sábado, 25 de maio de 2024

Alemanha tem recorde de crimes de cunho político e religioso

O Departamento Federal de Investigações (BKA) e o Ministério do Interior da Alemanha divulgaram nesta terça-feira (21/05) o relatório anual Crimes de Motivação Política, com o registro de delitos de cunho sócio-político ou religioso em 2023.

Muitas vezes, as duas motivações andam juntas, como mostra o relatório. Os efeitos dos ataques terroristas do Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023 e a subsequente reação israelense que resultou na guerra na Faixa de Gaza repercutiram com força na Alemanha.

"A situação no Oriente Médio teve impacto direto na radicalização na Alemanha em todos os níveis, com o aumento de atos antissemitas, protestos nas ruas e o crescimento dos crimes de motivação política. O potencial para agravamentos é enorme", resumiu o diretor do BKA, Holger Münch, ao apresentar os dados de 2023 em Berlim, ao lado da ministra alemã do Interior, Nancy Faeser.

"Aqueles que semeiam a raiva e o ódio em nossa sociedade se tornaram mais ruidosos. O ódio na internet continua explodindo", afirmou a social-democrata Faeser.

·        Mais de 60 mil crimes

Pela primeira vez, o número de todos os crimes registrados superou o patamar de 60 mil, o que representa um aumento de 1.100 casos em comparação a 2022 e mais do que o dobro de dez anos atrás.

A maioria dos casos foram os chamados crimes de propaganda, que representam um terço do total nas estatísticas atuais. Isso inclui o uso de símbolos de organizações inconstitucionais, como a suástica nazista. A incitação ao ódio, insultos e danos a propriedades ficam entre 13% e 15%.

·        Queda da violência após a pandemia

O total dos atos violentos, porém, caiu quase 12%, chegando a 3.561. Para Münch, isso não é surpresa. Segundo ele, o motivo é que em 2022 muitos crimes ainda eram cometidos em associação aos protestos contra as restrições impostas durante a pandemia de covid-19. Desde o fim das medidas, o número de manifestações caiu significativamente.

O maior perigo continua sendo o extremismo de direita, responsável por quase a metade dos crimes cometidos. "Em nenhuma outra área o número de vítimas é tão alto", observou Faeser, se dizendo particularmente preocupada com os atos de violência contra autoridades e políticos.

Quase todos os partidos políticos alemães foram afetados por isso, incluindo o ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que é vigiado pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), a agência de inteligência interna do país, por suspeita de extremismo político.

·        Ultradireita estimula clima de violência

O ataque ao candidato do Partido Social-Democrata (SPD) às eleições europeias Matthias Ecke, em Dresden, há poucas semanas, deixou o país horrorizado. Faeser, que esteve com ele recentemente, relatou que Ecke "não se permite ser intimidado ou silenciado, assim como muitos outros que viveram essas hostilidades e permanecem fortes, não importa a qual partido pertençam, aos Verdes, SPD ou AfD".

A ministra do Interior não deixa dúvidas sobre onde estão os instigadores por trás da violência política. "Aqueles que, especialmente nos grupos da direita, provocam um clima de violência com hostilidades totalmente desinibidas, carregam uma responsabilidade considerável por tudo isso".

Faeser ressaltou que "é importante proteger os atingidos pelos crimes de motivação política, aqueles que sentem o racismo, o ódio aos judeus, a violência islamista e os extremismos de direita e de esquerda".

·        Extremismo de esquerda

A ministra disse que essa violência também é dirigida à sociedade aberta e livre. "Esses são atos que com frequência se voltam contra a dignidade humana e a democracia". "Utilizamos todos os nossos instrumentos, do monitoramento por meio da inteligência a investigações intensas", esclareceu.

Ao comentar sobre a cena islamista no país, ela pontuou que "as autoridades de segurança agiram diversas vezes de maneira antecipada nos últimos meses para evitar ataques".

A cena da extrema esquerda também vem sendo cada vez mais acompanhada de perto pelas autoridades. Segundo Faeser, um em cada quatro extremistas de esquerda são classificados como tendo tendência à violência. "O limite de suas inibições vem caindo ao ponto de atacarem oponentes políticos e policiais em atos de extrema brutalidade."

·        Agravamento das tensões políticas e sociais

O diretor do BKA descreve os desenvolvimentos recentes como "ameaçadores". O recorde no número de casos demonstra o agravamento das tensões políticas e sociais em meio à sobreposição de crises e conflitos diferentes.

"Vemos atualmente o quão rápido as emoções, o ódio e a agitação, assim como a violência real nas ruas da Alemanha, podem progredir", observou Münch.

A Associação de Centros de Aconselhamento aos Afetados pela Violência de Extrema Direita, Racismo e Antissemitismo (VBRG) mantém contato constante com as vítimas, além de realizar seus próprios balanços.

Em 2023, a entidade, que age nos 16 estados alemães, documentou 2.589 crimes – um aumento de mais de 20%. Judith Porath, da organização Perspectiva das Vítimas, em Brandemburgo, relatou 1.402 casos envolvendo danos corporais.

Ela observou que crianças e jovens também são vítimas dos crimes de motivação política. De todos os crimes registrados, 585 foram cometidos contra menores de idade. Segundo Porath, esses dados revelam "um desenvolvimento muito grave que ilustra como as situações de ameaça pioraram, em particular, para os grupos mais vulneráveis".

Os criminosos advêm de todas as faixas etárias e são, com frequência, abertos em relação aos seus crimes.

A diretora do centro de aconselhamento em Brandemburgo cita como exemplo a tentativa de assassinato de uma jovem negra em Hamburgo. "Seu vizinho extremista de direita, que havia anunciado seu crime de antemão, atirou com um fuzil contra ela através da porta do apartamento."

A disseminação do discurso antirefugiados e a incitação ao racismo estão entre as principais causas da violência. Segundo Porath, isso vem sendo incensado por partidos de direita como a AfD, entre outros.

¨      Extrema direita alemã proíbe candidato de participar de comícios após declarações escandalosas

O partido de extrema-direita alemão AfD proibiu nesta quarta-feira (22) que seu principal candidato para as eleições legislativas europeias, Maximilian Krah, participasse de todos os comícios eleitorais, punindo-o por uma série de erros que levaram a um rompimento com Marine Le Pen, sua principal aliada na França.

O advogado de 47 anos deixa o cargo de confiança que tinha frente a órgãos de direção da legenda, informaram os co-presidentes do partido de extrema-direita alemão, AfD, Alice Weidel e Tino Chrupalla, em uma breve declaração.

O polêmico eurodeputado vem causando ao partido “danos enormes na campanha eleitoral”, aponta o AfD, mas ele continua sendo o principal candidato para as eleições europeias de 9 de junho e parece tarde demais para mudar a lista eleitoral.

A decisão acontece após o anúncio feito na terça-feira pelo partido francês de extrema direitaReunião Nacional (RN), de que encerraria sua cooperação com o AfD no Parlamento Europeu, onde eles fazem parte do grupo Identidade e Democracia (ID).

O mais recente incidente envolvendo Maximilian Krah, que é suspeito de ter laços estreitos com a Rússia e a China e é muito ativo no TikTok, remonta ao último fim de semana: em uma entrevista ao jornal italiano La Repubblica, ele disse que um nazista “não era automaticamente um criminoso”.

"É hora de romper com esse movimento, que não é liderado e está claramente sob a influência de grupos radicais", disse Marine Le Pen, presidente do grupo RN na Assembleia Nacional Francesa, à rádio Europe 1 nesta quarta-feira.

“Nas mãos de Deus"

Reagindo no X, Krah confirmou que havia sido afastado em nome da unidade de seu partido, ao mesmo tempo em que lamentou o fato de que “declarações objetivas e matizadas” haviam sido usadas “como pretexto para prejudicar nosso partido”. “Nunca podemos cair mais baixo do que nas mãos de Deus”, acrescentou esse católico fervoroso.

Durante várias semanas, o deputado eleito tornou-se um incômodo para seu partido, a principal legenda da extrema direita alemã, que o havia indicado por ampla maioria, há cerca de um ano, para ser seu líder nas eleições europeias de 9 de junho.

O sistema judiciário alemão abriu uma investigação preliminar sobre as suspeitas de financiamento russo e chinês do candidato. Um de seus assistentes no Parlamento Europeu, Jian Guo, foi acusado pela promotoria federal de espionar para Pequim no coração da instituição. Ele foi preso no final de abril.

Petr Bystron, o número dois da lista da AfD e membro do Bundestag, o Congresso alemão, também anunciou nesta quarta-feira que não faria campanha, alegando motivos familiares em uma estação de rádio da Baviera, no sul do país.

O eurodeputado eleito, suspeito de ter recebido financiamento russo, também está na mira dos tribunais, que suspenderam sua imunidade na quinta-feira e fizeram buscas em seus escritórios no Bundestag, na Baviera, de onde é originário, e na ilha espanhola de Maiorca.

·        Radicalização

O partido RN já havia se distanciado de seu aliado alemão após uma reunião de extremistas em Potsdam, no final de 2023, revelada por uma mídia investigativa em janeiro, durante a qual foi discutido um plano para a expulsão em massa de estrangeiros ou pessoas de origem estrangeira da Alemanha.

Membros do AfD participaram da reunião, revelando uma radicalização que vinha ocorrendo no partido há anos. Na semana passada, Björn Höcke, considerado o verdadeiro homem forte do partido, foi multado em € 13 mil por usar um slogan nazista.

O partido AfD aparece nas pesquisas com cerca de 15% das intenções de voto nas eleições europeias, relegado ao segundo ou terceiro lugar, depois de ter subido para cerca de 23% no final de 2023. Mas a legenda permanece em um nível mais alto do que nas eleições de 2019, quando obteve 11% dos votos.

A divisão entre o RN, que vem trabalhando com ênfase para limpar sua imagem de extremista na França com o objetivo de chegar ao poder, e o AfD, que está se tornando mais radical, ilustra duas estratégias agora incompatíveis, de acordo com observadores.

A evolução do AfD pode ser entendida como o fato de que o partido está simplesmente tentando influenciar o discurso na Alemanha - sem realmente trabalhar para assumir responsabilidades governamentais", disse à AFP Jacob Ross, do think-tank alemão DGAP.

 

Fonte: Deutsche Welle/AFP

 

Nenhum comentário: