uma alternativa mais sustentável aos
lacticínios não abandonaram a empresa de imediato.
Em vez disso, explica
Moriarity, eles acompanharam cuidadosamente as declarações da empresa, e
pressionaram a Oatly a divulgar um plano claro para corrigir o erro de
comunicação e operar de forma mais sustentável.
"Os consumidores
são uma parte crucial do quebra-cabeça na mudança para escolhas mais
sustentáveis", afirma Shaunagh Duncan, diretora de sustentabilidade da
Oatly para os mercados internacionais e da Europa.
Dados da Oatly de
setembro de 2023, aos quais a BBC teve acesso, mostraram que 59% dos adultos do
Reino Unido dizem que mudariam seu hábito de consumo de alimentos e bebidas com
base em "informações precisas" sobre as práticas comerciais da empresa.
Duncan concorda que as
empresas devem ser proativas ao fazer mudanças — e comunicá-las à sua base de
clientes.
A estratégia parece
estar funcionando para a Oatly. Em 2023, a empresa registrou uma receita de US$
783,3 milhões (mais de R$ 4 bilhões). E, na apresentação dos resultados do
quarto trimestre, anunciou que espera que a receita aumente de 5% a 10% em 2024.
Ainda assim, observa
Moriarty, nem todos os consumidores fazem compras de forma tão consciente.
De forma esmagadora, a
maioria das pessoas vai boicotar as marcas ou simplesmente não vai protestar.
"As pessoas
querem fazer a coisa certa — mas, às vezes, isso é complicado, especialmente à
medida que o noticiário muda", avalia Schweitzer.
Cada vez mais, no
entanto, os consumidores vão descobrir que chegar a um meio-termo pode, na
verdade, forçar a maior mudança.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário