Articulação indigenista do RS divulga carta
aberta sobre situação dos povos indígenas em meio à catástrofe climática
Um conjunto de 22
organizações da sociedade civil que estão atuando na assistência emergencial
aos povos indígenas atingidos pelas chuvas e enchentes históricas no Rio Grande
do Sul divulgou, nesta quinta-feira (16), uma carta aberta sobre a situação destes
povos no estado. A carta apresenta um relato sobre a assistência prestada às
comunidades atingidas pela catástrofe climática e, especialmente, apresenta
propostas de ações emergenciais e estruturais a serem assumidas pelo poder
público.
“Nosso objetivo é
informar, salientando o papel da sociedade civil organizada no atendimento
emergencial aos afetados, e, principalmente, reivindicar por uma maior atuação
e comprometimento dos governos, por meio de seus braços operacionais, a ampliar
urgentemente o suporte aos territórios e estabelecer aqui um núcleo
multi-institucional de atuação de emergência, reconstrução e consolidação de
assistência às famílias indígenas”, informa o documento.
As organizações
relatam que, em dez dias, realizaram ações emergenciais que atenderam mais de
1300 famílias dos povos Mbya Guarani, Kaingang, Xokleng e Charrua, em 67
aldeias distribuídas por 35 municípios. Um levantamento coletivo aponta que
pelo menos 80 comunidades foram atingidas pela catástrofe.
“Em que pese este
coletivo conte com servidores engajados e empenhados em sua missão pública
diante de uma catástrofe sem precedentes, há uma lacuna na formulação e
implementação de uma política pública indigenista que coordene, aglutine e
intersetorialize os diversos compromissos legais que cabem ao poder público”,
destaca a carta aberta.
“Sem esse eixo
central, nos parece improvável garantir a continuidade da atuação coletiva
voluntária, num horizonte em que os impactos negativos vão se desdobrar por
anos – ou mesmo serão perenes, dado o cenário de mudanças do clima”, prossegue
o documento.
“Os povos indígenas
constituem os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global, ao
passo em que são os primeiros a sofrerem as piores consequências da devastação
ambiental”
As organizações listam
14 passos de ações a serem assumidas e coordenadas pelo Estado para garantir o
bem-estar das no curto, médio e longo prazo dos povos indígenas no Rio Grande
do Sul.
Estes pontos incluem
ações de organização logística para gestão de doações destinadas às comunidades
atingidas pelas enchentes, de construção e reconstrução de infraestrutura nas
aldeias e de garantia de direitos como saúde, saneamento básico e soberania
alimentar.
Outro ponto central da
proposta passa pela questão territorial. Muitas das mais de 80 comunidades
atingidas pela catástrofe climática vivem em áreas diminutas e aguardam, há
anos, pela regulamentação de suas terras.
As organizações
solicitam que “sejam empenhados todos os esforços nos três níveis da federação
para garantir o acesso à terra, à regularização fundiária e à infraestrutura
digna nos territórios indígenas”.
Além disso, as
instituições signatárias da carta propõem que todas as terras de propriedade do
estado do Rio Grande do Sul que são habitadas por comunidades indígenas e estão
envolvidas em negociação com a União para abatimento da dívida do estado “sejam
imediatamente convertidas em Reserva Indígena, uma vez que a dívida encontra-se
suspensa por três anos”.
“Os povos indígenas
constituem os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global, ao
passo em que são os primeiros a sofrerem as piores consequências da devastação
ambiental”, destacam as organizações.
Leia a carta na
íntegra abaixo ou baixe-a aqui, em pdf:
CARTA PÚBLICA
Articulação
indigenista no RS
Maio de 2024
Essa carta é
direcionada a toda sociedade do Rio Grande do Sul, do Brasil e também à
comunidade internacional, mas especialmente às instituições e órgãos públicos
das esferas federal, estadual e municipal, buscando oferecer-lhes um contexto
fidedigno, bem fundamentado e atual da situação indígena do estado frente à
calamidade climática que estamos enfrentando. Nosso objetivo é informar,
salientando o papel da sociedade civil organizada no atendimento emergencial
aos afetados, e, principalmente, reivindicar por uma maior atuação e
comprometimento dos governos, por meio de seus braços operacionais, a ampliar
urgentemente o suporte aos territórios e estabelecer aqui um núcleo
multi-institucional de atuação de emergência, reconstrução e consolidação de
assistência às famílias indígenas.
Constituímos de forma
célere uma articulação plurinstitucional entre organizações da sociedade civil
indigenistas, indígenas e atores governamentais, com o objetivo de, em curto
prazo, reunir e sistematizar informações sobre os territórios indígenas afetados
pelas enchentes. De forma concomitante promovemos ações coordenadas que
asseguraram a arrecadação e o envio de mantimentos a todas as famílias
indígenas das regiões afetadas ao alcance deste coletivo.
Em 10 dias, foram
atendidas por estas ações 67 aldeias de 35 municípios, abrangendo mais de 1.300
famílias das etnias Mbya Guarani, Kaingang, Xokleng e Charrua. Estas ações
foram imprescindíveis para a mitigação dos efeitos dessa catástrofe climática
sobre as comunidades indígenas, sobretudo nos aspectos de segurança alimentar e
hídrica, saúde e conforto térmico, com a entrega de cestas básicas, água
potável, kits de limpeza e higiene, roupas, cobertores, colchões, lonas e ração
animal.
Nossa articulação
envolve 17 entidades da sociedade civil e servidores públicos de órgãos
governamentais. No entanto, os recursos humanos, financeiros, materiais e a
abrangência geográfica são limitados frente ao resultado que se necessita, qual
seja, assegurar o amparo emergencial para todas as comunidades indígenas do
estado enquanto os efeitos da calamidade persistirem.
Embora o trabalho
tenha alcançado resultados notáveis, é evidente, até este momento, a ausência
de um processo ágil de coordenação e resposta a emergências climáticas por
parte das autoridades públicas competentes. Em que pese este coletivo conte com
servidores engajados e empenhados em sua missão pública diante de uma
catástrofe sem precedentes, há uma lacuna na formulação e implementação de uma
política pública indigenista que coordene, aglutine e intersetorialize os
diversos compromissos legais que cabem ao poder público. Sem esse eixo central,
nos parece improvável garantir a continuidade da atuação coletiva voluntária,
num horizonte em que os impactos negativos vão se desdobrar por anos – ou mesmo
serão perenes, dado o cenário de mudanças do clima.
Quando as águas
começarem a baixar e a solidariedade que move as ações de apoio não for
suficiente para atender todas as demandas, é imprescindível que o poder público
tenha ocupado seu devido lugar, assumindo suas obrigações. Se faz necessário,
então, que as demandas emergenciais das aldeias passem a ser tratadas como
parte das políticas assistenciais e de gestão ambiental e territorial, visando
atender a todos os territórios, com recursos financeiros, estrutura física e de
pessoal. Sem olvidar que os povos indígenas constituem os maiores agentes de
enfrentamento à crise climática global, ao passo em que são os primeiros a
sofrerem as piores consequências da devastação ambiental.
A partir deste
panorama, solicitamos, como próximos passos no enfrentamento da maior
catástrofe climática do RS:
1. Que seja designada uma instância
coordenadora das ações emergenciais de resposta à crise, com participação das
comunidades indígenas, frente ao contexto da atual emergência climática no RS;
2. Que sejam qualificadas e implementadas
estruturas de enfrentamento a este evento climático extremo nos órgãos públicos
responsáveis pela política indigenista, sobretudo na FUNAI, e se crie uma
logística de atuação junto a todas as aldeias para mapeamento e suprimento das
necessidades mais urgentes;
3. Que o poder público formalize
estrutura(s) física(s) própria(s) como referência para gestão e logística de
donativos às comunidades indígenas afetadas pelas enchentes. Sugere-se que,
emergencialmente, a SESAI, o DSEI e seus polos base assumam essa responsabilidade,
inclusive de coleta, separação e destinação logística de itens e materiais
doados;
4. Que todas as terras de propriedade do
estado do Rio Grande do Sul habitadas por comunidades indígenas, envolvidas em
negociação com a União para abatimento da dívida, sejam imediatamente
convertidas em Reserva Indígena, uma vez que a dívida encontra-se suspensa por
três anos;
5. Que as comunidades indígenas sejam
beneficiárias de medidas emergenciais, tendo menção específica e qualificada de
atendimento previstos com ações e estratégias no Plano e Cronograma de Governo
RS que será apresentado ao governo federal, como contrapartida à suspensão da
dívida que o estado gaúcho tem com os cofres públicos da União;
6. Que a partir do montante destinado ao
socorro e reconstrução do estado do Rio Grande do Sul sejam garantidos recursos
específicos para as comunidades indígenas em termos de infraestrutura, vias e
estradas de acesso às aldeias, energia elétrica, internet, água potável e
saneamento básico, reconstrução e melhorias em moradias, casas de reza e
escolas; bem como para o fortalecimento das condições de soberania e segurança
alimentar dos povos indígenas em seus territórios;
7. Que a partir do mesmo montante sejam
garantidos recursos específicos para a gestão territorial e ambiental das
terras indígenas como forma de promover o etnodesenvolvimento das comunidades,
bem como de estimular a restauração ecológica dos biomas Pampa e Mata Atlântica
e a retomada do desenvolvimento econômico do estado em bases sustentáveis;
8. Que os três entes federados contribuam na
melhoria das condições de saúde das aldeias, com infraestrutura adequada para
os atendimentos, equipes multidisciplinares completas e acolhimento às
condições de saúde mental e do desenvolvimento do bem-viver, especialmente em
momentos de crise;
9. Que nas políticas e ações a serem
desenvolvidas no âmbito da cultura, dentro do plano de recuperação econômica do
estado, sejam contemplados e citados de forma específica trabalhadores e
manifestações culturais dos povos indígenas do RS, com alocação de recursos
específicos; e que haja provisão orçamentária para o desenvolvimento e a
implementação de políticas públicas voltadas à confecção e comercialização do
artesanato indígena, como fonte de geração de renda das famílias, assegurando
legalmente sua exposição e venda em espaços públicos urbanos;
10. Que o Governo do Estado do RS assegure a
infraestrutura e os recursos necessários à retomada do adequado funcionamento
do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Lei Estadual 12.004/2003), garantindo
plenamente a participação das/os conselheiras/os indígenas das diferentes
regiões deste estado e reconhecendo seu papel na proposição, orientação,
articulação e fiscalização das ações implementadas pela administração pública
estadual junto à população indígena; que também assegure, ainda este ano, a
realização do X Fórum da Cidadania dos Povos Indígenas, evento bianual que não
ocorre desde 2019, e cuja importância encontra-se ampliada pela atual crise;
11. Que sejam empenhados esforços para
publicação do Decreto que institui, no âmbito do Sistema Estadual de Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável, a Estratégia Estadual de Fomento dos
Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, conforme
tramita através de processo administrativo (PROA 24/2100-0000425-2);
12. Que seja criado um Subsistema de
Assistência Social Indígena em âmbito emergencial pelo Poder Executivo Federal,
e que o Governo do RS encaminhe uma proposta de lei de criação de um subsistema
de assistência social indígena no âmbito do Sistema Único de Assistência
Social/SUAS ao Presidente da Câmara dos Deputados, e ao Presidente da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, com urgência;
13. Que anualmente sejam garantidos recursos
estaduais com destinação específica para ações de enfrentamento às emergências
climáticas nas Terras Indígenas e aldeias do RS;
14. Que sejam empenhados todos os esforços nos
três níveis da federação para garantir o acesso à terra, à regularização
fundiária e à infraestrutura digna nos territórios indígenas, com o
reconhecimento da tradicionalidade da ocupação nestes espaços que, neste
contexto de emergência climática e crise humanitária, são fundamentais para
garantir a sobrevivência e o futuro das próximas gerações.
E cada uma e cada um
desse grupo, especialmente os das organizações indígenas, que criaram amplas
redes de articulações, como a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Articulação dos
Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) e Conselho de Articulação do Povo Guarani
(CAPG) – sem as quais não teríamos êxito nessa empreitada – seguiremos apoiando
dentro de nossas potencialidades, capacidades e disponibilidades; cientes,
todos nós, de nosso papel e lugar nesse contexto: de agentes intencionados a
transformar as realidades de injustiça, insegurança, vulnerabilidade e
desigualdade, sempre atentos à garantia dos direitos, respeito e solidariedade,
na perspectiva do Bem Viver. Neste momento, este objetivo nos parece difícil e
longínquo, mas todos juntos – reunidas, reunidos; unidas e unidos – sentimos e
mostramos que pode, sim, haver um outro mundo possível.
Seguimos.
AEPIM, Associação de
Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários
Amigas da Terra Br
AMRIGS, Associação
Médica do Rio Grande do Sul
ANMIGA, Articulação
Nacional das. mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade
APERGS, Associação dos
Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul
ARPIN-Sul, Articulação
dos Povos Indígenas da Região Sul
ASIBAMA/RS, Associação
dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e PECMA do Rio
Grande do Sul
ASSEMA/RS, Associação
dos Servidores da Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul
CAPG, Conselho de
Articulação do Povo Guarani
CGY, Comissão Guarani
Yvyrupa,
Cimi, Conselho
Indigenista Missionário
Coletivo Cidade na
Luta
Conselheiros e
colaboradores do CEPI, Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do
Sul
CTI, Centro de
Trabalho Indigenista
FLD-COMIN-CAPA,
Fundação Luterana de Diaconia-Conselho de Missão entre Povos Indígenas-Centro
de Apoio e Promoção da Agroecologia
IECAM, Instituto de
Estudos Culturais e Ambientais
Instituto Curicaca
Organização
Comunitária No Coração da Agulha
Rede Sul de
Restauração Ecológica
Servidoras da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura
Servidores da
Secretaria Estadual de Saúde
Tela Indígena
Fonte: Cimi
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