A saúde brasileira está preparada para a longevidade da
população? Se depender dos Planos... morre
A população
mundial está ficando mais velha. E a brasileira também. Se em um sentido isso
representa a conquista de viver mais, decorrente dos avanços tecnológicos e da
medicina, por outro a longevidade traz consigo o desafio do envelhecimento
saudável, sendo urgente repensar as políticas públicas. Dentre os principais
gargalos do Brasil para encarar a longevidade da população estão a escassez de
profissionais da área da saúde, a desigualdade social, o aumento das doenças
crônicas não transmissíveis, falta de centros de convivência e leitos para essa
população, além de uma mudança da mentalidade de profissionais, gestores e
políticos voltada para o curar e não prevenir.
Segundo
o Relatório Social Mundial 2023 das Nações Unidas, em 2050 haverá 1,6 mil
milhões de pessoas com mais de 65 anos. Os dados do Censo Demográfico de 2022
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que o
número de idosos com 65 anos ou mais cresceu de forma acelerada no Brasil e
alcançou o total de 22,2 milhões de pessoas – 10,9% da população – maior
percentual da história. Em 2050 as projeções indicam 31% de idosos.
“Temos
uma bomba relógio na mão. Estamos defasados em décadas. O Brasil é um dos três
países que mais rapidamente envelheceu. Os estudantes de medicina não estão
aprendendo nada sobre doenças crônicas e os pacientes estão cada vez mais
idosos. É preciso ter mais geriatras, mas temos uma deficiência no país”,
alerta o gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de
Longevidade Brasil.
A
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) estima que o déficit de
geriatras seja de 28 mil. Atualmente são 2.600 cadastrados na SBGG. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um profissional para cada mil
idosos.
O
mais preocupante, conforme Kalache, “é que não vamos formar esses profissionais
em tempo para isso”, alega. “Nós temos apenas 10% das faculdades de medicina
que tem geriatria. Se todas tivessem poderíamos atrair futuros médicos para a
área. Mas todos os profissionais da saúde precisam aprender sobre
envelhecimento. Caso contrário ficaremos na ignorância. Afinal, não podemos
gostar de algo que não conhecemos e, assim, essa população será mal atendida”,
diz.
• Políticas
públicas voltadas para a promoção da saúde
Artigo
publicado na revista científica “The Lancet Healthy Longevity” sugeriu que os
sistemas de cuidados de saúde baseados apenas na resposta às doenças já não são
acessíveis e as economias precisam de uma força de trabalho mais produtiva.
Neste sentido, Álvaro Avezum, médico cardiologista e diretor de pesquisa do
centro de longevidade do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, defende algumas medidas
para a longevidade da população: primeiro, o foco deve ser em saúde e não
apenas na doença. Segundo, não colocar a longevidade após os 60 anos – segundo
ele, para ser centenário é preciso começar na infância, uma vez que o cuidado
ocorre ao longo da vida.
E,
em terceiro, pensar na prevenção de doenças crônicas: “90% dos riscos de
infarto e AVC podem ser prevenidos. No caso da pressão alta, é fácil de
diagnosticar e temos medicamento disponíveis. Mas na prática isso não acontece
e é um dos fatores que mostra que não estamos preparados. O custo de tratar
hipertensão é baixo para a mudança de um estilo de vida saudável”.
Em
estudo com participação de Avezum, intitulado “Diet, cardiovascular, disease,
and mortality in 80 countries” e publicado na Oxford Academic, pesquisadores
analisaram o quanto o consumo de dietas não saudáveis tem sido associado à
morte por doenças cardiovasculares. A pesquisa contou com 244.597 participantes
de 80 países nos seis continentes. Para Avezum, “infartos, AVC e insuficiência
cardíaca contam com alguns fatores que são responsáveis por 90% dos casos. São
eles: falta de prevenção e controle de pressão arterial, obesidade abdominal,
cigarro, baixa força muscular, diabetes, alimentação pouco saudável, baixa
escolaridade, sedentarismo, colesterol e depressão”.
Embora
o conhecimento esteja disponível, na prática ele nem sempre é aplicado. E isso
é decorrente do baixo letramento educacional. De acordo com Alexandre Kalache,
no Brasil se envelhece precocemente e mal:
“No
Brasil, você tem sorte se chegar aos 60 anos de vida saudável. Normalmente você
chega aos 50 anos com hipertensão que podia dia ser evitada e não foi. Com
nível educacional baixo, não consegue absorver as mensagens importantes para
evitar esses problemas. Essa falta de letramento está associada à falta de
oportunidades”, acredita.
• O
impacto da desigualdade na longevidade da população
Um
levantamento realizado pelo SABE (Estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento) fez
uma análise comparativa entre brancos e negros considerando perfil
sociodemográfico, condições e uso de serviços de saúde com a população idosa de
São Paulo. O estudo apontou um cenário mais favorável para o envelhecimento das
pessoas de cor branca em comparação com aquelas de cor parda ou preta.
As
disparidades socioeconômicas influenciam em uma longevidade saudável, defende
Kalache. Segundo ele, para muitos brasileiros, ter uma alimentação saudável é
mais caro. Em relação à atividade física, brasileiros que levam horas em pé de
ônibus para ir ao trabalho e voltar não terão disposição para realizar uma
atividade física ao retornarem para casa. Caso possam, muitas vezes, moram em
lugares com mais violência ou não têm dinheiro para pagar uma academia: “É
importante conhecer esse contexto. Você chega aos 70 em função das
oportunidades e se teve uma vida mais saudável”, pontua.
Diante
desse cenário, ele acredita no foco na atuação primária à saúde: “O vetor
principal da atenção das políticas públicas é reforçar o Sistema Único
Brasileiro (SUS). Ter um centro de saúde mais capacitado e com uma equipe que
saiba lidar com o público”. Nesse sentido, as ações ligadas à Estratégia Saúde
da Família, que têm como multiplicadores os agentes comunitários de saúde, são
um caminho.
Para
Alexander Daudt, médico oncologista e coordenador do Núcleo de Medicina de
Estilo de Vida do Hospital Moinhos de Vento (RS), as ideias trabalhadas em
conjunto em ambientes fechados, como nas universidades e centro de saúde,
precisam sair desses espaços e chegar nas escolas. Por isso, considera
fundamental envolver as famílias e as secretarias de educação.
“A
ideia é de capilaridade e de unir os pontos. É preciso que isso chegue nas
crianças. O acesso à informação precisa começar lá na base. Outro exemplo:
comunidades que trabalham com grupos orgânicos, para que produtores tenham
subsídio do governo para chegar na praça e vender os alimentos por um preço
menor, tornando assim a alimentação saudável acessível”, pontua.
• Rio
Grande do Sul: o estado mais longevo do Brasil
Os
dados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE mostraram que o Rio Grande do Sul é
o estado com a população mais velha do Brasil. O RS soma a maior proporção de
pessoas idosas, com 14,1% da população, e possui o maior índice de
envelhecimento: 80,4. Entre os dez municípios com o maior índice de
envelhecimento, nove são do Rio Grande do Sul e um de São Paulo.
Os
três munícipios que ocupam o topo dessa lista são todos gaúchos e têm menos de
cinco mil habitantes: Coqueiro Baixo, Santa Tereza e Três Arroios.
Características regionais podem explicar essas classificações. É o caso de
Coqueiro Baixo, distante 173 km de Porto Alegre, com 1.290 habitantes. Felipe
Dapian, secretário de saúde do município, afirma que a maioria da população é
descendente de italianos e mora em pequenas propriedades. Assim, possuem o
hábito de mexer na terra, ter a sua horta e, consequentemente, uma vida ativa:
“Em nosso munícipio temos um olhar especial para essa população. Fazemos
encontros periódicos. É realizado um acompanhamento detalhado, com busca ativa
para proporcionar uma qualidade de vida em cima dos trabalhos que fornecemos.
Há uma série de políticas públicas voltadas para as comunidades”, conta.
São
realizados ainda consultas, acompanhamentos, palestras nas comunidades,
atividades físicas (como danças, pilates e alongamentos), oficinas
terapêuticas, fisioterapia e quiropraxia. Conforme o secretário de saúde, há
ainda encontros de terceira idade nas comunidades e o Dia do Idoso com baile.
Outra
cidade que concentra muitos longevos é Veranópolis, que fica a 134 km de
Coqueiro Baixo. O município é conhecido como ‘Terra da Longevidade’ e busca
ainda ser uma das cinco cidades do mundo a ser uma Blue Zone (locais onde as
pessoas vivem por mais tempo). Além disso, em 2016, foi chancelado pela OMS
como Cidade mais Amiga do Idoso. A secretária do Desenvolvimento Social,
Habitação e Longevidade, Fabiane Parise, afirma que o munícipio possui uma
série de programas implementados pela prefeitura com o intuito de beneficiar os
60+ em seu cotidiano:
“Investimos
na qualidade de vida, no fortalecimento das relações e vínculos das pessoas
longevas, proporcionando espaços e atividades para o público. No mês de outubro
tradicionalmente realizamos uma grande festa pra eles, celebrando o seu dia,
comemorado dia 1º, e outras atividades ao longo das semanas. Também atuamos
fortemente no âmbito da saúde, com uma Unidade de Atendimento com selo ouro
para eles.”
Há
ainda uma lei municipal instituída em 2013, a Política Municipal do Idoso. Um
dos programas que ela instituiu é o “Mais Longe”, atividades para a promoção do
bem-estar físico, mental e social das pessoas longevas de Veranópolis. O
município conta com outras iniciativas, como a Cuidando da Dose, para orientar
os mais velhos em relação à prescrição de medicamentos, e Motivos para Sorrir,
com equipes de odontólogos que concedem próteses dentárias para idosos com
falta de recursos.
Mas
se o Rio Grande do Sul é o estado mais longevo, por que não escalonar essas
ideias para o resto do país? Álvaro Avezum faz um adendo: “A escalabilidade
precisa levar em conta onde vai ser levada e com pequenos ajustes, respeitando
as pequenas nuances locais”.
Alexandre
Kalache, por exemplo, lembra que todo esse cenário também está ligado a
questões históricas: “O Estado é caracterizado por uma emigração com pessoas
com qualificações que já vieram com direito à propriedade se comparado aos
negros. Assim, produziram economicamente de forma que mantém a comunidade
coesa”. Tudo isso facilitou as aplicações de centros de saúde e do
desenvolvimento do cuidado com a população. “Dessa forma, a atenção primária
encontrou um campo fértil para as coisas acontecerem”, explica.
• Para
pensar no futuro, surgem os centros de longevidade
Inverter
a ênfase histórica de uma abordagem curativa para a preventiva requer uma
mudança tanto por parte de quem assume a formulação de políticas de saúde
quanto por parte dos sistemas de saúde. Mas algumas iniciativas já buscam
entender essa situação, com a criação de centros de pesquisa que ajudam a
pensar a longevidade no país.
Em
2023, o Hospital Moinhos de Vento inaugurou o Centro da Memória, um espaço
dedicado à assistência, pesquisa e educação com foco na melhora da qualidade de
vida de pacientes com declínio cognitivo. Segundo o Ministério da Saúde, cerca
de 1,2 milhão de pessoas vivem com alguma forma de demência e 100 mil novos
casos são diagnosticados por ano.
“O
foco é atuar na investigação de problemas cognitivos. Uns dos que não possuem
cura são a demência e a vulnerabilidade cognitiva que podem afetar outras
áreas. Em alguns meses de atuação, a partir dos dados que coletamos, percebemos
que um grande número de pacientes tem esquecimento, mas não está em estágio de
demência. E é exatamente esse grupo que irá se beneficiar da prevenção”,
explica Wyllians Borelli, neurologista, pesquisador e coordenador de pesquisa
do Centro da Memória.
Também
no ano passado, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz começou a operar o Centro de
Ciência para Longevidade, criado para gerar conhecimento baseado em evidências
e oferecer soluções efetivas aos desafios de saúde decorrentes do
envelhecimento da população brasileira. Conforme Álvaro Avezum, médico
cardiologista e diretor de pesquisa do centro, o foco é atuar na importância do
cuidado da pessoa, com diagnóstico precoce, prevenção e monitoramento remoto,
além de auxiliar na implantação de políticas públicas.
No
Senado também tramitam diversos projetos para atender os desafios do aumento
acelerado de longevos no país, entre eles: criar no SUS programas de
envelhecimento saudável, incentivar a empregabilidade de pessoas idosas,
estimular a criação de cursos de formação de cuidadores de idosos e aumentar a
fiscalização de entidades de longa permanência, entre outros.
Fonte:
Futuro da Saúde
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