sábado, 25 de maio de 2024

 

Fábio de Sá e Silva: ‘Não foi só burrice de Zambelli. Foi um grave crime contra a democracia’

ESTA SEMANA, O SUPREMO Tribunal Federal, o STF, finalmente apreciou a denúncia criminal contra a deputada Carla Zambelli e o hacker Walter Delgatti Neto, que teriam atuado em conjunto para invadir o site do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, e falsificar diversos registros administrativos armazenados nos sistemas do Conselho.

Entre esses registros, estava um inusitado mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, “expedido” por este próprio.

O mandado chegou a ser incluído no sistema do CNJ, o que disparou comunicação a agências da segurança pública, entre as quais a Polícia Federal e seus agentes de aeroportos. Poderia ter gerado alguma dor de cabeça a Moraes, além de desperdiçar o tempo de funcionários públicos que fazem controle migratório nas fronteiras do país.

Na sessão em que a denúncia foi apreciada e, ao final, aceita, a ministra Carmén Lúcia disse que, analisando o caso, concluiu ser necessário cautela não apenas com a “inteligência artificial”, mas também com a “desinteligência natural”, dado que seria completamente ilógico que alguém expedisse mandado de prisão contra si mesmo.

Pedindo desculpas por ser menos polido, Alexandre de Moraes disse que chamaria as coisas por outro nome: “burrice” mesmo.

O recebimento da denúncia parecia inevitável; a autoria e materialidade de crimes, requisitos exigidos nessa fase de um processo, estão mais que bem estabelecidas.

Além de confissão de Delgatti Neto (rainha das provas, dizem os processualistas), há evidências produzidas pela própria Zambelli que, nas redes sociais, fez questão de documentar os seus esforços para trazer o hacker para o seio das operações bolsonaristas nas eleições de 2022.

Como se não bastasse, uma cópia do mandado de prisão de Moraes gerado por Delgatti foi encontrada com Zambelli.

Por seu trabalho de invasão do sistema do CNJ, Delgatti ainda teria recebido pagamento de forma escamoteada (em bom português, por meio de laranjas).

A esposa de um funcionário de Zambelli, de nome Jean Hernani, teria sido contratada para cuidar de redes sociais de candidatos do PL. Parte do valor desse contrato era destinado ao hacker. Uma ironia, em se tratando do gabinete da afilhada do ex-juiz Sergio Moro.

•        Não se trata apenas de burrice

Chamar essas operações de “burrice” é tentador, dada a forma tosca que assumiram. Mas “burrice” é uma diminuição indevida do que elas representam.

O objetivo de forjar um tosco mandado de Moraes contra si mesmo nunca foi prendê-lo, mas sim demonstrar a capacidade de invasão dos sistemas da justiça. E, com isso, sugerir que as urnas eletrônicas usadas nas eleições de 2022 eram vulneráveis. Se a justiça não pode cuidar dos próprios sistemas, vai ser capaz de cuidar do seu voto?

É evidente que urnas eletrônicas nada têm a ver com o sistema de mandados do CNJ. A começar que as primeiras não estão conectadas à internet, ao contrário do segundo.

Aliás, resulta da confissão de Delgatti que Zambelli o havia pedido para invadir uma urna, e não o sistema do CNJ. Pedido que ele não conseguiu atender, o que deveria servir como mais um atestado sobre a segurança do nosso sistema de votação.

Mas fatos importam pouco no mundo em que vivemos.

E importavam menos para o que a Polícia Federal tem chamado de um núcleo de desinformação da organização criminosa que visava dar um golpe no país, cujos objetivos principais eram desacreditar as eleições, disseminar entre a população a ideia de que a derrota de Bolsonaro foi fraudulenta e incitar o caos, a fim de justificar uma intervenção dos militares.

Nesse contexto, as travessuras de Delgatti e Zambelli nada tem de burrice. São, isso sim, de grande argúcia, pois foram plenamente capazes de gerar os factoides que intoxicaram os “tios do zap”, que acabaram em acampamentos de quarteis e no quebra-quebras de 8/1.

Por tudo isso, o STF ganharia mais se, ao invés de desqualificar a aparente atuação de Zambelli e Delgatti como “burrice”, chamasse a atenção para a devida gravidade que essa atuação possui, como parte dos esforços de Bolsonaristas para dar um golpe.

Afinal, estamos falando de gente que não apenas tratou de espalhar mentiras sobre urnas, mas que cometeu crimes visando tornar essas mentiras mais potentes e capazes de incendiar os derrotados nas eleições, a fim de que apoiassem a subversão destas.

Não foi, portanto, burrice; foi parte de um crime contra a democracia que precisamos nos acostumar a chamar pelo nome correto.

 

•        PL usa Fundo Partidário para pagar sócio de Eduardo Bolsonaro e organizador do CPAC no Brasil. Por Paulo Motoryn

O PARTIDO Liberal, sigla de Jair Bolsonaro, utilizou R$ 160 mil de seu fundo partidário para pagar um sócio de Eduardo Bolsonaro, deputado federal do PL de São Paulo.

O beneficiário do desembolso foi o advogado Sérgio Sant’Ana, diretor do Instituto Conservador-Liberal, organização criada em sociedade com o filho do ex-presidente — e que tem como principal missão a organização das edições brasileiras da Conferência de Ação Política Conservadora, o CPAC.

De acordo com a prestação de contas do PL ao Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, o pagamento foi efetuado em 24 de janeiro de 2024, sob a justificativa de serviços genéricos de “consultoria jurídica”. O documento fiscal que poderia fornecer mais detalhes dos serviços prestados ainda não está disponível – o prazo é só no final do ano. Por enquanto, o extrato financeiro do PL confirma apenas a data e o valor do desembolso.

Sant’Ana é advogado de vários integrantes do PL, como os deputados federais Adilson Barros, de São Paulo, e Gustavo Gayer, de Goiás, e o ex-deputado André Porciúncula, da Bahia, mas os processos não têm ligação com a vida partidária. O TSE proíbe a utilização do fundo para pagamento de honorários advocatícios. Não foram localizados casos em que Sant’Ana defende o PL.

O pagamento do PL ao sócio de Eduardo Bolsonaro na organização do CPAC chama a atenção porque, no ano passado, o partido utilizou sua Fundação Álvaro Valle para bancar todos os ingressos do evento. A Fundação é mantida, em parte, com recursos do fundo.

Na ocasião, foi o próprio Sant’Ana que explicou o apoio da fundação ao evento. “É uma questão de sinergia. A missão da fundação do PL é trabalhar pela difusão dos valores conservadores no Brasil, e o CPAC é o maior evento conservador do país. Essa parceria, portanto, faz todo sentido”, disse.

Na edição de 2023, o investimento do PL no CPAC superou os R$ 150 mil, de acordo com levantamento publicado no ICL Notícias. O valor considera R$ 122 mil aplicados pela Fundação Álvaro Valle e a verba somada de R$34,6 mil gasta por deputados bolsonaristas com diárias e passagens da Câmara dos Deputados para irem ao evento.

Procurados, Sant’Ana e o PL não responderam aos questionamentos feitos pelo Intercept sobre a natureza dos serviços prestados pela advogado. Eduardo Bolsonaro e o Instituto Conservador-Liberal também foram procurados. Não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.

•        Do governo Bolsonaro para o CPAC

O CPAC é um evento criado originalmente nos EUA que reúne líderes e simpatizantes do movimento conservador. No Brasil, a conferência ocorre desde 2019, quando foi realizada em São Paulo. Já passou por Brasília e Minas Gerais e, desde 2021, é organizada pelo Instituto Conservador-Liberal.

A sociedade individual de advocacia de Sérgio Sant’Ana, beneficiária do pagamento, foi criada em janeiro de 2022. Os dados da empresa são praticamente os mesmos do Instituto Conservador-Liberal.

A começar pelo número de telefone registrado, que é quase idêntico ao número cadastrado na Receita Federal pelo ICL, dirigido por Eduardo Bolsonaro e Sant’Ana desde sua fundação, em dezembro de 2019.

Além disso, os domínios CPAC Br e iclbr.com.br listam Sant’Ana como proprietário. Antes, a URL do ICL estava em nome do irmão de Sant’Ana, Hélio Cabral Sant’Ana, ex-diretor de tecnologia da informação na Secretaria-Geral da Presidência da República do governo Jair Bolsonaro.

Sérgio Sant’Ana, assim como o irmão, também passou por cargo comissionado no governo Bolsonaro. Ele foi assessor especial do Ministério da Educação na gestão de Abraham Weintraub e chegou até a ser cogitado para o cargo de ministro de estado.

Depois do governo, os irmãos Sant’Ana têm se dedicado a articulações internacionais. Enquanto Sérgio se debruça na produção do CPAC, Hélio trabalha para uma empresa israelense de cibersegurança que tem conexões com o Exército Brasileiro.

•        CPAC 2024: oito confirmados, sete do PL

Nas redes sociais, a ONG de Sérgio Sant’Ana e Eduardo Bolsonaro se dedica quase que exclusivamente a publicações promocionais da próxima edição do CPAC, que vai acontecer em julho, em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Até o momento, segundo o site do evento, foram confirmados oito palestrantes. Entre eles, sete são deputados federais do PL. Em boa parte das publicações anunciando os nomes dos convidados, quem aparece como garoto-propaganda é Sant’Ana.

Na primeira delas, em 26 de abril deste ano, o sócio de Eduardo Bolsonaro gravou um vídeo ao lado de Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas, atualmente do Republicanos – mas em negociação para ingressar no PL. Derrite escreve artigos para o site do ICL.

Derrite, deputado federal licenciado para ocupar o cargo de secretário, foi o primeiro convidado confirmado para o CPAC 2024 a ter uma peça de divulgação nas redes sociais. Em 1° de maio, Sant’Ana gravou vídeo confirmando a presença de outra figura proeminente no PL paulista: o  ex-ministro Ricardo Salles.

Além de Salles, Derrite e, claro, Eduardo Bolsonaro, estão confirmadas as presenças de outros integrantes da bancada do PL no Congresso Nacional no CPAC 2024: Nikolas Ferreira, de Minas Gerais; e Júlia Zanatta, Caroline de Toni e Ana Campagnolo, de Santa Catarina.

O único palestrante confirmado que não integra as fileiras do partido é um estrangeiro, o ator e diretor mexicano Eduardo Verástegui, autor do filme “Sound of Freedom”. A obra caiu nas graças da extrema direita ao retratar a história de um ex-agente do Departamento de Segurança Interna do governo dos EUA que larga o posto para “fazer justiça com as próprias mãos” e tentar acabar com o tráfico sexual de pessoas.

 

Fonte: The Intercept

 

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