sexta-feira, 24 de maio de 2024

Com avanço da Rússia no front, a Ucrânia perdeu em 2022 uma chance de ouro para negociar?

A revista Foreign Affairs publicou recentemente um artigo afirmando que a Rússia e a Ucrânia estiveram perto de chegar a uma resolução pacífica de suas divergências ainda em 2022. Estariam na realidade os países perto de assinar um acordo sobre uma resolução pacífica em 2022?

Em conversa com a Sputnik Brasil, Aleksei Gromyko, membro-correspondente da Academia de Ciências da Rússia e diretor do Instituto da Europa da Academia de Ciências da Rússia, debateu os detalhes do acordo que chegou a ser avalizado pela Rússia e Ucrânia ainda em 2022, mas foi boicotado pela influência das potências ocidentais sobre Kiev.

"Para a revista americana, talvez isso possa ter sido uma novidade, embora agora estejamos em 2024. Mas este tópico tem sido discutido de maneira ativa e aberta por especialistas desde o segundo semestre de 2022", disse Gromyko à Sputnik Brasil.

O especialista observou ainda que em quatro rodadas de negociações russo-ucranianas em fevereiro-março de 2022 foram realizadas conversações que levaram a um acordo relativo à chamada Declaração de Istambul, cujo resumo foi destacado em um documento separado e rubricado pelos chefes de delegações dos dois países. Após a reunião de Istambul, começaram negociações ainda mais intensas, principalmente em formato remoto, para elaborar um projeto de acordo de paz.

"Sua maior parte foi acordada até maio de 2022, incluindo o mais importante em que a Rússia insistia: o status de neutralidade da Ucrânia em termos militares", aponta Aleksei Gromyko.

·        As entrelinhas da entrevista de Arakhamiya

Mesmo depois das falsas acusações feitas contra a Rússia por supostos crimes de guerra na cidade de Bucha, em março de 2022, e após a famosa visita do então premiê britânico Boris Johnson a Kiev em abril do mesmo ano, quando ele apelou aos ucranianos para continuar o conflito, o trabalho sobre o projeto de acordo prosseguiu. O processo terminou apenas na primeira quinzena de maio, quando o lado ucraniano se retirou das negociações, apontou o especialista.

Em novembro de 2023, David Arakhamiya, ex-líder da delegação ucraniana nas negociações, citou duas razões pelas quais elas foram interrompidas: as alterações no texto da Constituição ucraniana em 2019, incluindo o rumo do país para adesão à União Europeia e à OTAN, e a visita de Boris Johnson a Kiev em abril de 2022.

Quanto ao primeiro pretexto, comenta o especialista, "é sabido que as emendas a qualquer Constituição podem tanto ser aceitas, quanto revogadas ou alteradas, especialmente quando se trata da resolução de conflitos internacionais". Por isso, de acordo com o especialista, a primeira referência parece francamente exagerada.

"A referência à visita de Johnson fala de pelo menos duas coisas: em primeiro lugar, que muitos políticos ocidentais, não apenas de modo confidencial, mas também abertamente, apelavam a Kiev para usar qualquer pretexto para não firmar um acordo de paz com Moscou. Em segundo lugar, ao culpar de fato Johnson pelo colapso das negociações de paz, o representante da elite política ucraniana Arakhamiya retira a responsabilidade de Kiev pelo futuro desenvolvimento dos acontecimentos", explica Gromyko.

·        É possível voltar ao projeto de acordo de paz?

"Hoje é claro que não será possível voltar literalmente ao projeto de acordo de paz elaborado até o início de maio de 2022, uma vez que, desde então, a situação na zona de combate mudou a favor da Rússia", ressalta o acadêmico.

Vale destacar que, mesmo assim, o presidente Vladimir Putin e outros altos funcionários russos têm repetidamente afirmado que Moscou está pronta para regressar às negociações com base na iniciativa de Istambul, mas tendo em conta as "novas realidades no terreno".

Aleksei Gromyko ressalta que a justificativa da posição da Rússia nas negociações reside no fato de que Kiev teve uma grande oportunidade em março-maio de 2022 de resolver o conflito em termos mutuamente aceitos e com perdas territoriais mínimas.

"Mas foi Kiev quem se retirou do processo de negociações. Portanto, é dela a responsabilidade de que futuros acordos lhe serão muito menos vantajosos", explica Gromyko.

Quando perguntado se as mesmas condições do acordo de paz propostas em 2022 poderiam ser viáveis atualmente, o membro da Academia de Ciências russa enfatizou:

"A Ucrânia terá que fazer concessões muito maiores do que teria feito na primavera [europeia] de 2022. Quanto à Rússia, ela ganhará muito mais com uma futura resolução do que se ela tivesse sido alcançada em 2022, já que a Rússia agora tem a plena iniciativa no campo de batalha e está avançando."

Ele acrescentou ainda que a Ucrânia corre o risco de perder não apenas territórios que se tornaram parte da Rússia, mas também os que podem se transformar em "zonas tampão", como a região de Carcóvia.

Relativamente às perspectivas de resolução pacífica da crise ucraniana e se o Ocidente está atualmente inclinado a conduzir negociações, o interlocutor da Sputnik Brasil opina:

"Pode-se supor que [...] a cessação das hostilidades possa ocorrer em 2025. O Ocidente segue tentando encher a Ucrânia com armas, mas, de fato, é óbvio que as Forças Armadas da Ucrânia não serão capazes de executar uma nova contraofensiva, nem neste ano, nem no ano que vem. Podemos falar apenas sobre quantos territórios mais serão libertados ou tomados sob controle russo."

"Outra questão é que muitos no Ocidente podem partir não da lógica da derrota ou vitória de Kiev, mas da lógica do prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia pelo maior tempo possível a fim de colocar a Rússia na posição mais desconfortável possível, atrasar ao máximo o seu desenvolvimento", notou o especialista.

"Ao mesmo tempo, [o prolongamento do conflito permitiria] obter uma nova alavanca de pressão sobre a China, para maximizar as suas vantagens econômicas nas relações com a União Europeia, para saturar com o máximo de dinheiro possível o complexo militar-industrial dos EUA."

Quanto às perspectivas de retomada das negociações, Gromyko notou que se fala e se escreve mais no Ocidente sobre a retomada do diálogo do que seis meses atrás. Segundo ele, a percepção de que Kiev não teria capacidade de obter êxitos militares também se tornou mais recorrente nos meios de comunicação ocidentais.

Por fim, observa ele, não se trata de apenas do que o Ocidente estaria inclinado ou não a fazer. Além dele, é necessário considerar países e organizações como a China, Índia, Brasil, União Africana, Turquia, Arábia Saudita, Vaticano, que também apelam a um acordo.

"A influência da opinião desta parte do mundo sobre as posições do Ocidente e Kiev é significativa, e penso que só vai aumentar", concluiu.

¨      'Não temos nada que estar na Ucrânia', afirma congressista republicano sobre financiamento de Kiev

A Sputnik solicitou que o congressista Paul Gosar (republicano pelo Arizona) comentasse a carta enviada ao secretário de Defesa norte-americano por um grupo bipartidário de legisladores dos EUA que pede por mais recursos e apoio à Kiev.

"Os Estados Unidos não deveriam enviar sistemas de armas, munições ou dólares dos contribuintes para financiar ou prolongar uma guerra na Ucrânia, não temos nada a ver com isso", disse o congressista Paul Gosar à Sputnik.

Anteriormente, um grupo de legisladores dos EUA enviou uma carta ao secretário de Defesa, Lloyd Austin, exigindo que ele permitisse que a Ucrânia utilizasse armas de longo alcance fornecidas pelos EUA para realizar ataques dentro do território russo.

"Escrevemos na qualidade de membros da Câmara dos Representantes dos EUA para transmitir o nosso forte apoio a vários pedidos urgentes em nome dos nossos colegas ucranianos: Autorizar o uso de armas fornecidas pelos EUA para atingir alvos estratégicos dentro do território russo sob certas circunstâncias", disse o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos EUA, Michael Turner, e outros legisladores na carta.

Os legisladores também instaram o Departamento de Defesa a treinar mais pilotos ucranianos para operar caças F-16.

O Ocidente tem discutido recentemente cada vez mais a intervenção direta no conflito ucraniano. Por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron disse que os militares franceses poderiam ser enviados para a Ucrânia, e o ministro das Relações Exteriores britânico, David Cameron, disse que era aceitável que o Exército ucraniano atacasse o território russo com mísseis britânicos.

A Rússia descreveu tal retórica como uma onda de escalada de tensão sem precedentes que requer atenção e medidas especiais. Os europeus veem que a situação está mudando rapidamente e está à beira de um colapso total para a Ucrânia, por isso agravam deliberadamente a situação, disse o Kremlin.

¨      Deputado do partido de Macron sugere envio de tropas da OTAN à Ucrânia para 'criar armadilha'

O esforço liderado pela França para um envolvimento mais profundo da OTAN dentro das fronteiras ucranianas está fazendo progressos com os aliados europeus, disse um legislador e porta-voz do partido político do presidente Emmanuel Macron à revista Newsweek.

O deputado e membro do partido Renascentista, Benjamin Haddad, disse à revista norte-americana que a OTAN e a União Europeia precisam "virar a mesa" e que o impulso para compromissos mais profundos da OTAN na Ucrânia – incluindo o envio de tropas – está "claramente crescendo", afirmou.

"Foi interessante ver que nos primeiros dias todos disseram: 'É uma posição isolada da França.'"

O deputado citou o presidente tcheco, Petr Pavel, o primeiro-ministro da Estônia, Kaja Kallas, o chanceler polonês, Radosław Sikorski, e o chanceler da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, como sendo autoridades que apoiam o envio de tropas.

"Isso é importante porque esses países estão na primeira linha, e estes são países que há muito tempo desconfiam de Paris e Berlim. Passamos muito tempo preocupados com a escalada, quando a Rússia é o país que está escalando", acrescentou.

O legislador, que é considerado uma voz de liderança nas discussões sobre política externa francesa, nas palavras da mídia, sugeriu que as capitais ocidentais devem "pensar criativamente" sobre como melhor ajudar Kiev de várias maneiras, incluindo potencialmente colocar botas no chão.

"Neste momento, muitas tropas ucranianas estão estacionadas na fronteira com Belarus para evitar uma potencial invasão vinda do norte. As forças ocidentais poderiam ser posicionadas ao longo da fronteira como uma 'armadilha' (como se tem tropas nos Estados Bálticos ou na Polônia) para poder liberar algumas destas tropas ucranianas para seguirem para a frente", afirmou o parlamentar à revista, acrescentando que "é claro que isso precisa ser feito de forma coordenada. Nenhum país pode fazer isso sozinho".

A Rússia tem alertado consistentemente os seus adversários ocidentais contra o fornecimento de qualquer tipo de ajuda à Ucrânia, ao mesmo tempo que enquadra o conflito em Kiev como um confronto direto com o "Ocidente coletivo" liderado pelos Estados Unidos.

As forças russas estão agora avançando, forçando as tropas ucranianas a recuarem em locais-chave e abrindo novas frentes nas regiões nordeste de Carcóvia e Sumy.

"Isso tem sido preocupante há algum tempo. Vemos uma Rússia que está aumentando a agressão, que transformou a sua indústria em imagens completas de economia de guerra, e penso que temos estado atrasados ​​na nossa resposta, tanto na Europa como nos Estados Unidos", afirmou Haddad.

Em entrevista à Sputnik nesta quarta-feira (22), o diretor do primeiro departamento europeu do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Artyom Studennikov, disse que a participação da França nas hostilidades na Ucrânia fará com que o país seja oficialmente parte do conflito, o que aumentará em muito o risco de um confronto entre as duas potências nucleares.

Ø  Polônia compra sistemas de radar dos EUA de alto alcance para monitorar fronteira com a Ucrânia

O ministro da Defesa polonês, Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, anunciou nesta quarta-feira (22) que a capital, Varsóvia, assinou um acordo com os Estados Unidos para a entrega de um sistema de reconhecimento do espaço aéreo no valor de US$ 960 milhões (R$ 4,9 bilhões).

O ministro disse que o objetivo é colocar o equipamento norte-americano para monitorar suas fronteiras no nordeste.

Nos termos do contrato, a Polônia receberá quatro aeróstatos – ou balões atracados –, que serão estacionados em postos ao longo de suas fronteiras leste e nordeste, de forma a ajudar o sistema de defesa aérea e o sistema de observação costeira polonês.

"A Polônia será o segundo país do mundo a utilizar esse sistema. O acordo define a nossa segurança, é mais um ato de cooperação entre a Polônia e os EUA", afirmou Kosiniak-Kamysz, citado pela Reuters.

De acordo com o chefe da Agência de Armamento da Polônia, o general Artur Kuptel, radares suspensos nos balões cativos monitorarão o céu até a Ucrânia, Belarus e o enclave russo de Kaliningrado a partir do espaço aéreo polonês.

O contrato também prevê logística relacionada e apoio ao programa. O sistema será entregue e totalmente operacional até 2027, acrescentou o ministro.

Os sistemas têm a capacidade de detectar uma ampla gama de objetos, como mísseis, aeronaves, drones e embarcações de superfície, em um alcance de mais de 300 quilômetros.

A cidade de Varsóvia aumentou os gastos com defesa este ano para cerca de 4% do produto interno bruto (PIB), à medida que procura fortalecer suas Forças Armadas. A intenção é investir US$ 2,6 bilhões (R$ 13,3 bilhões) na proteção da fronteira, relata a mídia.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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