Ucranianos encaram dura realidade de guerra prolongada em meio a
“impasse” na linha de frente
Para muitos ucranianos uma recente avaliação do
campo de batalha feita pelo chefe militar da Ucrânia não foi uma surpresa.
É o que se tem ouvido em conversas com amigos,
visto nas redes sociais e vivenciado pessoalmente nas linhas de frente à medida
que a guerra no Leste Europeu se arrasta.
O comandante das Forças Armadas Ucranianas, Valery
Zaluzhny, disse, numa entrevista à revista britânica “The Economist” nesta
semana, que “provavelmente não haverá
um avanço profundo e bonito” e que cada dia que passa dá vantagem
aos russos.
A contraofensiva ucraniana está paralisada às
vésperas da chegada do inverno.
A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia e
as linhas de frente estão em sua maior parte estáticas, enquanto ambos os lados
continuam a recrutar soldados.
Zaluzhny alertou que a Rússia “terá superioridade
em armas, equipamentos, mísseis e munições durante um tempo considerável” e que
a Ucrânia precisa de “abordagens inovadoras”.
A Ucrânia lançou uma contraofensiva em junho, mas
até agora não conseguiu ganhar o impulso necessário para virar a maré da guerra
a seu favor.
A avaliação de Zaluzhny ofereceu uma rara
alternativa às mensagens de esperança que se tornaram comuns por parte da
liderança política da Ucrânia. Quase todas as noites, o presidente ucraniano,
Volodymyr Zelensky, apela ao público para continuar a acreditar na potencial
vitória do país.
Mas, para muitos ucranianos, esse objetivo parece,
por enquanto, difícil de alcançar.
A CNN ouviu ucranianos
sobre o potencial para uma guerra prolongada e a esperança que ainda têm quando
o conflito atingir o que Zaluzhnyi chamou de “impasse”.
Os familiares de Vitalii Shevchuk fugiram para um
local seguro, mas a sua casa foi destruída sob a ocupação russa na cidade de
Hostomel, perto de Kiev, no início da invasão, em fevereiro de 2022.
Aqueles dias foram cheios de terror, disse ele. A
situação pode estar melhor agora, mas a verdade sobre a situação da guerra
“deve ser aceita, seja ela qual for”, afirmou ele à CNN.
“Parece haver duas realidades: uma é a otimista
transmitida pela maratona nacional”, disse Shevchuk, referindo-se à única
transmissão de notícias oficial conduzida conjuntamente por diversos canais de
TV ucranianos. “A outra é sobre a verdadeira realidade.”
Shevchuk declarou que quando a Rússia anexou a
Península da Crimeia da Ucrânia, em 2014, e ocupou partes da região de Donetsk
e Luhansk naquele ano, a luta parecia distante para muitos ucranianos.
Mas agora, mesmo que a guerra se transforme naquilo
que Zaluzhny descreveu como “guerra posicional”, Shevchuk está convencido de
que isso permanecerá na mente de todos.
“Acredito na vitória da Ucrânia, mas temos de ter
em conta a realidade objetiva. Quanto as previsões positivas de Zelensky faziam
sentido? Porque, se todos nós andássemos de cabeça baixa, dizendo que tudo está
ruim, tudo está errado, então eventualmente isso teria acontecido”, disse ele.
“O papel de Zelensky era elevar o moral e, se esse
espírito não existisse, a que as pessoas estariam se agarrando?”
Lendo os pensamentos de Zaluzhny sobre a situação
da batalha, um vice-comandante de uma unidade de artilharia perto de Bakhmut
não sentiu necessidade de transmitir as palavras aos soldados que serviam sob
seu comando.
Era tudo muito “óbvio”, relatou o subcomandante,
que falou à CNN sob
condição de anonimato porque não está autorizado a falar com a mídia sem
permissão.
“Onde
estamos sentimos constantemente a superioridade dos russos, tanto em
reconhecimento como em capacidade ofensiva. Eles têm uma enorme quantidade de
artilharia de canhão. Eles são inferiores em precisão, isso é fato, mas são
superiores em número de projéteis. Especialmente recentemente, a diferença é
perceptível, pois recebemos cada vez menos munições”, salientou.
Zaluzhny afirmou na entrevista à revista britânica
que a estratégia de desferir um duro golpe nas tropas russas, a fim de levar
Moscou à mesa de negociações, pode ter falhado.
“Esse foi meu erro”, disse ele. “A Rússia teve pelo
menos 150 mil mortos. Em qualquer outro país, tais baixas teriam parado a
guerra.”
·
“Eles não prestam atenção
às perdas”
O subcomandante admirou a franqueza de Zaluzhny.
O general “ousou dizer que errou. Isso vale muito.
É preciso ser uma pessoa corajosa para admitir que o plano falhou”, disse ele.
“Os russos não prestam atenção às perdas e continuam avançando.”
“Zelensky não é militar, na minha opinião. E
do ponto de vista dele, ele fez tudo certo. Todos os dias, em seus
discursos, ele prestava atenção às áreas mais difíceis da linha de frente e às
brigadas que faziam o trabalho mais difícil. Até certo ponto, isso elevou
o ânimo dos soldados.”
Lyuba Shipovich, diretora do Dignitas Fund, uma
fundação focada em fornecer apoio aos militares ucranianos com drones, medicina
tática e dispositivos de comunicação, passa os dias procurando soluções
tecnológicas que proporcionem aos soldados uma vantagem na linha de frente.
“Temos menos gente do que nosso inimigo e os
valorizamos mais. As pessoas deveriam ser retiradas da linha de frente e
substituídas por drones de inteligência e reconhecimento, sistemas de ataque
automatizados, drones autodestrutivos e bombardeiros”, disse ela à CNN.
“[O pessoal] deveria ficar escondido na retaguarda
da linha de frente, porque para nós a vida humana é muito mais valiosa em todos
os sentidos.
“Portanto, precisamos da ajuda dos parceiros
ocidentais para nos fornecerem não apenas armas, mas também a tecnologia para
essas armas.”
Numa entrevista recente à revista norte-americana
“Time”, Zelensky disse que “ninguém acredita na nossa vitória como eu. Ninguém”,
acrescentando que estimular essas crenças nos aliados da Ucrânia “exige todo o
seu poder, toda a sua energia”.
De acordo com estatísticas, entre 5,6 e 6,7 milhões
de ucranianos que fugiram do país devido à guerra permanecem no exterior.
Para eles, a evolução no campo de batalha e a
probabilidade de a guerra terminar são fatores-chave para determinar a
possibilidade de regressar para casa.
Iryna Avramets, de 34 anos, moradora de Kiev,
estava grávida de seu primeiro filho quando a guerra estourou.
Ela ficou na Ucrânia para dar à luz a filha, mas
partiu para a Espanha logo depois. O impasse da guerra, sem um fim claro à
vista, torna menos provável que ela regresse em breve.
“Por um lado, é previsível que a guerra se arraste,
embora seja difícil admitir isso”, aponta Iryna. “Apenas ouvimos, analisamos e
entendemos que não voltaremos para casa tão cedo.”
Ela diz que é bom conhecer o cenário descrito por
Zaluzhny, mas é igualmente importante permanecer otimista. Iryna acha que
Zelensky está ajudando os ucranianos a fazerem exatamente isso.
“Zelensky, por sua vez, está fazendo o possível
para dar fé ao povo para não desistirmos”, completou.
Oksana Yarosh, de Kharkiv, acredita que o
presidente ucraniano tem “amenizado” a situação há muito tempo. “A ausência de
más notícias que, na verdade, são uma realidade diária é assustadora”, contou
à CNN.
Muitas das questões sobre a mobilização e o
treinamento de reservas na Ucrânia simplesmente não são discutidas
publicamente, disse ela. Os problemas que são “abertamente ignorados” fazem com
que cada vez menos pessoas estejam dispostas a aderir e a lutar.
“Entendo que seja importante reduzir o nível de
pânico entre os civis ucranianos, mas, infelizmente, isso contribui para que a
atenção se volte para outro lado e para a complacência”, afirmou ela.
Natalia Kovalchuk, residente em Kiev, aprecia que o
presidente ucraniano mantenha o ânimo elevado durante a turbulência.
“O sentimento positivo que Zelensky transmitiu às
pessoas é necessário”, enfatizou à CNN.
“Mas é muito lamentável que houvesse muitas
expectativas em relação a esta contraofensiva. As pessoas ficaram tão
inspiradas que estávamos prestes a devolver a Crimeia, estamos prestes a
expulsar os russos da nossa terra, e isso não aconteceu.”
“Acho que muitas pessoas compreenderam que muitas
das suas esperanças eram irrealistas, mas tinham medo de admitir que esta
guerra seria de longo prazo”, finalizou.
Ø Zelensky convida Trump para ir à Ucrânia e diz que ele não encerraria a
guerra “por causa de Putin”
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,
convidou o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump para visitar a
Ucrânia, depois que Trump afirmou que poderia encerrar a guerra da Rússia
contra a Ucrânia dentro de 24 horas se fosse reeleito no próximo ano.
Zelensky questionou a afirmação de Trump numa
entrevista ao programa “Meet the Press” da NBC, que foi ao ar no domingo (5), e
o convidou a visitar a Ucrânia para ver pessoalmente os efeitos da invasão
russa.
“Se ele puder vir aqui, precisarei de 24 minutos –
sim, 24 minutos… para explicar ao presidente Trump que ele não consegue
resolver esta guerra. Ele não pode trazer a paz por causa de Putin”, disse
Zelensky.
Zelensky também elogiou o presidente Joe Biden por
visitar a Ucrânia no início deste ano, dizendo “Acho que ele entendeu alguns
detalhes que você só pode entender estando aqui. Então convido o presidente
Trump.”
Trump afirmou à CNN em maio que a guerra não teria
acontecido se ele fosse presidente quando a invasão da Rússia começou, e que
poderia resolver o conflito em um dia se fosse reeleito.
“Se eu for presidente, resolveria essa guerra em um
dia, 24 horas”, disse Trump à CNN meses atrás. “Vou me encontrar com Putin. Vou
me encontrar com Zelensky. Ambos têm pontos fracos e ambos têm pontos fortes. E
dentro de 24 horas essa guerra estará resolvida.”
Os comentários de Zelensky foram feitos depois que
o principal comandante da Ucrânia ter alertado na semana passada que a guerra
tinha entrado num “impasse”, enquanto o presidente ucraniano luta para manter o
apoio arduamente conquistado em um mundo distraído pela guerra no Oriente Médio
e com os parlamentares dos EUA divididos sobre a possibilidade de continuar
financiando a guerra da Ucrânia.
O chefe militar da Ucrânia, general Valery
Zaluzhny, escreveu num longo ensaio para The Economist que “tal como na
Primeira Guerra Mundial, atingimos o nível de tecnologia que nos colocou num
impasse”.
Embora a Ucrânia tenha resistido à invasão russa
durante mais de 20 meses, Zaluzhny escreveu que sem um enorme salto tecnológico
para quebrar o impasse, “muito provavelmente não haverá um avanço profundo e
bonito”.
Desde o início da contra-ofensiva, a Ucrânia
conseguiu retomar apenas uma faixa de terra, quase mil quilômetros recuperados
de defesas russas fortemente armadas.
A Rússia ainda ocupa quase um quinto da Ucrânia e,
nas últimas semanas, lançou novas ofensivas no leste, em torno de Avdviika e
Vuhledar, em Donetsk, e perto de Kupyansk, em Kharkiv.
Zaluzhny disse que o conflito entrou “no que nós,
nas forças armadas, chamamos de guerra ‘posicional’ de combates estáticos e de
atrito… em contraste com a guerra de ‘manobra’ de movimento e velocidade”. Ele
alertou que isto beneficiará a Rússia, dando tempo para reconstruir o seu poder
militar para novos ataques à Ucrânia.
Questionado pela NBC se concordava com o seu
principal general, Zelensky disse que “a situação é difícil”, mas não acredita
que a guerra tenha chegado a um “impasse”.
“Temos a iniciativa em nossas mãos. Você pode
imaginar como é uma guerra em grande escala ou como são dois anos de uma guerra
em grande escala. Todo mundo fica cansado. Até o ferro cansa. No entanto, tenho
orgulho dos nossos guerreiros e do nosso povo, por serem fortes… O nosso povo
tem um forte desejo de vencer”, disse ele.
Zelensky também destacou os sucessos da Ucrânia no
Mar Negro e na Crimeia, a península anexada que é uma artéria vital para o
reabastecimento das tropas russas na Ucrânia continental.
“A frota russa está sendo destruída pelas nossas
munições”, disse Zelensky à NBC, após uma série de ataques ucranianos
bem-sucedidos a navios de guerra russos e portos da Crimeia durante o verão.
“Não podemos confiar em terroristas”
Mas convencer os seus aliados da possibilidade de
vitória está se tornando cada vez mais difícil para Zelensky, à medida que a
atenção do mundo se volta para a guerra no Oriente Médio e entre avisos do
Congresso dos EUA de que o financiamento para a Ucrânia poderá se esgotar em
breve.
A Casa Branca deixou claro que a quantidade de
dinheiro que os EUA têm disponível para a ajuda militar à Ucrânia está se
esgotando rapidamente, à medida que o novo presidente da Câmara, Mike Johnson,
e o Senado continuam em desacordo sobre o pedido do governo federal para
aprovar mais de US$ 1 bilhão em fundos para a segurança nacional.
O presidente Biden pediu ao Congresso para aprovar
o projeto de lei suplementar, que inclui US$ 61,4 bilhões para a Ucrânia e US$
14,3 bilhões para Israel, como um “acordo abrangente e bipartidário”.
Zelensky argumenta que a luta da Ucrânia contra a
Rússia é do interesse da segurança nacional dos EUA. Ele disse à NBC que os
soldados americanos poderiam eventualmente ser arrastados para um conflito
europeu mais amplo com a Rússia se o apoio de Washington diminuísse.
“Se a Rússia matar todos nós, eles atacarão os
países da Otan e vocês enviarão os seus filhos e filhas. E será – sinto muito,
mas o preço será mais alto”, disse Zelensky.
“Você tem que entender, basta vir para a Ucrânia e
ver. Somos as mesmas pessoas. Temos os mesmos valores”, disse ele quando
questionado sobre por que os legisladores dos EUA deveriam aprovar mais ajuda
militar à Ucrânia.
A relutância do Congresso em aprovar despesas
adicionais para a Ucrânia surge no momento em que vários candidatos
presidenciais republicanos argumentam que a Ucrânia deveria aceitar negociações
de paz com a Rússia para pôr fim à guerra.
Zelensky, que há muito se opõe à ideia de
negociações de paz, disse à NBC: “Não estou pronto para falar com os
terroristas porque a palavra deles não é nada. Nada. Não podemos confiar em
terroristas porque os terroristas sempre voltam, sempre voltam.”
Fonte: CNN Brasil
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