Trabalhador de aplicativo: sem proteção
social, mas contra a regulação
Motoristas e
entregadores de aplicativos estão trabalhando mais e ganhando menos desde que
as plataformas de mobilidade começaram a fornecer os serviços para os usuários.
Entre 2012 e 2015, os motoristas tinham rendimento médio mensal de R$ 3.100. Em
2022, o valor auferido era inferior a R$ 2.400 (queda de 22,5%). No caso dos
entregadores, a redução foi da renda média foi ainda mais aguda em um intervalo
menor (- 26,66%), de R$ 2.250 em 2015 para R$ 1.650 em 2021.
Nos períodos
indicados, houve aumento do número de trabalhadores disponíveis. Entre 2012 e
2015, a oferta de mão de obra de motoristas autônomos no setor de transporte de
passageiros era de cerca de 400 mil trabalhadores. Em 2022, o total de ocupados
se aproximava de 1 milhão. Já o número de entregadores inscritos nas
plataformas saltou de 56 mil para 366 mil entre 2015 e 2021.
Os dados citados foram
apurados no estudo Plataformização e precarização do trabalho de motoristas e
entregadores no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a
partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –
Pesquisa Nacional por Amostra Domicílios Contínua (Pnad). Tanto para
motoristas quanto para entregadores, a média dos rendimentos dos trabalhadores
inscritos nas plataformas era inicialmente superior à média dos ocupados em
atividades semelhantes.
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Mais trabalho com menos dinheiro
Além da perda de
remuneração, motoristas e entregadores inscritos em plataformas de mobilidade
passaram a trabalhar mais. A proporção de motoristas com jornadas entre 49 e 60
horas semanais passou de 21,8% em 2012 para 27,3% em 2022. No caso dos entregadores,
a proporção de quem tinha jornadas iguais ou superiores a 49 horas semanais
passou de 19,9% em 2012 para 29,3% em 2022.
Com rendimento menor e
mais horas de trabalho, motoristas e entregadores – que não têm carteira
assinada, não recebem décimo terceiro salário e nem recolhem para o Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – também perderam a proteção da Previdência
Social por falta de contribuição voluntária. Entre 2012 e 2018, a média foi de
31,1% dos entregadores contribuindo, enquanto entre 2019 e 2022 essa média
baixou para menos de um quarto (23,1%).
O fenômeno foi ainda
mais agudo entre os motoristas, conforme mostra o estudo: “nota-se que,
até 2015, os motoristas de passageiros detinham taxa de contribuição
previdenciária muito superior aos demais grupos considerados. Especificamente
em 2015, pouco menos da metade dos motoristas de passageiros (47,8%)
contribuía, em comparação com 28,6% dos trabalhadores por conta própria e 20,6%
dos empregados sem carteira assinada. Após 2015, quando começam a se difundir
os aplicativos de transporte, a cobertura previdenciária dos motoristas de
passageiros se reduz quase pela metade, somente 24,8% dos trabalhadores em
2022.”
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Breque dos APPs
A precarização das
condições de trabalho levou motoristas e entregadores a paralisar as
atividades em 25 de julho de 2020, durante a epidemia de covid-19. O
Breque dos Apps, como a mobilização ficou conhecida, tinha como pauta os
aumentos do valor pago por quilômetro rodado e do valor da taxa mínima paga
pela entrega. Os trabalhadores também reivindicavam o fim do sistema de
pontuação e a reativação de cadastros bloqueados pelas plataformas.
A situação de
motoristas e entregadores inscritos nos aplicativos levou o governo
federal a instituir, entre 1° de maio e 28 de novembro do ano passado, um grupo
de trabalho (GT) tripartite com representantes de empresas, dos trabalhadores e
do próprio governo para elaborar uma
proposta consensual
de regulamentação das atividades de transporte de pessoas, de bens e
outras, executadas por intermédio de plataformas tecnológicas.
O prazo de
funcionamento do GT chegou ao fim sem perspectiva de acordo para proposta
conjunta que resultasse em projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso
Nacional. Em março deste ano, o governo federal apresentou sozinho o projeto de
lei complementar, que trata da relação de trabalho entre motoristas e empresas
que operam aplicativos de transporte individual (PLP nº 12/2024).
A tentativa frustrada
de consenso é descrita no estudo O grupo tripartite brasileiro e os desafios de
compor uma proposta de regulação do trabalho coordenado por plataformas
digitais, também publicado pelo Ipea. De acordo com o documento, entre as
razões para o fracasso está a baixa representação sindical dos trabalhadores e
das empresas, o que resultou na falta de rotina de negociação coletiva.
“Essa falta de
institucionalização resultou na ausência de uma linguagem comum entre empresas
e trabalhadores envolvidos nas negociações. Enquanto a pauta de reivindicações
da bancada laboral do GT se baseava na linguagem do direito do trabalho
estabelecido, as propostas da bancada empresarial se baseavam em linguagem
própria e enfatizavam, em vários momentos, a necessidade de novo marco legal
para o que alegavam ser uma nova forma de trabalho. entre as empresas de
plataformas digitais e os sindicatos dos trabalhadores plataformizados”,
diz o texto.
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Empreendedor ou trabalhador
O Ipea também publicou
estudo O que pensam os entregadores sobre o debate da regulação do trabalho por
aplicativos?, elaborado por pesquisadores do Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília (UnB), sobre o perfil dos trabalhadores a partir de
pesquisa tipo survey com aplicação de questionário, de forma
presencial e online, junto a 247 motoristas e entregadores que
atuavam no Distrito Federal no primeiro semestre de 2023.
O estudo mostra que a
categoria tem posicionamento ambíguo, que alterna a autoimagem de que são
empreendedores – e precisam de autonomia em relação ao Estado para o bom
desenvolvimento e liberdade de suas atividades -, com a autocompreensão de que
são trabalhadores e assim devem reivindicar direitos sociais previstos em
outras ocupações laborais.
“Constituiu-se, nos
últimos anos, um pensamento hegemônico de que o contrato de trabalho – ou, em
outras palavras, ser celetistas ou ‘fichado’ – é sinônimo de subordinação a um
patrão e, portanto, de sujeição às mais diversas formas de exploração, discriminação,
assédio etc. Dessa forma, trabalhar por meio de um aplicativo dá a sensação de
não haver uma relação de subordinação e, consequentemente, haveria maior
liberdade nas escolhas da vida laboral, ainda que isso implique jornadas
excessiva de mais de 14 horas diárias e seis dias por semana”,
afirma a pesquisa.
Para o economista
Carlos Henrique Leite Corseuil, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea,
e membro do corpo editorial que decidiu pela publicação dos três estudos, os
trabalhadores inscritos em aplicativos “percebem o contrato CLT ou a legislação
trabalhista como amarras em relação à jornada de trabalho. Temem enrijecer
jornada, enrijecer remuneração. Eles acham que vão ficar atrelados ao salário
mínimo, à remuneração mínima. Mas não percebem que sozinhos, negociando com as
empresas, não estão conseguindo ter autonomia em relação à definição de um
monte de coisas do trabalho, frente ao que as empresas estão impondo
a eles.”
O economista assinala
que os trabalhadores “falam muito que prezam pela autonomia, que querem
autonomia e, por isso, até são reticentes a serem enquadrados como empregados
na legislação trabalhista. Mas, na verdade, depois depurar um pouco melhor os
dados, é possível ver que eles não têm muita autonomia em diversos critérios.
Não são livres para precificar o serviço, para estabelecer a jornada de
trabalho e nem para definir qual cliente quer atender ou não. Há aparente
contradição nessa posição dos trabalhadores em relação ao quanto de autonomia,
de fato, eles têm ou pensam que têm.”
Conforme os resultados
apurados pelos pesquisadores da UnB para o Ipea, “a imensa maioria dos
entregadores” é de homens (88,3%); pretos ou pardos (75,2%). “Quanto à
faixa etária, a maior parte tem entre 26 e 30 anos (26,7%), seguido pelas
faixas etárias de 31 a 35 anos (21,5%), 20 a 25 anos (19,8%) e 36 a 40 anos
(14,2%). Observou-se pequeno percentual de jovens adultos de 18 a 20 anos
(5,7%) e de pessoas com idade superior a 50 anos (12,2%).”
¨
Entenda o projeto de
lei do governo para regulamentar trabalho por aplicativo
O texto do projeto de
lei complementar enviado para votação no Congresso Nacional, caso seja aprovado
pelos parlamentares, passará a valer após 90 dias.
No projeto, o governo
propõe o valor que deve ser pago por hora trabalhada e contribuição ao
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Eles terão direito a
receber R$ 32,90 por hora de trabalho. Desta forma, a renda mínima será de R$
1.412.
“Vocês acabaram de
criar uma nova modalidade no mundo de trabalho. Foi parida uma criança no mundo
trabalho. As pessoas querem autonomia, vão ter autonomia, mas precisam de um
mínimo de garantia”, disse o presidente Lula após a assinatura do documento.
O presidente
acrescentou que a categoria deverá trabalhar para convencer os parlamentares a
aprovar a proposta.
A proposta de projeto
de lei é resultado de grupo de trabalho, criado em maio de 2023, com a
participação de representantes do governo federal, trabalhadores e empresas, e
que foi acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do
Ministério Público do Trabalho (MPT).
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Outras regras previstas no projeto
- Criação da categoria “trabalhador autônomo por plataforma”
- Os motoristas e as empresas vão contribuir para o INSS. Os
trabalhadores pagarão 7,5% sobre a remuneração. O percentual a ser
recolhido pelos empregadores será de 20%.
- Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a
auxílio-maternidade
- A jornada de trabalho será de 8 horas diárias, podendo
chegar ao máximo de 12
- Não haverá acordo de exclusividade. O motorista poderá
trabalhar para quantas plataformas desejar.
- Para cada hora trabalhada, o profissional vai receber R$
24,07/hora para pagamento de custos com celular, combustível, manutenção
do veículo, seguro, impostos e outras despesas. Esse valor não irá compor
a remuneração, tem caráter indenizatório.
- Os motoristas serão representados por sindicato nas
negociações coletivas, assinatura de acordos e convenção coletiva, em
demandas judiciais e extrajudiciais.
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No Brasil
Conforme dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o país tinha
778 mil pessoas trabalhando em aplicativos de transporte de passageiros, o
equivalente a 52,2% dos trabalhadores de plataformas digitais e aplicativos de
serviços. Outro indicador mostra que 70,1% dos ocupados em aplicativos eram
informais.
Na cerimônia, o
presidente do Sindicato de Motoristas de Aplicativo do Estado de São Paulo,
Leandro Medeiros, afirmou que mais de 1,5 milhão de famílias no país dependem
da renda gerada por transporte de passageiros por aplicativo.
Ele pediu que o
governo avalie a criação de uma linha de crédito para que a categoria possa
financiar a troca dos veículos que, segundo ele, vive “refém das locadoras de
veículos”. O presidente Lula afirmou que tratará do tema com os bancos.
Já o diretor executivo
da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, André Porto, destacou que
a proposta concilia “avanço tecnológico com direitos sociais”.
Em nota, a Uber
informou considerar o projeto apresentado pelo governo “como um importante
marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por
plataformas. O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem
prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos
para geração de renda”.
“A empresa valoriza o
processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do
setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual
inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de
inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de
transparência, entre outros”, diz a nota.
A empresa afirmou
ainda que irá acompanhar a tramitação do projeto no Congresso Nacional.
Fonte: Dinheiro Rural/Agencia
Brasil
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