Ataques químicos estão mais intensos e
agressivos no Maranhão
Moradores de comunidades tradicionais no
Maranhão pedem socorro. Plantações familiares, rios e animais continuam sendo
vítimas da pulverização indiscriminada de agrotóxicos por drones e aviões de
fazendeiros e empresas agrícolas, que avançam suas fronteiras no estado. Desde
janeiro deste ano, organizações rurais contabilizaram 90 ataques químicos em 22
municípios maranhenses.
Em abril, a Amazônia
Real já havia denunciado a pulverização de agrotóxicos, prática que deixa
rastros de destruição por onde passa. A reportagem ouviu uma série de relatos
de trabalhadores e trabalhadoras sobre a ação, que, além de matar a produção
agrícola das famílias, causa problemas de saúde como feridas, queimaduras,
coceiras, tontura, dor de cabeça, falta de ar, lesões nos olhos, vômito e
fadiga.
De acordo com um novo
levantamento elaborado pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) e pela
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do
Estado do Maranhão (Fetaema), mais de 80
comunidades sofreram com os impactos socioambientais causados pelo
lançamento de veneno entre janeiro e maio deste ano.
O Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Timbiras (STTR) reforça que o
agronegócio continua “colocando veneno” nas comunidades.
Em vídeos enviados à
reportagem, os moradores mostram que flagraram, no dia 17 de maio, a
pulverização aérea sobre a comunidade Manoel dos Santos, no município de
Timbiras, leste do Maranhão. Todo o roçado de arroz e milho foi destruído. No
início de maio os ataques químicos ocorreram na comunidade tradicional
Canafístula, também em Timbiras.
Luis Antonio Pedrosa,
presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Maranhão
(CEDDHMA), afirma que a ação de despejo de veneno fica pior a cada dia que
passa, porque reconfigura o conflito fundiário para além das cercas das
fazendas.
“Não é mais apenas uma
estratégia de expulsão de moradores antigos, atinge também muitas comunidades
vizinhas”, diz. Ele lembra que o Maranhão tem grande incidência de posseiros, o
que só intensifica a tragédia.
A Fetaema e a Rama
formalizaram denúncias junto ao Ministério Público do Maranhão, Defensoria
Pública do Estado, Ministério Público Federal e Comissão Estadual de Prevenção
à Violência no Campo e na Cidade.
Com orientações da
Rama, os próprios moradores dos territórios campestres Lagoa, Canafístula,
Serafim e Parazinho, de Timbiras, elaboraram e encaminharam uma denúncia no dia
17 de maio ao Ministério Público do Maranhão. O documento expõe um suposto
crime ambiental e sanitário cometido por um fazendeiro no povoado Conceição,
nas proximidades das comunidades.
Os trabalhadores
rurais afirmaram que o fazendeiro estava jogando veneno com um avião
pulverizador e prejudicando a saúde dos moradores, principalmente das crianças,
ao envenenar a água e matar as plantações das comunidades.
Em entrevista à
Amazônia Real, Maria das Dores Botelho, moradora da comunidade Canafístula,
conta que os canteiros de horta estão morrendo e a roça de arroz pode estar
contaminada. “Eu acredito que o veneno contamina o cacho [do arroz]. Ele já
está todo maduro, mas o nosso medo é estar contaminado e a gente ser obrigado a
comer porque não tem outro”, lamenta.
Maria diz que até
agora nenhum órgão da Justiça entrou nas comunidades, “para fazer com que eles
[fazendeiros] arquem com os danos que foram causados”.
A Secretaria de Estado
dos Direitos Humanos e Participação Popular, por meio da Comissão Estadual de
Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, respondeu à reportagem que
articulou com órgãos da gestão estadual a garantia de que os moradores recebam
atendimento médico para tratar os problemas decorrentes do contato com as
substâncias químicas. A secretaria também afirmou que encaminha alimentos, água
tratada e água potável aos moradores.
A Secretaria de Estado
do Meio Ambiente e a Secretaria de Estado da Segurança Pública disseram que
verificam os casos denunciados. A
Secretaria do Meio Ambiente, em parceria com a Agência Estadual de Defesa
Agropecuária, informou que realiza ações fiscalizatórias e, em caso de detecção
de irregularidades, o infrator é autuado e responde pelo dano ambiental
causado.
A secretaria garantiu
estar mobilizando uma equipe para fiscalizar os casos denunciados e realizar a
coleta de amostras de água em pontos estratégicos, para identificar a
contaminação e seus possíveis poluidores.
• Crianças e plantações são os mais
atingidos
De acordo com o
relatório técnico do CEDDHMA, a pulverização aérea de agrotóxicos é responsável
pela ampliação dos conflitos no campo maranhense. Os efeitos são violentos e
materializados em forma de exposição permanente aos venenos, lançados
livremente por aviões e drones sobre residências, escolas e áreas de plantios.
Os depoimentos
apresentados no relatório apontam a gravidade do cenário. Os trabalhadores
rurais são intoxicados por agrotóxico de forma direta, sem que haja qualquer
controle e fiscalização por parte das autoridades públicas.
A Fetaema, que
acompanha as comunidades tradicionais do Maranhão, explica que essa forma de
pulverizar dificulta a vida dos pequenos agricultores, porque o veneno cai nas
roças e mata toda a plantação.
“As águas também estão
dando muita coceira no corpo das pessoas, roupas estendidas nas proximidades
dos campos dão coceira. As galinhas que ficam perto dos campos têm vários
problemas, os porcos e os patos também. Isso quando não morrem”, relata
Francisca das Chagas Santos, coordenadora regional da Fetaema na região do
Baixo Parnaíba.
Os danos no Baixo
Parnaíba se estendem ainda a mortes de peixes, animais domésticos e abelhas. Há
ainda a questão do adoecimento psicológico de trabalhadores dessa e de outras
comunidades. O despejo de veneno nas comunidades gera medo. “Tem gente com depressão
e ansiedade”, revela Cleane de Oliveira, presidente do STTR Timbiras.
Na comunidade Roça do
Meio, no município de Duque Bacelar, o lançamento de agrotóxicos aconteceu
sobre as escolas, afetando as crianças. Há casos de doenças de pele que parecem
nunca passar, por exemplo. Segundo os moradores, ainda não houve qualquer intervenção
por parte das autoridades.
As famílias de
assentados e agricultores não contam com água potável para consumo e, segundo
relatos, estão consumindo água das chuvas. Os atingidos por agrotóxicos
tampouco foram atendidos pela rede pública de saúde. Eles pediram a doação de
cestas básicas, de água potável e de atendimento de saúde. Também pedem que
pare a atividade de pulverização aérea de agrotóxico.
Na última semana, o
STTR de Timbiras, a Fetaema e a Rama realizaram doação de cestas básicas aos
moradores de oito comunidades tradicionais que perderam toda a produção
agrícola de 2024.
Diante da situação de
calamidade, as lideranças rurais pedem intervenção urgente da Justiça.“Que esse
problema seja resolvido para não colocar mais [veneno], porque as autoridades
ainda não fizeram nada para ajudar”, manifesta a ativista Cleane de Oliveira.
Em e-mail enviado à
Amazônia Real, o Governo do Maranhão afirmou que uma equipe da Força Estadual
de Saúde, designada pela Secretaria de Estado da Saúde, está disponível para prestar
atendimento às comunidades. No entanto, salienta que “aguarda a solicitação com
as demandas dos municípios, considerando que o trabalho da mesma só pode ser
executado quando há pactuação direta entre as partes”.
A Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Social, apesar de não ter recebido pedido de auxílio dos
municípios afetados, informa que fez um encaminhamento interno para tomar
providências, com o objetivo de atender as comunidades.
Em resposta aos
questionamentos da reportagem, o Ministério Público Federal no Maranhão
informou que foi realizada uma Notícia de Fato na Procuradoria Municipal em
Caxias (PRM/Caxias), encaminhada a partir de representação da Fetaema. O caso é
apurado.
O órgão ressaltou
ainda que há cerca de dois meses participou junto com a Comissão Nacional de
Violência no Campo de uma reunião com a presidente da Assembleia Legislativa do
Maranhão, deputada estadual Iracema Vale (PSB).
Na ocasião, foi proposta uma discussão sobre o uso de pulverização de
agrotóxicos como arma química contra comunidades tradicionais.
A Defensoria Pública e
o Ministério Público do Estado do Maranhão não retornaram os questionamentos da
reportagem sobre as denúncias das comunidades.
• Agrotóxico como arma química
Em abril, a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) lançou a 38a edição da publicação “Conflitos no Campo
Brasil”, com os dados atualizados sobre violência ligada a questões agrárias no
país ao longo de 2023.
No primeiro ano de
governo do terceiro mandato do presidente Lula (PT), foram registrados os
maiores números de casos de violência no campo desde o início dos
levantamentos, em 1985. No total, foram 2.203 conflitos, contra 2.050 em 2022 e
2.130 em 2020, até então o primeiro lugar em números de casos.
O Maranhão ocupa o
terceiro lugar em número de conflitos por estado. Foram 206 casos registrados.
Os dados da CPT mostram como os conflitos no campo deixam um rastro de sangue,
morte e destruição nas vidas de pessoas que lutam por seus territórios, direitos
humanos e modos de vida e da natureza.
Em 2023, foram
registradas 554 ocorrências de violência contra a pessoa, que é direcionada
diretamente aos indivíduos, e não à coletividade das famílias nos territórios.
As violências afetaram cerca de 1.467 pessoas. Neste recorte, o tipo de
violência com mais vítimas foi a contaminação por agrotóxicos, com 21
ocorrências.
A contaminação por
agrotóxicos afetou 336 pessoas e a CPT observou um aumento de 74% em relação
aos casos de 2022. O principal causador das violências no campo é o fazendeiro,
com 51,2% dos registros de ocorrência. O empresário vem em seguida, com 13% das
vítimas de violência sob sua responsabilidade. Em terceiro está o grileiro, com
9,3%, seguido do garimpeiro, com 7,3%, e do governo estadual, com 5,4%.
• ‘Pacote do Veneno’ avança
O Congresso Nacional
derrubou, no dia 9 de maio, parte do veto do presidente Lula à Lei 14.785/2023,
que flexibilizou o controle de agrotóxicos e ameaça a saúde e o meio ambiente.
A lei é apelidada de “Pacote do Veneno” por organizações ambientais e foi aprovada
no Senado em novembro do ano passado, impulsionada pela bancada ruralista.
Foram derrubados 8 dos
17 vetos que haviam sido feitos pelo Executivo e reconheciam as
inconstitucionalidades apontadas por organizações científicas, como a Fiocruz e
a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), órgãos de fiscalização
ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) e ainda por centenas de entidades da sociedade civil que
demonstraram os riscos dos direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Agora, o Ministério da
Agricultura e Pecuária é o responsável exclusivo pelo registro e fiscalização
dos agrotóxicos em casos de reanálises de produtos, excluindo dessa análise o
Ibama e a Anvisa.
“Essa mudança é uma
ameaça à saúde pública e ao meio ambiente, uma vez que retira o rigor técnico
desses órgãos especializados na avaliação dos impactos ambientais e de saúde. O
Brasil, já conhecido como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo (cerca de
719 mil toneladas consumidas em 2021), pode potencializar esse ranking a partir
das consequências dessa flexibilização”, disseram em nota as organizações que
compõem a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
• Redução de impactos
Iniciativas populares,
como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, se mobilizam para
tentar reduzir os impactos do veneno sobre as comunidades tradicionais. A rede
de apoio aos atingidos foi fundamental para a aprovação da lei que proíbe a
pulverização aérea no município de Caxias, localizado a 360 km de São Luís, no
Maranhão, por exemplo.
A zona rural de Caxias
é marcada por conflitos agrários e socioambientais como consequência do avanço
intenso do agronegócio na região, especialmente da monocultura de soja.
A lei prevê multa de
R$ 50 mil para quem desrespeitar a proibição, mas a mobilização popular
pretende alcançar ainda o nível estadual, a exemplo do Ceará, que garantiu no
Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da lei que proíbe a
pulverização em todo o território do estado.
“Queremos expandir a
estratégia legislativa do Ceará e trazer para o Maranhão”, afirma Luis Antonio
Pedrosa, presidente do CEDDHMA.
Como não há um marco
legal definido para impedir a pulverização, Pedrosa argumenta que somente em
alguns casos acontece a intervenção das autoridades, “mas até agora nenhuma
responsabilização efetiva”.
Fonte: Amazônia Real
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