Abecedário da economia contemporânea
Bordão é uma frase ou
expressão do gosto popular. Chavão é frase feita com o lugar-comum do “clichê”.
Jargão uma expressão utilizada por um grupo fechado de pessoas como uma
corporação profissional.
Algumas palavras e
expressões utilizadas por economistas podem excluir pessoas sem conhecimento do
vocabulário deles. Pensei, então, em um pequeno Abecedário da economia
contemporânea com “palavrinhas-mágicas” terminadas com o sufixo “ão”:
A – Ação: torna seu
possuidor um proprietário de certa fração de determinada empresa aberta para
fazer negócios lucrativos, permitindo participação na propriedade e nos lucros
(ou eventuais prejuízos) da empresa; quando o controlador majoritário consegue
sócios, para obter capital e implementar sua inovação disruptiva, mantém a
gestão e uma maior participação acionária na divisão de lucros / prejuízos; a
abertura de capital, via IPO de parte minoritária, permite sua cotação ser
atribuída por mercado de ações e sua valorização garantir tomar dinheiro
emprestado para fusões e aquisições com consequente elevação do valor de
mercado das ações e enriquecimento pessoal dos sócios-fundadores.
B – Bancarização:
significa acesso aos direitos da cidadania financeira, usufruindo das três
funções-chaves do sistema bancário do qual todos (Pessoas Físicas e Pessoas
Jurídicas) somos partes ou clientes: concessão de crédito, para financiar a
expansão de capacidade produtiva, a produção (capital de giro), o consumo, a
habitação, a especulação (compra de ativos baratos para vender caro) etc., e
aumentar a oferta de empregos; gestão de dinheiro, para aproveitar os
investimentos financeiros, proteger o poder aquisitivo das reservas e seus
rendimentos financeiros substituírem a renda do trabalho na aposentadoria; dar
acesso popular ao sistema de pagamentos escriturais (eletrônicos ou digitais)
para oferecer segurança e facilidade prática a todos os “bancarizados”.
C – Centralização,
Concentração e Competição: em oposição às economias ditas socialistas,
distintas pela propriedade estatal dos meios de produção e pela planificação
centralizada da economia nacional, a descentralização caracteriza as economias
capitalistas de mercado, porém, o capitalismo de Estado ou socialismo de
mercado chinês é muito bem-sucedido ao incentivar a concorrência entre as
empresas, garantindo pela regulação seu sistema econômico não ser limitado pela
ação dos monopólios e/ou por uma intervenção estatal inadequada.
D –
Desindustrialização: efeito da desregulação, diversificação e digitalização, em
um processo de transformação estrutural da economia, redirecionada para
atividades com elevado nível de produtividade e complexidade tecnológica como
os serviços intensivos em conhecimento, com redução da participação da
indústria no PIB, mas sem uma redução absoluta do seu valor adicionado; a
estratégia de estabilização de preços adotada no Brasil com juros disparatados
se associaram a um modelo anti-produção e pró-importação, devido à
desnacionalização da estrutura produtiva e à reorganização empresarial, com
desverticalização e integração internacional importadora.
E – Exportação: na
divisão internacional do trabalho, os países tendem a especializar-se na
produção dos bens para os quais têm maior disponibilidade de fatores
produtivos, garantindo um excedente exportável; por exemplo, o Brasil (“fazenda
do mundo”) exporta petróleo, minério e soja para a China (“fábrica do mundo”),
de modo a cobrir suas importações de produtos industriais e diminuir o déficit
no balanço de transações correntes com a remessa de lucros, juros do crédito
inter companhias, royalties etc. das multinacionais aqui instaladas, inclusive
para serem exportadoras das citadas commodities.
F – Financeirização: é
um bordão para “a denúncia de um capitalismo”, cujo capital-dinheiro sempre
teve o papel crucial; a dominância dos critérios financeiros para as tomadas de
decisões sobre aplicações das sobras dos fluxos de renda em estoques de ativos
financeiros permite a mobilidade social com o enriquecimento de trabalhadores
profissionalmente bem capacitados; a “financeirização” não deveria sofrer a
demonização habitual porque permite esses trabalhadores acumularem riqueza
financeira para manter o padrão de vida na aposentadoria sem Previdência
Social, quando os rendimentos de juros e dividendos substituirão a renda do
trabalho – e virarão “rentistas”.
G – Globalização: não
houve o anunciado fim das economias nacionais, apesar das desnacionalizações
com a integração cada vez maior dos mercados, em especial do financeiro (via
ações e títulos), dos meios de comunicação e dos transportes; as cadeias globais
de valor permitem o abastecimento de uma empresa por meio de fornecedores
encontrados nas proximidades, nos continentes do norte do mundo, cada um
produzindo e oferecendo as melhores condições de preço e qualidade naqueles
produtos com maiores vantagens comparativas; a tendência atual é de
fragmentação da economia global com o protecionismo, inclusive dos Estados
Unidos com sua prioridade colocada na segurança nacional e na busca de
liderança em semicondutores, energia limpa e biotecnologia para esse objetivo.
H – Hiperinflação:
caso especial de inflação descontrolada, na qual os preços aumentam porque as
pessoas não querem reter a moeda nacional, em razão da rapidez da queda de seu
poder de compra, mas sim buscam a moeda estrangeira como reserva de valor e acabam
usando-a como unidade de conta; diante da desvalorização contínua do meio de
pagamento oficial, quando se converte a moeda estrangeira em nacional, os
preços são elevados descontroladamente.
I – Inflação: de 2001
a 2023, a média anual de inflação no Brasil de 6,27% ao ano com desvio padrão
de 2,44 caracteriza uma inflação inercial – quando os agentes econômicos
buscam, periodicamente, recompor seu preço ou remuneração pelo pico prévio,
levando os pagadores ao piso da renda real –, e apesar de não ser uma inflação
de demanda, o Banco Central do Brasil busca a controlar com uma taxa de juro
(Selic) média de 12,01% ao ano, resultante em juro real médio anual de 5,4%, no
século XXI, e levando à estagdesigualdade: estagnação do fluxo de renda e
concentração do estoque de riqueza financeira.
J – Judicialização do
Juro: a judicialização da política de juros seria um fenômeno jurídico
entendido como o aumento do impacto de decisões judiciais em causa econômica
com efeitos políticos e sociais, onde os conflitos distributivos seriam levados
ao Judiciário para uma resolução; por exemplo, anatocismo é um termo próprio do
Direito para definir a cobrança de juros sobre juros devidos, em uma situação
de inadimplência, conduta vetada pela lei brasileira, mas é uma prática
necessária por juro ser a remuneração do custo de oportunidade de quem cede seu
dinheiro para outro lucrar com ele – e não uma usura.
K – Keyneszação: abuso
do argumento de autoridade com citações, inclusive de ideias equivocadas como
preferência por liquidez em uma economia com rede bancária capaz de captar os
depósitos à vista para lastrear sua carteira de títulos de dívida; diante da
estagflação, isto é, inflação acentuada acompanhada de recessão, a abordagem
keynesiana enfraqueceu, porque tinha como um dos principais pilares de
sustentação a ideia do desemprego recessivo derrubar a inflação, além do
intervencionismo estatal, para a expansão da renda e do emprego com gastos
públicos substitutos de gastos privados, mesmo com a geração de déficits
fiscais, quando os gastos privados retraíssem por causa de uma armadilha de
liquidez durante uma grande depressão deflacionária.
L – Liquidação: é
busca da conversão de estoques ou ativos de uma empresa em dinheiro, caso a
empresa esteja com problemas de liquidez (falta de dinheiro em caixa); promove
uma liquidação com preços de promoção, tanto para comprar matéria-prima, quanto
para pagar dívidas; isto para evitar a liquidação total da empresa, com
consequente fechamento da firma.
M – Monetização e
Maxidesvalorização: a economia mundial adota a predominância do dólar, moeda
norte-americana, como reserva de valor e unidade de conta do comércio exterior,
exigindo a conversão das moedas nacionais para esta estrangeira como meio de pagamentos;
dada essa dolarização, a maxidesvalorização cambial, como faz a China, mantendo
sempre sua moeda depreciada, visa baratear os preços dos produtos nacionais no
mercado internacional e obter megassuperávits no balanço comercial, por meio do
aumento das exportações e redução das importações, ampliando suas reservas
cambiais; no Brasil, a maxivalorização da moeda nacional combate a inflação
importada.
N – Neoliberalização:
doutrina ideológica em busca de desincrustar uma pressuposta economia de
livre-mercado da tutela da sociedade, restringindo-a aos princípios apenas do
liberalismo econômico, como a vida econômica fosse regida por uma ordem
natural, emergida a partir das livres decisões individuais, e cuja mola-mestra
para a alocação de capital seria o sistema dos preços relativos.
O – Obrigação: título
de dívida direta emitido por empresas (debênture) ou título de dívida pública
emitido pelo poder público com rendimentos de juros e representativo de um
empréstimo feito ao emitente; no caso recente brasileiro, os neoliberais afirmam
o crescimento das emissões das debêntures ter ocorrido pelo retraimento do
BNDES, mas na verdade foi devido à queda da Selic, quando empresas
não-financeiras, em processo de desalavancagem financeira, trocaram dívida cara
por barata, em prazo maior, além de fazerem recomposição de caixa em vez de
investimentos, seja em infraestrutura, seja em aquisição de participação
societária.
P – Privatização ou
Planificação: a privatização de uma empresa estatal ocorre, em geral, quando
ela passa a apresentar lucros consistentes, após a maturação do investimento
pioneiro feito pelo Estado, tornando-se então um empreendimento atraente para
uma empresa privada, ou depois de um saneamento pelo Estado, quando se trata de
empresa falida, absorvida pelo poder público; pior é quando o Estado pró-livre
mercado se abstém de qualquer planificação, como ocorre nas economias de
comando, para regulação do mercado via elaboração de planos de produção
rigorosos e com objetivos precisos para todos os setores econômicos; em vez de
o órgão estatal encarregado do planejamento determinar os objetivos globais de
cada unidade de produção e fixar as cotas de produção de cada uma, levando em
conta a disponibilidade de recursos, a capacidade produtiva e as relações entre
os diversos setores da economia, O mercado cuida de sua autorregulação.
Q – Qualificação e
Quitação: trabalhadores sem a qualificação exigida perante a oferta de empregos
em queda apelam para o endividamento e só se liberam de sua obrigação quando há
declaração por escrito do credor de ter recebido do devedor determinada quantia
relativa a seu crédito para quitação; o empréstimo deve ser um recurso em
última instância, inclusive no caso de crédito estudantil, para a qualificação
em Educação Superior, pagar as dívidas e acumular capital financeiro.
R – Regulação: a 4ª.
Revolução Tecnológica implica em transformação radical no âmbito das forças
produtivas, modificando profundamente o modo de existência de toda a sociedade;
a Indústria 4.0 engloba tecnologias para automação e troca de dados e utiliza
conceitos de sistemas cibernéticos, internet das coisas e computação em nuvem;
seu foco seria a melhoria da eficiência e produtividade dos processos, mas sem
regulação o desemprego tecnológico tende a disparar.
S – Servicirização: as
atividades terciárias se desenvolvem, predominantemente, nos centros urbanos e
geram ocupações (muitas precárias em termos de direitos trabalhistas) para os
desempregados por causa das novas tecnologias empregadas nas atividades industriais
e agropecuárias; serviços como o varejo (o processo de venda de um produto ou
serviço feito por uma empresa ou microempreendedor diretamente ao seu cliente),
os serviços de cuidados e outros serviços pessoais passam a ser o principal
motor da criação de empregos, mesmo com baixa produtividade, porque se definem
como o encontro direto do produtor/vendedor com consumidor.
T – Tecnologização:
tem enorme impacto no mundo do trabalho contemporâneo, resultando em várias
transmutações: automação do processo produtivo; digitalização de muitos
aspectos do trabalho (como comunicação, produção e gerenciamento de dados);
flexibilização com home office; exigência de nova capacitação profissional;
desemprego tecnológico e desigualdade social.
U – Usuralização:
cobrança de taxas de juros consideradas exorbitantes, nos cartões de crédito
distribuídos sem avaliação dos perfis de risco dos beneficiados, segundo a
prática dominante no modelo brasileiro: em cada dois usuários de crédito
rotativo, um é inadimplente e paga um juro extorsivo para compensar a perda com
o outro, porque bancos trabalham com recursos de terceiros – e não podem os
perder.
V – Valorização: as
ações da Petrobras valorizaram, desde a vitória eleitoral do Lula até 24/04/24,
mais de 155%, de R$ 16,20 para R$ 41,24; apenas os valores de mercado de 10
ações concentram 50% do total negociado na bolsa de valores brasileira de R$ 4,469
trilhões; as valorizações e desvalorizações de ações na economia global
determinam as oscilações da riqueza mundial, porque são cerca da metade dos
ativos financeiros e estes são mais da metade dela.
W – Wall Streetização:
a capitalização das bolsas NYSE (US$ 25 trilhões) e NASDAQ (US$ 22 trilhões),
com cerca de cinco mil empresas listadas é mais de 47 vezes a da B3 com apenas
445 Sociedades Anônimas; entre 2013 e 2022, a capitalização total de todas as
bolsas de valores aumentou de US$ 65 trilhões para US$ 105 trilhões (US$ 120
trilhões em 2021); 58% da população norte-americana (145 milhões pessoas)
investem em ações, mas só 15% diretamente, os demais em Fundos de Ações; os 10%
investidores mais ricos são donos de quase 90% das ações lá em circulação,
inclusive os investidores institucionais alocadores de capital em empresas
transnacionais da economia global “Wall-Streetificada”.
X – Xzação: obsessão
de bilionários em usar X em suas marcas para multiplicar seu dinheiro: Eike
Batista usou EBX, MMX, CCX, IMX, OGX, LLX, REX, NRX, JPX, MPX, OSX, AUX… e
xfudeu; Elon Musk fundou a X.com (futura PayPal), SpaceX, xAI, fechou o capital
e mudou a razão social de Twitter Inc. para X Corp. Xiii, vai xfu…
Y – Yuppiezação:
“yuppie” é uma derivação da sigla-abreviatura de Young Urban Professional,
termo anglófono cunhado na Era Neoliberal para designar um Jovem Profissional
Urbano ganancioso, seja em Wall Street, seja na Faria Lima ou no Leblon.
Z – Zangão: apelido de
operador e/ou investidor na bolsa de valores sem habilitação credenciada:
investe todo o dinheiro em ações; não suporta variações de renda variável;
diversifica ingenuamente o portfólio em ações das exportadoras de commodities;
faz day trade freneticamente para se antecipar diante o market-to-market, isto
é, o processo pelo qual se define o preço de liquidação oficial de um ativo
futuro e ajusta as posições; não faz análise fundamentalista e equivoca-se na
análise técnica ou grafista; não reinveste os dividendos; abandona a meta de
melhor qualificação em sua profissão, com a qual poderia obter maior renda, por
causa da ganância de enriquecimento rápido e fácil…
Fonte: Por Fernando
Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda
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