quinta-feira, 23 de maio de 2024

A saúde brasileira está preparada para a longevidade da população? Se depender dos Planos... morre

A população mundial está ficando mais velha. E a brasileira também. Se em um sentido isso representa a conquista de viver mais, decorrente dos avanços tecnológicos e da medicina, por outro a longevidade traz consigo o desafio do envelhecimento saudável, sendo urgente repensar as políticas públicas. Dentre os principais gargalos do Brasil para encarar a longevidade da população estão a escassez de profissionais da área da saúde, a desigualdade social, o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, falta de centros de convivência e leitos para essa população, além de uma mudança da mentalidade de profissionais, gestores e políticos voltada para o curar e não prevenir.

Segundo o Relatório Social Mundial 2023 das Nações Unidas, em 2050 haverá 1,6 mil milhões de pessoas com mais de 65 anos. Os dados do Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que o número de idosos com 65 anos ou mais cresceu de forma acelerada no Brasil e alcançou o total de 22,2 milhões de pessoas – 10,9% da população – maior percentual da história. Em 2050 as projeções indicam 31% de idosos.

“Temos uma bomba relógio na mão. Estamos defasados em décadas. O Brasil é um dos três países que mais rapidamente envelheceu. Os estudantes de medicina não estão aprendendo nada sobre doenças crônicas e os pacientes estão cada vez mais idosos. É preciso ter mais geriatras, mas temos uma deficiência no país”, alerta o gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.

A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) estima que o déficit de geriatras seja de 28 mil. Atualmente são 2.600 cadastrados na SBGG. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um profissional para cada mil idosos.

O mais preocupante, conforme Kalache, “é que não vamos formar esses profissionais em tempo para isso”, alega. “Nós temos apenas 10% das faculdades de medicina que tem geriatria. Se todas tivessem poderíamos atrair futuros médicos para a área. Mas todos os profissionais da saúde precisam aprender sobre envelhecimento. Caso contrário ficaremos na ignorância. Afinal, não podemos gostar de algo que não conhecemos e, assim, essa população será mal atendida”, diz.

•                                           Políticas públicas voltadas para a promoção da saúde

Artigo publicado na revista científica “The Lancet Healthy Longevity” sugeriu que os sistemas de cuidados de saúde baseados apenas na resposta às doenças já não são acessíveis e as economias precisam de uma força de trabalho mais produtiva. Neste sentido, Álvaro Avezum, médico cardiologista e diretor de pesquisa do centro de longevidade do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, defende algumas medidas para a longevidade da população: primeiro, o foco deve ser em saúde e não apenas na doença. Segundo, não colocar a longevidade após os 60 anos – segundo ele, para ser centenário é preciso começar na infância, uma vez que o cuidado ocorre ao longo da vida.

E, em terceiro, pensar na prevenção de doenças crônicas: “90% dos riscos de infarto e AVC podem ser prevenidos. No caso da pressão alta, é fácil de diagnosticar e temos medicamento disponíveis. Mas na prática isso não acontece e é um dos fatores que mostra que não estamos preparados. O custo de tratar hipertensão é baixo para a mudança de um estilo de vida saudável”.

Em estudo com participação de Avezum, intitulado “Diet, cardiovascular, disease, and mortality in 80 countries” e publicado na Oxford Academic, pesquisadores analisaram o quanto o consumo de dietas não saudáveis tem sido associado à morte por doenças cardiovasculares. A pesquisa contou com 244.597 participantes de 80 países nos seis continentes. Para Avezum, “infartos, AVC e insuficiência cardíaca contam com alguns fatores que são responsáveis por 90% dos casos. São eles: falta de prevenção e controle de pressão arterial, obesidade abdominal, cigarro, baixa força muscular, diabetes, alimentação pouco saudável, baixa escolaridade, sedentarismo, colesterol e depressão”.

Embora o conhecimento esteja disponível, na prática ele nem sempre é aplicado. E isso é decorrente do baixo letramento educacional. De acordo com Alexandre Kalache, no Brasil se envelhece precocemente e mal:

“No Brasil, você tem sorte se chegar aos 60 anos de vida saudável. Normalmente você chega aos 50 anos com hipertensão que podia dia ser evitada e não foi. Com nível educacional baixo, não consegue absorver as mensagens importantes para evitar esses problemas. Essa falta de letramento está associada à falta de oportunidades”, acredita.

•                                           O impacto da desigualdade na longevidade da população

Um levantamento realizado pelo SABE (Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento) fez uma análise comparativa entre brancos e negros considerando perfil sociodemográfico, condições e uso de serviços de saúde com a população idosa de São Paulo. O estudo apontou um cenário mais favorável para o envelhecimento das pessoas de cor branca em comparação com aquelas de cor parda ou preta.

As disparidades socioeconômicas influenciam em uma longevidade saudável, defende Kalache. Segundo ele, para muitos brasileiros, ter uma alimentação saudável é mais caro. Em relação à atividade física, brasileiros que levam horas em pé de ônibus para ir ao trabalho e voltar não terão disposição para realizar uma atividade física ao retornarem para casa. Caso possam, muitas vezes, moram em lugares com mais violência ou não têm dinheiro para pagar uma academia: “É importante conhecer esse contexto. Você chega aos 70 em função das oportunidades e se teve uma vida mais saudável”, pontua.

Diante desse cenário, ele acredita no foco na atuação primária à saúde: “O vetor principal da atenção das políticas públicas é reforçar o Sistema Único Brasileiro (SUS). Ter um centro de saúde mais capacitado e com uma equipe que saiba lidar com o público”. Nesse sentido, as ações ligadas à Estratégia Saúde da Família, que têm como multiplicadores os agentes comunitários de saúde, são um caminho.

Para Alexander Daudt, médico oncologista e coordenador do Núcleo de Medicina de Estilo de Vida do Hospital Moinhos de Vento (RS), as ideias trabalhadas em conjunto em ambientes fechados, como nas universidades e centro de saúde, precisam sair desses espaços e chegar nas escolas. Por isso, considera fundamental envolver as famílias e as secretarias de educação.

“A ideia é de capilaridade e de unir os pontos. É preciso que isso chegue nas crianças. O acesso à informação precisa começar lá na base. Outro exemplo: comunidades que trabalham com grupos orgânicos, para que produtores tenham subsídio do governo para chegar na praça e vender os alimentos por um preço menor, tornando assim a alimentação saudável acessível”, pontua.

•                                           Rio Grande do Sul: o estado mais longevo do Brasil

Os dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE mostraram que o Rio Grande do Sul é o estado com a população mais velha do Brasil. O RS soma a maior proporção de pessoas idosas, com 14,1% da população, e possui o maior índice de envelhecimento: 80,4. Entre os dez municípios com o maior índice de envelhecimento, nove são do Rio Grande do Sul e um de São Paulo.

Os três munícipios que ocupam o topo dessa lista são todos gaúchos e têm menos de cinco mil habitantes: Coqueiro Baixo, Santa Tereza e Três Arroios. Características regionais podem explicar essas classificações. É o caso de Coqueiro Baixo, distante 173 km de Porto Alegre, com 1.290 habitantes. Felipe Dapian, secretário de saúde do município, afirma que a maioria da população é descendente de italianos e mora em pequenas propriedades. Assim, possuem o hábito de mexer na terra, ter a sua horta e, consequentemente, uma vida ativa: “Em nosso munícipio temos um olhar especial para essa população. Fazemos encontros periódicos. É realizado um acompanhamento detalhado, com busca ativa para proporcionar uma qualidade de vida em cima dos trabalhos que fornecemos. Há uma série de políticas públicas voltadas para as comunidades”, conta.

São realizados ainda consultas, acompanhamentos, palestras nas comunidades, atividades físicas (como danças, pilates e alongamentos), oficinas terapêuticas, fisioterapia e quiropraxia. Conforme o secretário de saúde, há ainda encontros de terceira idade nas comunidades e o Dia do Idoso com baile.

Outra cidade que concentra muitos longevos é Veranópolis, que fica a 134 km de Coqueiro Baixo. O município é conhecido como ‘Terra da Longevidade’ e busca ainda ser uma das cinco cidades do mundo a ser uma Blue Zone (locais onde as pessoas vivem por mais tempo). Além disso, em 2016, foi chancelado pela OMS como Cidade mais Amiga do Idoso. A secretária do Desenvolvimento Social, Habitação e Longevidade, Fabiane Parise, afirma que o munícipio possui uma série de programas implementados pela prefeitura com o intuito de beneficiar os 60+ em seu cotidiano:

“Investimos na qualidade de vida, no fortalecimento das relações e vínculos das pessoas longevas, proporcionando espaços e atividades para o público. No mês de outubro tradicionalmente realizamos uma grande festa pra eles, celebrando o seu dia, comemorado dia 1º, e outras atividades ao longo das semanas. Também atuamos fortemente no âmbito da saúde, com uma Unidade de Atendimento com selo ouro para eles.”

Há ainda uma lei municipal instituída em 2013, a Política Municipal do Idoso. Um dos programas que ela instituiu é o “Mais Longe”, atividades para a promoção do bem-estar físico, mental e social das pessoas longevas de Veranópolis. O município conta com outras iniciativas, como a Cuidando da Dose, para orientar os mais velhos em relação à prescrição de medicamentos, e Motivos para Sorrir, com equipes de odontólogos que concedem próteses dentárias para idosos com falta de recursos.

Mas se o Rio Grande do Sul é o estado mais longevo, por que não escalonar essas ideias para o resto do país? Álvaro Avezum faz um adendo: “A escalabilidade precisa levar em conta onde vai ser levada e com pequenos ajustes, respeitando as pequenas nuances locais”.

Alexandre Kalache, por exemplo, lembra que todo esse cenário também está ligado a questões históricas: “O Estado é caracterizado por uma emigração com pessoas com qualificações que já vieram com direito à propriedade se comparado aos negros. Assim, produziram economicamente de forma que mantém a comunidade coesa”. Tudo isso facilitou as aplicações de centros de saúde e do desenvolvimento do cuidado com a população. “Dessa forma, a atenção primária encontrou um campo fértil para as coisas acontecerem”, explica.

•                                           Para pensar no futuro, surgem os centros de longevidade

Inverter a ênfase histórica de uma abordagem curativa para a preventiva requer uma mudança tanto por parte de quem assume a formulação de políticas de saúde quanto por parte dos sistemas de saúde. Mas algumas iniciativas já buscam entender essa situação, com a criação de centros de pesquisa que ajudam a pensar a longevidade no país.

Em 2023, o Hospital Moinhos de Vento inaugurou o Centro da Memória, um espaço dedicado à assistência, pesquisa e educação com foco na melhora da qualidade de vida de pacientes com declínio cognitivo. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem com alguma forma de demência e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.

“O foco é atuar na investigação de problemas cognitivos. Uns dos que não possuem cura são a demência e a vulnerabilidade cognitiva que podem afetar outras áreas. Em alguns meses de atuação, a partir dos dados que coletamos, percebemos que um grande número de pacientes tem esquecimento, mas não está em estágio de demência. E é exatamente esse grupo que irá se beneficiar da prevenção”, explica Wyllians Borelli, neurologista, pesquisador e coordenador de pesquisa do Centro da Memória.

Também no ano passado, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz começou a operar o Centro de Ciência para Longevidade, criado para gerar conhecimento baseado em evidências e oferecer soluções efetivas aos desafios de saúde decorrentes do envelhecimento da população brasileira. Conforme Álvaro Avezum, médico cardiologista e diretor de pesquisa do centro, o foco é atuar na importância do cuidado da pessoa, com diagnóstico precoce, prevenção e monitoramento remoto, além de auxiliar na implantação de políticas públicas.

No Senado também tramitam diversos projetos para atender os desafios do aumento acelerado de longevos no país, entre eles: criar no SUS programas de envelhecimento saudável, incentivar a empregabilidade de pessoas idosas, estimular a criação de cursos de formação de cuidadores de idosos e aumentar a fiscalização de entidades de longa permanência, entre outros.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

 

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